Toca Raul!!! Blog do Raul Marinho

Origens do estresse

Posted in Atualidades by Raul Marinho on 14 abril, 2009

stressed-out

Imagine a vida de nossos antepassados há 100mil anos, nas savanas africanas. Era predador para todo lado, outros grupos humanos agressivos armando emboscadas, dificuldades dentro do próprio grupo social, escassez de alimentos, nada em termos de medicina… Enfim, um ambiente ultra-estressante. Comparando o dia-a-dia do pleistoceno com o atual, não deveríamos ter estresse algum, especialmente entre os que vivem nas camadas mais abastadas do primeiro mundo. Mas, de acordo com este artigo publicado no blog do Noblat, da co-musa deste blog, Sandra Paulsen, as pessoas na Suécia estão ultra-estressadas. Uma boa pista para entender o estresse sueco é a do “descompasso entre ambição e capacidade”, que é a aposta do Aleksander Perski, pesquisador da Universidade de Estocolmo – que, sinceramente, não me convenceu por completo. Na verdade, acho que o “não poder errar” que a Sandra sugere no final do artigo é que gera a maior parte do estresse. Em sociedades modernas, como a sueca, isso se traduz no descompasso ambição-capacidade; e nas sociedades mais simples, como a de nossos antepassados das savanas, significa o risco de não sobreviver ao próximo leão das redondezas, ou à próxima estiagem. Mas, em qualquer uma das situações, o comprometimento absoluto com o sucesso é que realmente nos estressa.

Uma sobre o estresse

Outro dia, falei da palestra na igreja, sobre o ser humano e o estresse. Aleksander Perski é um pesquisador da Universidade de Estocolmo, que além de pesquisar, também atende pacientes na conhecida Clínica do Estresse. Achei muito interessante o que ouvi e decidi contar um pouco, aqui.

Perski explicou o que acontece com a gente que vive sob constante estresse e como nosso corpo reage à pressão permanente. Para ele, o estresse nada mais é do que o resultado de um desequilíbrio entre a ambição e a capacidade. Se entendi bem, nós queremos muito e tanto, que desrespeitamos nossa capacidade de alcançar o que queremos. Em suma, queremos acima das nossas possibilidades. Ao não conseguir o que queremos, nos estressamos e lutamos, mais e mais, para atingir o inalcançável.

Como era de se esperar, 70% daqueles que procuram ajuda na Clínica do Estresse são mulheres. Há algum tempo, eram mulheres na meia idade. Hoje em dia, mais e mais jovens adolescentes procuram ajuda médica, para os distúrbios provocados pela tensão diária.

Você perguntará: qual a razão de tanto estresse, numa sociedade afluente, onde as pessoas se sentem protegidas, pelo Estado de Bem Estar Social?

É, eu também não sei explicar não. Mas eu nunca havia visto tanta gente tão estressada como a gente vê por aqui.

Segundo Perski, o estresse das mulheres se deve à dupla jornada: trabalho e casa. Mesmo nesta sociedade moderna e igualitária, ainda são as mulheres que arcam com a maior parte do trabalho doméstico. E, ao contrário do Brasil, onde as que trabalham fora de casa contam com as que trabalham dentro de casa, para que as tarefas sejam cumpridas, aqui não tem disso. A faxina, a cozinha, a lavagem de roupas, a limpeza das janelas, a retirada do lixo e o cuidado das plantas, tudo tem que ser administrado e executado pela dona ou pelo dono de casa, ou pelos dois. Isso sem contar com o cuidado dos filhos pequenos. Aliás, uma das recomendações do especialista para reduzir o estresse das mulheres é, exatamente, exigir igualdade de deveres na esfera doméstica.

Outra fonte de estresse é o que Perski chama de “armadilha da capacidade”. Quanto mais capaz você é, mais você dá importância ao seu desempenho e à sua performance, e mais você exige de si mesmo. As chamadas “princesas do alto rendimento”, aqueles homens e mulheres que são exigentes consigo mesmos e compensam sua baixa autoestima com os bons resultados na carreira, são as maiores vítimas do estresse moderno.

Enfim, segundo Aleksander Perski, a explicação para tudo está na autoestima e em como a gente compensa sua falta: via drogas, distúrbios da alimentação, através das relações que a gente estabelece, ou através do trabalho.

O palestrante contou que o primeiro sinal de estresse costuma ser a dificuldade para dormir. A partir daí, a pessoa fica cansada durante o dia, tem dificuldade para se concentrar no trabalho, está sempre apressada, fica ansiosa. No final das contas, a pessoa acaba afetada em sua psique, sofre de irritação, agressividade, angústia e pânico.

