Bobagem a quilo
Clóvis Rossi, o czar da opinião da Folha (que eu leio religiosamente trodos os dias para dar umas risadas) publica hoje uma de suas maiores pérolas jornalísticas (e olhe que, em se tratando de CR, isso não é pouco). Reproduzo o texto abaixo e depois comento – e adianto que, hoje, estou sem nenhuma paciência com a mediocridade.
Começa a era da incerteza
MADRI – As falhas grosseiras que o mercado apresentou e as sucessivas intervenções dos governos levaram à suposição de que o liberalismo morreu ou está em coma e que o intervencionismo estatal está de volta com toda a força, certo?
Errado, escreve Daniel Innerarity, professor de filosofia da Universidade de Zaragoza, em artigo para o jornal “El País”.
“Se estivéssemos ante o final do neoliberalismo e o retorno das certezas social-democratas, talvez nos sentíssemos mais aliviados, mas não teríamos entendido que o que se acaba é outra coisa: uma determinada concepção de nosso saber acerca da realidade social e de nossa capacidade de decidir sobre ela”, escreve.
Conseqüência: “Agora, nos toca acostumarmo-nos à instabilidade e à incerteza, tanto no que diz respeito às predições dos economistas, ao comportamento do mercado ou ao exercício das lideranças políticas”, acrescenta o filósofo.
Fecha com: “Nosso principal desafio é a governança do risco, que não é a renúncia a regulá-lo nem a ilusão de que poderíamos eliminá-lo completamente”.
Desagradável, não é? Os seres humanos, com poucas exceções, preferimos as certezas, mesmo que sejam ilusórias. Os mercados ofereceram certezas absolutas, acompanhados pelo coro que lhes conferia características de semideuses ou de “Mestres do Universo”, para remeter a Tom Wolfe e a sua “Fogueira das Vaidades”.
Agora vem o papa Bento 16 e constata: “Vemos que, na queda dos grandes bancos, o dinheiro se desfaz e que todas essas coisas que parecem a única verdade são na realidade de segunda ordem”. Sorte do papa (e dos crentes), para quem “só a palavra de Deus é uma realidade sólida”.
Para todos os demais (e mesmo para os crentes que têm dinheiro nas Bolsas), resta administrar a instabilidade e a incerteza.
Comentários:
- “Começa a era da incerteza”????? Como assim, começa? Nunca houve outra era que não fosse de incerteza, e se havia alguma ilusão de haver certezas, era apenas isso: ilusão.
- Quem supôs que “o liberalismo morreu”, que “o capitalismo já era” e outras bobagens, foi ele: CR. Qualquer pessoa minimamente sensata vê que isso é um absurdo, uma vez que não há modelo alternativo (pelo menos, um que funcione).
- “Agora, nos toca acostumarmo-nos à instabilidade e à incerteza, tanto no que diz respeito às predições dos economistas, ao comportamento do mercado ou ao exercício das lideranças políticas”. Pelo jeitão que o CR cita esse texto (do tal do Daniel Innerarity), presumo que ele o ache genial. Então, se ele acha esse texto genial, necessariamente ele me acha genial, pois penso assim há mais de 20 anos.
- “Os seres humanos, com poucas exceções, preferimos as certezas, mesmo que sejam ilusórias.” Vixe, descobriu a roda!!! Todas as religiões do mundo estão fundamentadas nisso. Nossas incertezas sobre Deus e o que será de nós após a nossa morte é o que as move.
- “Os mercados ofereceram certezas absolutas, acompanhados pelo coro que lhes conferia características de semideuses ou de ‘Mestres do Universo’, para remeter a Tom Wolfe e a sua ‘Fogueira das Vaidades’.” Só um jornalista medíocre como o CR para acreditar que os mercados oferecem certezas absolutas…
- “Agora vem o papa Bento 16 e constata: ‘Vemos que, na queda dos grandes bancos, o dinheiro se desfaz e que todas essas coisas que parecem a única verdade são na realidade de segunda ordem’. Sorte do papa (e dos crentes), para quem ‘só a palavra de Deus é uma realidade sólida’.” Essa foi no fígado. Citar o Papa como uma opinião sensata nesse momento e assunto é como pedir para a Luciana Gimenez opinar sobre Física quando da inauguração do acelerador de partículas sub-atômicas.
- “Para todos os demais (e mesmo para os crentes que têm dinheiro nas Bolsas), resta administrar a instabilidade e a incerteza.” Nada como uma obviedade do tamanho de um elefante para “fechar com chave de ouro”!!!!
Mizinfio
Nesses momentos de incerteza sobre o futuro, conversei com o Pai José, uma assumidade em futurologia.
Pai José me recomendou esse site, que eu acessei e achei genial.
