Uma crise de otimismo (não no Brasil)
A crise financeira mundial vinha caminhando desde fins de 2007 pelos becos escuros dos subprimes e pelas vielas mal frequentadas das commodities até que, subitamente, quebrou o Lehman Brothers – ou melhor, o governo dos EUA se fingiu de morto com a sua quebra, este o verdadeiro problema – em setembro do ano passado. Daí prá frente, a economia mundial vem desembestada ladeira abaixo, como uma jamanta sem freios, atropelando as Freddie Mac’s & Fannie Mae’s da vida. A posse do Obama no final de janeiro seria o começo do fim da crise, mas já no início de fevereiro parece que, mais que um trocadilho, tudo não passará de oba-oba. Enquanto isso, os juros internacionais se aproximam do negativo ao mesmo tempo em que os bancos mantêm represados quase dois trilhões de dólares por medo de emprestar.
Percebe-se que, em termos globais, o problema é, antes de tudo, uma profunda descrença no futuro por parte dos bancos – ou seja: trata-se de uma crise de otimismo. Há um pensamento único no mercado financeiro mundial: a coisa está ruim, deve piorar, e eu quero ficar quietinho no meu canto enquanto isso. O drama é que quem se arrisca a emitir uma opinião minimamente otimista é apedrejado em praça pública, como aconteceu em Davos (veja esse post aqui). Enquanto isso, aqui no Brasil, o papinho de marolinha prá cá, “o problema é dos ricos” prá lá, ao que parece o otimismo não está em crise (em termos relativos, pelo menos). Em janeiro, foi recorde o número de financiamentos imobiliários, principalmente para o público de renda mais baixa – aliás, o tipo de empréstimo que esteve no centro da crise em seu início. Resta saber como encerraremos o trimestre, se finalmente contaminados pelo pessimismo global, ou se alavancando o otimismo no resto do mundo. Será que o rabo irá balançar o cachorro?
US$500mil??? Tá de sacanagem, né?
Ainda sobre a limitação do Obama sobre os salários de executivos de empresas em dificuldades (vide esse post, logo abaixo). Neste final de semana, conversei com um amigo que é alto executivo de um banco estadunidense no Brasil e ganhou bem mais de US$500mil no ano passado, no retrasado, e na maioria dos últimos 15 anos. Note que esse sujeito não é o presidente do banco e nem trabalha nos EUA atualmente. Pontos mais importantes da conversa:
– Sua equipe está muito desmotivada e todos estão aguardando uma oportunidade para pular fora; muitos falam e tirar um ano sabático, fazer mestrado/doutorado etc. Fora da equipe, em outras áreas do banco no Brasil, em outros países, e principalmente na matriz, a situação é igual ou pior. Ele acha que seria difícil ganhar mais de US$500mil esse ano, mas saber que isso é formalmente impossível foi a pá de cal.
– Embora a crise esteja severa, ainda existem muitos investidores com mais de US$100milhões no mercado, que continuam demandando bons profissionais, como ele, para administrá-los. Ganhar o equivalente a 1% a.a. dos recursos administrados não é fora de propósito, o que dá uma renda de US$1milhão/ano, o dobro do que ele poderia ganhar onde está (isso se o banco não quebrar!). Para que continuar onde está, com todo o stress etc?
– Administrar os recursos próprios, fazer um negocinho imobiliário aqui, prestar uma consultoria ali, etc já garante mais de US$500mil no ano. Novamente, sem nenhum stress.
Por essas e outras, esse mei amigo deverá pedir as contas em breve. O lugar ficará vago, e quem o irá ocupar?
O limite dos ganhos dos executivos nos EUA
Ontem, o presidente Obama limitou o ganho dos executivos de empresas socorridas pelo governo na crise atual a US$500mil/ano. Também haverá restrições quanto a gastos com jatinhos particulares, festas, presentes, etc., que deverão ser explicados ao governo. (Leia mais sobre isso aqui). É uma medida de austeridade, um corte brutal nos rendimentos dos altos executivos estadunidenses, uma medida dura, mas… Será que vai surtir algum efeito? Ou melhor: será que vai surtir algum efeito positivo?
Suponhamos que eu seja um alto executivo da GM ou do Citi que, no ano passado, levou US$10milhões para casa. Com essa nova regra, se eu continuar onde estou, só vou voltar a ganhar US$10milhões depois que minha empresa sair do buraco e pagar o último centavo que tomou emprestado do governo – isso se ela não sucumbir, que é bastante provável. Se tudo der certo, daqui a uns 3 ou 4 anos eu volto a receber salários milionários, talvez até maiores, mas até lá como é que eu faço para manter o altíssimo padrão de vida que eu tenho? O que eu vou falar para o estaleiro que está construindo meu novo iate? E o sinal que eu dei para reservar meu jatinho? E a reforma do meu rancho no Texas, que está na metade? Nesse meio tempo, uma empresa americana que não está no hospital do Obama me convida para trabalhar lá ganhando US$2milhões, ou uma empresa indiana me faz uma oferta de US$3milhões, por que não aceitar?