Os conselhos para quem já está estressado são simples, mas nem sempre fáceis de seguir: cuidar de si mesmo; não pensar, ao deitar-se, nos problemas de amanhã; dormir um bom número de horas; aprender a dizer não; exigir menos de si mesmo; fazer coisas que dão prazer e compartilhar o trabalho doméstico.

Saí da palestra pensativa. E achando que aqui, em uma sociedade onde todo mundo tem de fazer tudo certinho, tudo direito, tudo perfeito, o estresse deve ser o preço a pagar… Há algo mais estressante do que nunca poder errar?

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Fi-la porque qui-la

Posted in Atualidades by Raul Marinho on 12 janeiro, 2009

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Fila, o maior sub-produto da civilização: sem ela, a barbárie. Pode-se medir o grau de desenvolvimento de um povo pelas suas respectivas filas: quanto mais primitivo, maiores as chances de se formarem amontoados humanos ao invés de linhas com uma pessoa atrás da outra. Por outro lado, uma das grandes vantagens em se ser rico e famoso é jamais ter que entrar numa fila. Divagações à parte, hoje a internet veiculou dois textos interessantíssimos sobre o assunto, que seguem abaixo linkados. O primeiro é a volta ao blog do Noblat da Sandra Paulsen, incensada colunista por este blog; o outro, uma matéria insólita publicada no G1 sobre um assaltante de banco que ficou na fila com sua discreta máscara de esqui, nos EUA.

Uma boa e uma má notícia

Posted in Atualidades, crise de credito, crise financeira by Raul Marinho on 12 dezembro, 2008

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A boa é que tem um artigo novo da Sandra Paulsen, a co-musa deste blog (a outra é a Bárbara Gancia), um dos melhores que a baiana que mora em Estocolmo já publicou . A má é que este é o último artigo dela neste ano: a Sandra avisa pelo blog do Noblat que sai de férias e volta dia 12/01 – não sem desejar “um Natal em paz e um feliz 2009 para você!”.

(Na ilustração acima, a “dama de negro” que a SP se refere).

Festa e crise

Enquanto as portas do Salão Azul do palácio que é a sede do governo local de Estocolmo se abriam para os exclusivos convidados da festa do Prêmio Nobel, as manchetes sobre a dispensa de trabalhadores se alastravam pelos jornais das principais cidades do país.

No dia 10 de dezembro, todos os anos, há muitas décadas, é a festa de entrega do Prêmio Nobel. A «festa das festas», como alguns aqui a definem.

Os ganhadores se reúnem primeiro, às 16.30, no «concert hall», no centro de Estocolmo, para a entrega formal da honraria. É uma cerimônia linda, na presença de suas Majestades, o Rei e a Rainha, além das Princesas Vitoria e Madeleine, e do Príncipe Carl Philip. Coisa mesmo de reino de contos de fadas. Estive presente duas vezes, lá em cima, na geral. Mas, mesmo assim, foi muito emocionante.

Depois, os convidados de honra dirigem-se ao Salão Azul do Palácio Municipal. Pelos jornais ficamos sabendo que um dos ganhadores do prêmio de Medicina deste ano, Françoise Barré-Sinoussi, sentou-se à mesa junto ao Rei; o vencedor do prêmio de Economia Paul Krugman acompanhou a Princesa Madeleine; e a Rainha foi acompanhada pelo presidente da Fundação Nobel, Markus Storch.

O jantar, do qual, é claro, nunca participei, é de três pratos secretos, idealizados por chefs de renome internacional. Além dos homenageados, de seus acompanhantes e da família real, são convidados o Primeiro Ministro, ministros e outros «importantes» da vida social e política sueca. Depois das 22.30, o salão dourado se abre para a dança, que vara a madrugada.

Certamente a mesma madrugada insone dos milhares de trabalhadores que receberam aviso prévio, nesta semana de crise.

A verdade é que eu evito falar da «dama de negro», mas no país da Volvo e da Saab sueca, se não falarmos da crise atual, ficamos sem assunto. A venda de automóveis no mês de novembro foi mais de 40% menor que no mesmo mês do ano passado. Situação igual, aqui, só em 1993!

Mas, o lado mais desastroso da crise são, mesmo, as demissões: mais de dezenove mil em outubro, outras vinte mil em novembro! Há cidades inteiras, na parte oeste do país, onde as pessoas não dormem sossegadas há tempos.

Num lugar como Oxelösund, com dez mil habitantes, o gigante do aço SSAB já deu aviso prévio a 350 pessoas. Dos dez mil empregados do grupo, em quarenta países, 1300 serão mandados para casa.