Recomendo também.
Sorte ou azar?
A foto acima é, supostamente, de um turista que estava no topo no WTC no momento da colisão no ataque de 11 de setembro. Pode ser uma lenda da internet (mais uma), mas isso não importa. O fato é que havia turistas no prédio no momento da tragédia, e se, segundos antes da colisão, você perguntasse a eles se a oportunidade de estar ali era sorte ou azar, a maioria (se não todos) teria dito que era sorte. Eventualmente, um sujeito que não estivesse ali porque perdeu o trem deveria estar se achando um grande azarado. Sobre isso, vejamos o que diz uma estorinha de auto-ajuda que recebi alguns anos atrás por e-mail (não posso atestar a precisão da narrativa, mas o espírito do texto permanece):
“Era uma vez um aldeão que possuía o melhor cavalo da vila, e até da região. Um belo dia, esse cavalo sumiu, desapareceu durante a noite. No dia seguinte, a história se espalhou na aldeia, e vários aldeães vieram visitar nosso personagem, todos eles se lamentando: ‘Puxa, seu Fulano, que azar, não? Justo o melhor cavalo da aldeia foge assim, de uma hora para a outra? Ohhh, ahhh, ohhh!’ Nosso personagem, entretanto, não se abalou com a perda do cavalo, e retrucou: ‘Meus amigos, nesse momento, eu não sei se a perda do cavalo é sorte ou se é azar, a única coisa que eu sei é que o cavalo fugiu.’ Ninguém se conformou com a resignação do sr Fulano, todo mundo se indignou, mas como nada havia a ser feito, tudo ficou por isso mesmo. Passados algumas, semanas, entretanto, eis que o cavalo do sr Fulano volta, ta de repente como fora. Mas qual não é a surpresa geral quando se percebe que o garanhão volta acompanhado de uma linda égua que, depois se verificou, estava prenhe! Novamente, a notícia se espalha na aldeia, e quase todos os moradores foram ao sítio do sr Fulano ver com os próprios olhos o que ocorrera. E, lógico, ninguém se conteve: ‘Nossa, seu Fulano, quem diria, hein!? Além do seu lindo cavalo voltar, ele ainda por cima volta e traz essa linda égua, e como se não bastasse, prenhe! Mas o senhor é um homem de muita sorte mesmo, não?’ Então, o sr Fulano, que já tinha uma certa fama de maluco, solta essa: ‘Pessoal, pessoal, acalmem-se! Eu só sei que o meu cavalo voltou com uma égua prenhe! Não sei se este evento é sorte ou se é azar!’ Isso, entretanto, fez com que a turba, enfurecida com o que o sr Fulano, retrucasse quase em uníssono: ‘Sr Fulano, o sr é louco! Como é que receber seu cavalo de volta com uma égua prenhe pode ser outra coisa senão sorte! Na verdade, o sr não merece a sorte que tem!”. Mas logo a coisa se acalmou na aldeia, e os meses se passaram, um lindo potro nasceu da égua ‘namorada’ do garanhão fujão, e tudo ia bem. Até que o filho do sr Fulano, durante a tarefa de domar o potro, cai e se fere gravemente, quebrando a bacia e o fêmur, o que o torna coxo para sempre. Mais uma vez, a fofoca se espalha como rastilho de pólvora, e a maior parte da aldeia surge novamente no sítio do sr Fulano, a lamentar: ‘Oh, que tragédia! Antes o seu cavalo não tivesse voltado! O que vai ser agora desse pobre rapaz, coxo para sempre! Que azar terrível!’. Ocorre que o sr Fulano permanece inabalável: ‘Meus caros… Desculpem-me, mas a única coisa que eu sei é que meu filho nunca mais correrá pelas campinas, agora… Se isso é sorte ou se é azar, isso eu não sei…’. E, como era de se esperar, ninguém se conforma com as palavras do sr Fulano: ‘O sr é um doente, um insano! Onde já se viu uma coisa dessas!? Como é que ter um filho deficiente físico pode ser considerado qualquer coisa que não seja azar!? Nós deveríamos bater no sr para o sr aprender a respeitar o destino!’ Passa-se o tempo, e a situação política do país a que a aldeia pertence se complica, e uma guerra acaba eclodindo. Todos os homens jovens da aldeia acabam convocados para a linha de combate, mas o país inimigo está muito melhor preparado, e acontece uma carnificina: nenhum jovem alistado volta para casa. Entretanto, o filho do dr Fulano continua vivo, já que sua deficiência o liberara do dever para com o Exército.”
Sorte ou azar?
(Aqui, uma versão zen da mesma história).
A lógica do cisne negro
Recomendo o livro do Nassim Nicholas Taleb (veja o vídeo que você vai saber por quê).
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