Na medida em que um executivo aceite desertar, outros tenderão a segui-lo, e deverá haver uma certa quantidade inicial de executivos debandando (não sei se a maioria, mas pelo menos uma parte vai fazer isso, com certeza). Até aí nada de mais, é natural que profissionais se demitam para ganhar mais, o problema é: quem é que vai aceitar ocupar a cadeira que ficou vazia? Que profissional que trabalha numa empresa americana “não-hospitalizada” (ou de fora dos EUA) vai aceitar ir para uma empresa com tão sérias restrições de rendimento (sem contar com a chatice das explicações para festas/jatinhos e, principalmente, o risco implícito em uma empresa que sobrevive com ajuda do governo)? No fim das contas, o que deverá ocorrer é que haverá muita dificuldade para contratar executivos para as empresas em dificuldades, o que deverá agravá-las ainda mais, estimulando os executivos remanescentes a buscar outros empregos, e assim por diante. Ou seja: no médio prazo, essa medida do Obama poderá ser um tiro de canhão no próprio pé, com as empresas que mais precisam de bons executivos sem ninguém qualificado. Ou então, vai ficar provado que altos executivos não servem para nada e que as empresas se saem muito melhor sem eles… Quem viver, verá.
É a confiança, estúpido!*
Já escrevi sobre o problema da confiança neste blog várias vezes (digite “confiança” na caixinha aí do lado e veja você mesmo), e volto a repetir: o problema da atual crise financeira (e, agora, econômica) é um só CONFIANÇA. Os emprestadores não empresatm porque não confiam que os tomadores irão pagar os empréstimos de volta; se um não empresta, o outro também não por que o risco aumenta; e se ninguém empresata, o tomador quebra, o que confirma a decisão inicial de não emprestar. É isso o que estamos vivendo. Como romper esse ciclo? Precisa acontecer algo que reverta as expectativas dos agentes econômicos – p.ex.: um novo cidadão ocupar o salão oval, com propostas de mudança e de quebra de vínculos com “o antigo”.
Hoje, o ex-ministro, ex-deputado e ex-croque Delfim Netto analisa a questão com brilho. Não gosto do Delfim, tanto quanto não gosto do Maluf. Mas, do mesmo jeito que achei a abertura da avenida Faria Lima genial para a cidade de S.Paulo, acho que as análises do Delfim são, na maior parte das vezes, muito bem feitas. Por isso, recomendo o artigo abaixo, publicado na Folha de hoje:
Insuficiente
AS MEDIDAS de socorro às atividades financeiras tomadas em todo o mundo desenvolvido e, com maior ou menor vigor, em todos os países emergentes, dão sinais que começam a funcionar. Isso se vê pela redução (ainda pequena) da taxa Libor dos juros nas transações interbancárias.
A crise que estamos vivendo simplesmente iluminou um fato conhecido desde sempre: a confiança entre os agentes é o ingrediente necessário à existência de toda a atividade econômica que se processa através dos mercados. Estes, por sua vez, só podem existir quando amparados num Estado capaz de garantir a propriedade privada que permite aos cidadãos apropriarem-se dos benefícios de sua liberdade de iniciativa e assegurar a execução dos contratos estabelecidos entre eles.
O problema da “confiança” é multifacetário (antropológico, psicológico, sociológico, econômico, teológico etc.). Já em 1979, Luhmann mostrou que esse conceito, fundamental para explicar o comportamento das sociedades tradicionais, era também central para entender o funcionamento das sociedades cuja complexidade de relações é crescente, a incerteza é generalizada, e os riscos, inevitáveis. Maximizando o reducionismo, podemos dizer que: 1º) a confiança envolve risco; 2º) o “principal” (quem confia) não tem condições de monitorar permanentemente o “agente” (em quem confia) e 3º) o “principal” não confia apenas no “agente”. Espera (confia) que o Estado o substitua no seu controle.
Quando, por qualquer motivo, desaparece a confiança, os sistemas financeiros e produtivo entram em colapso. O governo inglês foi o primeiro a reconhecer que a crise era algo mais profundo do que um problema de liquidez. Tratava-se da morte súbita da confiança, o fator catalítico que controla toda a atividade econômica, o que exigia uma ação enérgica e radical do Estado.
No Brasil, é preciso reconhecer que o governo agiu corretamente e com razoável rapidez, mas sem a radicalidade necessária. O que se fez até agora não será suficiente para minimizar o custo (inevitável) da retração mundial sobre a economia brasileira. É ilusão pensar que o crescimento de 2009 está escrito nas estrelas ou em 2008. Ele será o que soubermos fazer dele com inteligência e alguma ousadia.
O governo tem sido expedito, mas tímido e desajeitado, em dar o “conforto” ao setor privado para restabelecer a confiança geral. Isso é evidente no que se refere às instituições financeiras menores (mas não menos hígidas!) que financiam a pequena indústria e o pequeno comércio, responsáveis pela maioria dos empregos.
*Este trocadilho com o consagrado “é a economia, estúpido” é, para quem não se lembra, uma frase do principal marqueteiro do Bill Clinton. Clinton não sabia como enfrentar Bush (pai) quando tentou se eleger pela primeira vez. Bush acabara de ganhar a primeira guerra do Golfo – embora Sadam permanecesse no poder. O marqueteiro sacou que Clinton tinha de explorar as dificuldades econômicas do governo. Bingo! (fonte: Noblat, as usual).
Carreira meteórica
Vocês se lembram dos cigarrinhos de chocolates? (Não sei se ainda existem, eu não vejo há décadas).
Quando o Obama começou a aparecer na mídia, eu achei sua figura muito familiar, mas não me lembrava de onde eu conhecia aqueles traços… Agora, tudo faz sentido na minha mente!
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