Em Örebro, 350 empregados da Atlas Copco receberam aviso prévio, enquanto, na divisão de automóveis da Volvo, mais de 2700 pessoas perdem seus empregos.

Na fábrica da Saab, em Trollhättan, não há funcionário que não esteja preocupado. Fala-se de uma total reestruturação da indústria automobilística. Na Suécia, ficariam apenas áreas como pesquisa e desenvolvimento e design.

Não é para comparar, mas, voltando à festa, até os premiados pelo Nobel podem sentir a crise de perto.

Quando do anúncio, em outubro, os dez milhões de coroas do prêmio eram trocados por quase um milhão e meio de dólares americanos. No momento da entrega, esta semana, a variação do câmbio já dera sumiço em duzentos mil dólares. É a conta da crise.

A pergunta é: onde será que Krugman vai aplicar seu dinheiro?

Como se locomover em São Paulo

Posted in Atualidades by Raul Marinho on 1 dezembro, 2008

kombi-metro

Numa cidade como São Paulo, há de ser criativo para se locomover, e não ha mágicas a serem feitas. A opção “ganhar na mega-sena e comprar um helicóptero”, por exemplo, parece boa, mas é impraticável. Ao contrário do que todo mundo pensa, você não pega o seu helicóptero e vai no shopping, depois na manicure, e no caminho para casa pega o Júnior na escolinha e dá uma passada no supermercado. Helicóptero leva o banqueiro, da sede do banco, na av. Paulista, para uma reunião com um cliente em Diadema, e, depois para um almoço em Campinas. Tudo planejado antecipadamente, e devidamente autorizado pelo controle aéreo. Em resumo: na prática, o helicóptero não resolve o problema de transporte de uma pessoa normal em 99% dos casos – sem contar que ganhar na mega-sena para comprá-lo também não é tarefa das mais fáceis.

Condenado a rastejar pelas ruas superlotadas, o motorista paulistano soferá com 1)a morosidade absurda do trânsito; 2)o custo, não só de gasolina, mas principalmente do desgaste prematuro que o carro irá sofrer; e 3)o risco de ser abordado por um trombadinha no semáforo. Blindagem ajuda, mas não resolve: conheço histórias de assaltantes que pegam um transeunte de refém (quem teria coragem de deixar o outro levar um tiro na cabeça?) e roubam o motorista do mesmo jeito. Transmissão automática, iPhone, som de última geração e DVD a bordo deixam o trajeto menos cansativo, mas não economizam tempo. Só há uma solução: apelar para uma combinação de metrô e táxi, mas… E o conforto, onde fica? No táxi, até que tudo bem, a maioria tem ar-condicionado e a frota de S.Paulo é relativamente nova e bem conservada. Mas andar de metrô com conforto exige técnica, como veremos.

Embora novos e limpos, é certo que você não vai encontrar vagão de metrô com carpete alto e banco de couro (nem ar-condicionado), mas dá para viajar com bastante diversão. Primeiro: tente evitar os horários de rush. Mude seu horário de trabalho, encaixe tarefas que podem ser feitas a qualquer hora (ex.: responder e-mails sem urgência) nos horários de pico, e procure entrar no metrô fora dos seguintes horários a)8:00-10:00h; e b)17:00-19:00h. Segundo: leve diversão para o metrô, como um livro ou uma revista, joguinhos de celular e, preferencialmente, um iPod equipado com headphone anti-ruído (vide esse post aqui). Ultimamente, eu tenho usado o iPod para ouvir áudio-livros, mas você pode ouvir música e até rádio (nos trechos acima da terra, óbvio), além de uma cadernetinha para anotações. (Eu falo mais sobre esse assunto nesse post aqui).

Uma outra opção é não levar nenhum gadget, e enfrentar os horários de pico com galhardia. A vantagem? Ouvir a conversa dos outros e ficar reparando nos tipos que habitam o subterrâneo. Que é o que sugere a Sandra Paulsen, no artigo abaixo, publicado hoje no blog no Noblat (tudo bem, ela fala da Suécia, mas é a mesma coisa em S.Paulo)):

Lata de sardinha «cultural»

Esta semana, os jornais locais touxeram notícias sobre a idéia de reduzir os assentos no metrô de Estocolmo, a fim de abrir mais espaço para as pessoas em pé. É que o congestionamento nos meios de transporte público está a pedir soluçöes urgentes.

Apertada feito sardinha em lata, no percurso pro trabalho, eu ia pensando na rodovia projetada para passar a oeste de Estocolmo, a tal da Förbifart, meu assunto favorito nos últimos tempos. Aquela mesma que, aliás, além de tema das Cartas de Estocolmo, foi motivo de programa televisivo recente, em que se apontaram todas as falhas na análise que levaram à falsa conclusão de rentabilidade positiva para o projeto.

Enquanto eu sofria com as agruras do transporte coletivo que tanto defendo, eis que entra no vagão em que eu viajava uma senhora loura e elegante, com um livro na mão.

Eu não podia entender o que ela fazia com aquele livro, apertada e tentando achar um lugar para colocar os pés no chão. Mas ela instalou-se na minha frente e, de pé e comprimida entre todos os corpos e bolsas, continuou calmamente sua leitura.

Não pude evitar estalar numa gargalhada. A senhora levantou o olhar questionador e eu, meio envergonhada pela minha reação espontânea, tive de explicar.

Disse-lhe então que, para mim, só na Suécia as pessoas liam no transporte coletivo daquela forma, apertados, tentando equilibrar-se entre curvas e freadas. A quantidade de livros de bolso que a população sueca lê a cada ano é inusitada. Todo mundo anda com um livrinho na mão e lê no ônibus, no metrô, no bonde e no barco.

E a senhora me respondeu, numa elegância ímpar, aparentemente sem dar bola às chacoalhadas ou a um cotovelo que teimava em ameaçar-lhe a leitura:

– Esta é uma forma de aproveitar o transporte, fazendo algo útil, dando um sentido ao tempo gasto na locomoção. Mas, na verdade, estou pensando em comprar livros em áudio, para ir escutando no mp3 no caminho para o trabalho…

Não há dúvida de que ela tem um bom argumento.

Eu também tenho outro argumento, só que para não ler nem andar com os fones de ouvido. É que, na linha do metrô e no transporte público, a gente tem muito a aprender. Mas, em lugar de ler livros, eu vou «lendo» as pessoas, observando seu comportamento, suas estratégias de sobrevivência, escutando as conversas.

De um jeito ou de outro, lata de sardinha sim, mas sempre aprendendo!

PS: Não resisti. A curiosidade foi grande: comprei meu primeiro livro em mp3. Chama-se «A arte de ser bonzinho», de Stefan Einhorn. Depois conto mais.

O in(f)verno

Posted in Atualidades by Raul Marinho on 28 novembro, 2008

frozenhell

Taí um negócio que eu sempre pensei: por que, raios!, alguém haveria de cismar de morar num lugar tão inóspito como a Suécia, enquanto sobra terra nos trópicos? A Sandra Paulsen, minha colunista predileta do blog do Noblat também tem a mesma dúvida… Não perca o artigo dela de hoje, abaixo:

Natureza zangada?

Nos jornais suecos de hoje, a chuva e as mortes em Santa Catarina estão nas manchetes : «Catástrofe natural no sul do Brasil», dizia o Svenska Dagbladet, destacando o grande número de pessoas que morreram ou perderam suas casas.

Aqui, 75% dos velhinhos que moram sozinhos e dependem do serviço de assistência doméstica tiveram de se virar sozinhos. Acostumados a receber a visita de alguém que lhes dá os remédios ou cuida para que possam se alimentar, por exemplo, muitos ficaram sem a visita diária. E alguns que conseguiram ser atendidos só o foram devido à ajuda militar ou dos bombeiros, para abrir caminho e transportar os atendentes.

É que a neve começou a cair e, como sempre, ela é mais poderosa que toda a nossa tecnologia. E vêm mais tempestades de neve por aí, segundo a meteorologia.

O fato é que, quando começa a nevar pra valer, não há limpeza de rua que seja suficiente e o caos é quase inevitável. As ruas, sem a devida manutenção com areia, sal, etc., viram uma pista de sabão. Trens se atrasam ou não partem, carros deslizam, pessoas escorregam e ciclistas desistem das peripécias sobre duas rodas.

Os aviões não puderam decolar ou aterrizar dentro dos horários previstos em Arlanda e cerca de 50 mil passageiros foram afetados pelos atrasos.

Milhares de casas ficaram sem eletricidade, enquanto o tráfego de ônibus para Norrtälje, a cerca de 100 km ao norte de Estocolmo, foi totalmente suspenso. Nos arredores da capital, principalmente na área norte, a tempestade quase parou a população. Carros presos na neve (com pelo menos um caso fatal de morte por congelamento) e muitos acidentes foram a tônica. Em alguns lugares, como em Gotland, as escolas tiveram de fechar.

Uma colega me explicava que, há um par de anos, ficou para dormir no trabalho, já que não havia possibilidade de chegar em casa, a quarenta minutos do centro, e voltar no dia seguinte.

De vez em quando, principalmente em dias como o de hoje, eu me pergunto como é que nós viemos parar aqui. Um lugar onde o clima é tão duro e tão hostil que, mesmo com toda a tecnologia moderna (ou será por culpa dela?), as pessoas ainda são tão vulneráveis!

É uma sensação de impotência terrível, ao mesmo tempo que a pergunta fica no ar: será que a natureza está querendo nos dizer alguma coisa com tudo isso? De quem terá sido a idéia de estabelecer assentamentos humanos em latitudes tão longínquas, hein?

E o inverno está só começando…

Diferenças

Posted in Atualidades, Uncategorized by Raul Marinho on 25 novembro, 2008

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Como é a viver num lugar praticamente sem luz do dia? Se você se interessa por esse tipo de coisa, não deixe de ler o artigo abaixo, da Sandra Paulsen (um dos poucos nomes que a Alta Direção deste blog não fala mal), colunista do Blog do Noblat:

Reflexos no escuro

No Brasil, temos a idéia de que, «em condições normais de temperatura e pressão», criança não fica na rua sozinha quando a noite cai, não é mesmo? Em novembro e dezembro, se a regra fosse aplicada à Suécia, criança ficaria em casa o dia inteiro! Ou quase!

É que, nesta época do ano, a escuridão é tal que a iluminação pública automática às vezes permanece acesa dia e noite, ou dia e dia, ou noite e noite, já que é tudo quase a mesma coisa.

É claro que estou exagerando nas tintas, mas a verdade é que, na típica escuridão do outono e do inverno suecos, é importante que as pessoas, principalmente as crianças brincando ou andando nas ruas, usem reflexos nas roupas. Imagino que vocês não sabiam disso.

Lembrei de falar dos reflexos porque li hoje no Brassar um artigo a respeito. O http://www.brassar.se é um portal de grande interesse para os brasileiros perdidos aqui no polo norte. Apresenta informações indispensáveis, notícias, curiosidades sobre a Suécia, para brasileiros radicados neste país ou para interessados em saber como é a vida aqui.

No artigo que li, a vibrante brasileira Joana Öberg, que idealizou e mantém o «site», fala justamente disso: da necessidade de comprar plaquinhas refletoras para as crianças andarem nas ruas.

Jo apresenta a questão, corretamente, como de vida ou morte, e conta sua experiência de «quase atropelamento» de uma pessoa adulta, que andava na beira do caminho sem os devidos reflexos.

Os reflexos estão presentes em sapatos, jaquetas, bicicletas e até na coleira dos cães que saem a passear com seus donos, também devidamente equipados com plaquinhas refletoras.

Pode parecer bobagem, mas não é não. Os reflexos são realmente um importante assunto no cotidiano daqui e dão margem a outras discussões ainda mais espinhosas. Como por exemplo, sobre a conveniência ou não de as crianças dos jardins infantis municipais usarem coletes ou jaquetas refletoras contendo publicidade e propaganda.

É isso mesmo. Diversas empresas deram-se conta de que os famosos coletinhos amarelos – usados por todas as crianças nas creches e escolinhas de Estocolmo no outono e no inverno – são fantásticos «postes de propaganda» móveis.

As empresas, então, doam coletes e jaquetas refletoras, com seu logotipo incluído, às escolas municipais. O supermercado Ica também fez sua campanha, no começo do outono, doando coletes a seus clientes-freqüentes. E as crianças saem portando logotipos «incandescentes» pelos jardins e parquinhos da cidade.

Uma importante companhia de seguros, por exemplo, defende o uso dos coletes infantis para propaganda, com a justificativa de que «para nós o que é importante é proteger as crianças e prevenir acidentes».

E os reflexos viraram tema político, em calorosas discussões entre oposição e situação no governo local.

Política e propaganda à parte, o fato é que não adianta querer ser chique. Por uma questão de segurança, a gente tem mesmo é que andar feito árvore de natal por aqui, nesta época do ano.

Um belo artigo da “escurinha”

Posted in Atualidades by Raul Marinho on 21 novembro, 2008

neguinha

Já foi dito aqui, mais de uma vez, que os artigos da Sandra Paulsen (que é tão afrodescendente quanto eu) publicados no Blog do Noblat são sensacionais. Pois hoje tem um melhor que a média, que segue abaixo. Depois, ousarei fazer um poequeno comentário sobre o trecho destacado em itálico.

Racismo, identificação e empoderamento

Recentemente, li na Veja o artigo de Roberto Pompeu de Toledo sobre a eleição de um negro para a presidência dos Estados Unidos e o «black is beautiful fase 2».

Pompeu de Toledo, brilhante como sempre, falava do efeito que ver as filhas de Barack Hussein Obama na televisão pode ter sobre a menina negra brasileira, que «não sentirá, a rebaixá-la, a diferença de cor».

Entendi o sentido e gostei muito do artigo. Só não gostei muito da escolha da palavra. A diferença de cor não tem por que rebaixar ninguém. Se o faz, é justamente por causa da nossa própria educação, cultura e hábitos, nosso sistema de valores.

Mas, sem dúvida, o melhor de Obama, além da esperança que traz, está no efeito demonstração e identificação. O mesmo efeito, aliás, que se busca através das famosas quotas, as quais tendo a aceitar quando se referem a mulheres, e de cuja adoção discordo quando se referem à raça ou cor da pele (devido à dificuldade para definir quem é negro e quem não é).

A presença de negros, pessoas com deficiências físicas, mulheres ou quaisquer outros grupos menos privilegiados no mercado de trabalho, ocupando espaços na política ou nas altas hierarquias das empresas, «chegando lá», contribui para diminuir o preconceito e a segregação.

E eu acho que se identificar com as filhas do presidente dos Estados Unidos tem o efeito de «empoderamento» que nenhuma quota pode ter.

Eu sou mestiça. De tudo. Ou quase. Tenho sangue branco, negro, índio e libanês nas veias. Graças a Deus, sempre senti orgulho de ter a herança de quatro dos cinco continentes do mundo nos meus gens!

Nunca me senti afetada pelo racismo, até os 22 anos de idade. Aí, em uma curta visita à vizinha Argentina, senti pela primeira vez os custos do «ser escurinha», como me disse lá uma senhora italiana de olhos azuis. E voltei a me chocar depois, no Chile, quando uma médica, numa clínica do Bairro Alto, explicou uma erupção na pele da minha filha como «um problema típico da mistura de raças».

Mas, minha pior experiência de racismo não foram esses dois episódios. Nem foi escutar de colegas de trabalho, na volta de umas férias na praia, com os cabelos ao natural e a pele lindamente bronzeada, que eu «tinha um pé na cozinha».

Nem tampouco surpreender uma vendedora, num shopping center chique de Santiago do Chile, ao sacar meu American Express dourado para pagar as peças de roupa que ela achava que eu estava tentando roubar. Afinal, «escurinha» daquele jeito, eu só poderia estar aprontando alguma. (Só como esclarecimento, já não tenho o tal cartão, aquilo foi um tempo passageiro de ilusão de prosperidade.)

Também já estou acostumada ao desconcerto e outras reações menos discretas das pessoas que me conhecem numa estação do ano e não me reconhecem na outra. Como camaleão, eu mudo de cor, dependendo do sol, e de cabelo, dependendo do humor do dia.

Minha pior experiência de racismo foi cair na besteira de recomendar meu costumeiro «bálsamo para cabelos encaracolados» para a filha de um amigo com cabelos «afro» impossíveis de desembaraçar. Fiquei totalmente sem graça ao ouvir dele, como resposta, que a filha não precisava disso, porque os cabelos dela não eram crespos.

Quero dizer que o pior do racismo são os absurdos que nós, negros ou descendentes, às vezes cometemos para não nos identificar, nem sermos identificados, com outros negros e mestiços.

E é isso que eu espero que Barack Hussein Obama possa ajudar a mudar. Nos EUA, no Brasil, na Suécia, e em todo lugar…

Penso que cotas de qualquer tipo são sempre prejuciais. Se alguém é obrigado a engolir uma mulher, um deficiente ou um negro contra a vontade, mais cedo ou mais tarde esse alguém irá dar o troco. Ou com algum tipo de humilhação pública (mais ou menos velada), ou com menos boa vontade nas promoções, ou de alguma outra forma. É da natureza humana, não tem jeito… Há inúmeras outras maneiras de resolver o problema sem apelar para as cotas, principalmente investindo na educação diferenciada para os segmentos discriminados.

O que se leva dessa vida é a vida que se leva

Posted in Atualidades by Raul Marinho on 12 novembro, 2008

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Morte, eutanásia/ortotanásia, suicídio… Talvez os assuntos mais complicado com que somos obrigados a lidar. Ainda mais para uma menininha de 13 anos. Leia o artigo da Sandra Paulsen, abaixo, vale a pena (como todos os dessa autora):

A menina que quer morrer

A notícia também deve ter saído aí. Depois de passar uma boa parte da vida em hospitais, a menina Hannah Jones, uma inglesinha de 13 anos, recusa-se a passar por mais uma cirurgia e prefere morrer. Aqui, o assunto está provocando discussões. E a história é triste.

O caso é que a adolescente sofre de uma forma incurável de leucemia e, ainda por cima, tem problemas sérios de coração e precisa de um transplante. Como ela se recusava a continuar sendo tratada, os médicos do sistema de saúde inglês pensavam obrigá-la ao tratamento.

Agora, ficou claro que a menina pode relaxar. Ela já não vai precisar passar pela operação que prolongaria sua vida. As autoridades desistiram da ação judicial que a obrigaria a aceitar o tratamento médico recomendado. O que quer dizer que ela pode morrer em casa, com sua família, sem mais cirurgias.

Sim, porque Hanna já passou por, pelo menos, três cirurgias para implantação de marca-passos. E seu coração, ainda assim, só funciona a dez por cento da capacidade. Sem a nova cirurgia, os médicos deram-lhe pouco tempo mais de vida.

Segundo os jornais, ela está cansada de viver em hospitais e seus pais, em um primeiro momento reticentes, agora aceitam sua decisão.

Na Suécia, o tratamento médico no sistema de saúde pública é uma escolha do paciente. Ninguém pode ser obrigado, nem mesmo doentes mentais, pacientes muito idosos ou que estejam perdendo suas plenas faculdades de raciocínio.

Mas daí a permitir que uma pessoinha de 13 anos decida que está preparada para morrer e que prefere fazê-lo sem mais intervenções médicas…

A livre escolha do paciente, aqui, vale também para um menor, desde que o médico responsável o julgue apto a tomar esse tipo de decisão. Já pensou a pressão para o médico, que fez o juramento de Hipócrates e tudo?

Sem dúvida, o assunto vai dar pano para mangas. Me pergunto o que dirá o Vaticano. Na verdade, me pergunto o que é «respeito à vida», neste caso.

E peço a Deus pelos pais e irmãos da criaturinha e por todos os envolvidos na decisão.

Obs. em relação à foto que ilustra esse post: Ela foi encontrada na web (como quase todas as que uso neste blog, a propósito), e achei-a interessante por dois motivos. Primeiro, porque é pró-blogueiros, e eu sou um cara corporativista. Depois, porque tem um tremendo erro de português (não é “jás”, mas “jaz”), uma característica das novas mídias (blogs, principalmente).

Burocracia de 1o. mundo é assim

Posted in Atualidades by Raul Marinho on 3 novembro, 2008

Dificuldades com seu RG, CPF, número do título de eleitor, essepecesdossics & afins? Se fosse na Suécia, poderia ser pior, acredite. Saiba tudo sobre RGs suecos nenste excelente artigo da Sandra Paulsen, já rasgadamente elogiada neste prestigioso informativo internético:

Morto-vivo

Há coisas que a gente pensa que só poderiam acontecer em um país menos desenvolvido, carente de recursos e tecnologia. Mas, não. Essas coisas acontecem aqui também.

Conto a história…

Toda pessoa legalmente estabelecida na Suécia conta com um número pessoal. Esse é uma combinação entre a data de nascimento da pessoa e quatro dígitos que, além de fazerem daquela pessoa a única a contar com aquele número de identificação, também indica o sexo do dono ou da dona.

São dez dígitos não muito fáceis de decifrar, mas, por exemplo, se você é uma mulher nascida no dia 29 de fevereiro de 1984, então seu número pessoal será 840229-XXXX, onde o terceiro X será um número par, porque você é mulher (seria ímpar, caso estivéssemos falando de um homem nascido na mesma data).

Para quem mora aqui há muito tempo, o famoso «número pessoal» é a chave para ser atendido no serviço público, nos hospitais, nos consultórios médicos, na universidade, ou seja, praticamente em qualquer lugar. Você só não precisa do seu número pessoal se for tomar uma cervejinha no bar da esquina e pagar à vista. Se quiser pagar com cartão, no entanto, pode precisar se identificar e, aí, o famoso número entrará em cena.

Acontece que, a cada ano, há alguns casos de suecos ou residentes na Suécia erroneamente declarados mortos, seja por algum erro dos médicos nos hospitais, ou algum escorregão de alguém em uma repartição pública qualquer.

No ano passado, foram treze os casos e, neste ano, já são dez as pessoas erroneamente registradas como mortas.

O que acontece, então ? Quase sempre, advêm problemas econômicos, como subsídios governamentais que deixam de ser pagos, aposentadorias que não se recebem mais, etc. Mas o pior é quando acontece como na semana passada.

Um cidadão de 66 anos chega, passando mal, a um centro de assistência médica e, ao se apresentar, recebe o seguinte comentário de volta:

– Desculpe-me, mas o senhor já está morto.

Imaginem a cara do cavalheiro ao tentar, primeiro, de forma gentil, depois, já menos educadamente, é claro, explicar que estava vivo e necessitando de cuidados médicos urgentes!

O fato é que o cavalheiro foi-se embora sem ver o médico. E, como não podia deixar de ser, entrou com ação de perdas e danos morais contra o Estado.

E eu pensando que era só no Brasil que pessoas tinham seus CPFs clonados e ficavam com nome sujo na praça, sem ter nenhuma culpa no cartório… Não reclamo mais! Posso estar com o CPF sujo na praça, mas pelo menos ninguém me declarou morta, ainda…

Truques de marketing que você não conhece

Posted in Atualidades by Raul Marinho on 31 outubro, 2008

Você sabe como é o dia-a-dia na Suécia? Se você fosse um dos leitores dos posts da Sandra Paulsen, regularmente publicados no blog do Noblat, saberia. O de hoje fala dos truques que algumas lojas e supermercados de lá utilizam que ninguém conhece em Pindorama. Vale a pena ser lido:

Ética da sociedade de consumo

Além da publicidade e da propaganda, normalmente utilizadas, são conhecidas outras táticas menos explícitas das quais o comércio, algumas vezes, lança mão para atrair clientes: a famosa «boa aparência» exigida na contratação de vendedores, por exemplo, é um clássico. Meninas e meninos bonitos atrás do balcão ajudariam a aumentar as vendas.

Só que algumas recentes chamadas em jornais locais, sobre as estratégias de certas empresas para atrair consumidores, vêm-me deixando de cabelos em pé. Parece que a baixa conjuntura e as ameaças de recessão econômica estão fazendo o comércio varejista de Estocolmo se desesperar.

Primeiro, uma notícia de que os portadores do cartão da rede de supermercados Ica recebem ofertas especialmente para eles, preparadas de acordo com as compras feitas com o cartão. Ou seja, aqueles que compram batatas fritas, sabão em pó e comida para gatos recebem ofertas pessoais específicas relacionadas a esses produtos. As compras feitas pelos consumidores são registradas e estudadas, para dar origem a ofertas sob medida. A repercussão da notícia ainda não é clara. Enquanto uns sentem que, por fim, receberão ofertas interessantes que poderão ser aproveitadas, outros acham que esse tipo de propaganda constitui invasão de privacidade.

Depois, uma nota a respeito de lojas que empregam pessoas especialmente para fingir que compram e para circular com suas sacolas cheias de produtos, como forma de propaganda. São clientes de mentirinha, que se comportam como consumidores vorazes, para provocar o interesse de outros compradores e aumentar as vendas. Estabelecimentos do comércio de Estocolmo recrutam atores para esse papel de falsos clientes, os quais, entre outras atribuições, também distribuem elogios a clientes de verdade que experimentam peças nos provadores das lojas.

Agora, a última das novidades vem também dos supermercados Ica. A cadeia ficou com uma fama negativa no ano passado, por vários casos de adulteração das datas de validade da carne moída à venda. Houve punições, mudanças nos procedimentos, e a história está praticamente esquecida. Só que agora o Ica estaria testando um novo método para aumentar seus ganhos: «perfumar» artificialmente as áreas onde se vendem frutas e verduras. Com o cheirinho artificial de manga, banana ou pêssego fresco, «fabricado» sinteticamente e devidamente espalhado por um ventilador que fica embaixo da prateleira de frutas de uma das suas lojas em Malmö, o Ica espera atiçar os fregueses a comprar mais.

Eu me pergunto se sou só eu a ficar de queixo caído. Até que ponto o comércio pode chegar para aumentar suas vendas? Não bastam as táticas para estimular a compra por impulso, os chocolates no caixa, os produtos mais necessários estrategicamente colocados para que as pessoas tenham que passear a loja inteira até encontrá-los, e outras coisas assim?

Quando me assusto muito com o consumismo e as técnicas para estimulá-lo, tento pensar no argumento freqüentemente utilizado pelos admiradores incondicionais do Estado de Bem Estar sueco: aqui as coisas ruins se sabem; em outros lugares, se escondem.

Tomara que seja assim mesmo.