Toca Raul!!! Blog do Raul Marinho

Escravidão pelo carnê

Posted in credito by Raul Marinho on 20 maio, 2009

escravos

Normalmente, quando republico aqui algum texto do Marcelo Coelho, é para criticar. Mas hoje, excepcionalmente, o farei para elogiar. O texto abaixo, publicado hoje na Folha, é um dos melhores da lavra do mr. Rabbit:

Escravidão pelo carnê

Registro o que vejo: não conheço empregada que não esteja enforcada pelo cartão de crédito

HISTÓRIA DO Brasil? História da civilização ocidental? Esses temas, típicos dos livros que eu tinha de ler no ginásio, passaram de moda. A própria história os engoliu, e hoje temos outro tipo de títulos no mercado.

História da beleza. História do corpo. História da loucura. História da histeria. Como os contêneires mudaram a história do mundo. Uma história natural das sementes. História da paz.

Qualquer livro sobre esses temas pode ser facilmente encontrado pela internet, em português ou inglês. Gostaria de sugerir a eventuais doutorandos um tema de pesquisa interessante no contexto brasileiro: a história do crediário. A meu ver, nunca se inventou um mecanismo tão eficiente de submissão social.

Desde a invenção do crediário, foi-se o tempo em que Marx e Engels podiam gritar ao proletariado que ele nada tinha a perder, exceto os próprios grilhões. O proletariado sempre teve muito a perder, a começar pelo próprio emprego. Mas sua maior preocupação haverá de ser o nome no Serasa. Seu grilhão, como o de qualquer empresário, é hoje em dia o nome na praça.

O Serasa representa, hoje, uma força repressiva equivalente às tropas armadas de sabre do general Cavaignac, massacrando a França insurgente de 1848.

Condena-se muito, hoje em dia, a situação do lavrador pego em escravidão por dívida. O infeliz, no meio do Pará, contrai dívidas impossíveis de pagar e termina trabalhando de graça para o dono da terra. Ai dele se tentar fugir.

Sua fuga será vista como um calote, e alguns capangas irão encarregar-se de lhe ensinar o basilar princípio do direito civil, segundo Kelsen: “Pacta sum servanda”. Contratos existem para serem cumpridos.

Será que nas grandes cidades a situação é diferente? Quem passa pela avenida Paulista vê anúncios colados em todos os postes, prometendo dinheiro na hora. Agiotagem pura e simples.

Mesmo sem recorrer a agiotas, o trabalhador comum está pendurado no seu carnê. Comprou uma geladeira, uma televisão, um carro com prestações a perder de vista. Com isso, o cidadão perdeu de vista muita coisa. Será o último a entrar em greve, por exemplo. Está preso a seu salário, que pagará a prestação. Comprou, junto com a geladeira, o seu futuro. Foi comprado, junto com a geladeira, pelas Lojas Brasilândia.

Nas suas “Teses sobre a Filosofia da História”, o filósofo Walter Benjamin ironizava a ideia de que todo sacrifício no presente haverá de beneficiar as gerações futuras.

O crediário resolveu esse paradoxo. Beneficia agora (sua geladeira chega hoje) o sacrifício que você tem de fazer nos próximos 36 meses. No fundo, é o mesmo sistema vigente entre os escravos do Pará.

Surgem alguns problemas, contudo, nessa fórmula mágica.

Não sou economista, mas registro o que vejo ao redor. Não conheço empregada doméstica que não esteja enforcada pelo cartão de crédito. Mesmo na classe média, o uso do cheque especial se tornou hábito.

Estão todos consumindo além da conta. Como deixariam de fazer isso? Tudo é tão fácil, e todo mundo é tão ruim em matemática…

Danem-se os juros altos, dane-se o velho espírito poupador do puritano pré-capitalista. Mesmo o mais fervoroso evangélico está devendo nas Casas Bahia.

Não quero ser pessimista, mas conheço esse filme. Se aumentar o desemprego no Brasil, todo esse povo não terá como pagar suas prestações. Imagine-se a falência de empresas de cartões de crédito, de financeiras ligadas às lojas de varejo.

Seria uma catástrofe capaz de destruir todas as nossas construções a respeito de uma relativa imunidade brasileira diante da crise financeira internacional.

Os argumentos correntes vão no sentido contrário. Baixando os juros, estimula-se a economia e a produção. Os bancos são criticados pelo fato de não repassarem ao consumidor a baixa dos juros decidida pelo Banco Central.

Fico amedrontado. Crédito barato enterrou a economia norte-americana. No Brasil, o crédito caríssimo não impediu ninguém de se endividar. Baixem os juros ao consumidor, diz a opinião geral por aqui. Mais endividamento? Mais empregadas domésticas pedindo seus vales ao patrão?

A meu ver, estamos montando um castelo de cartas. Todo mundo, no Brasil, está gastando agora para pagar depois. A conta, como em toda operação de crédito, poderá revelar-se alta demais.

Psicologia evolutiva aplicada ao crédito?

Posted in Atualidades, banco, credito, Evolução & comportamento by Raul Marinho on 18 maio, 2009

bank women

Leia a entrevista abaixo, da Susanne Arnann para o Der Spigel. Nela, a presidente do “Banco Mundial Feminino” (!!!???) faz algumas afirmações perturbadoras, supostamente apoiadas em conhecimento científico (trechos sublinhados em negrito). Gostaria muito de saber quais trabalhos científicos apoiam essas afirmações. Pelo que conheço da Psicologia Evolutiva, o que a sra. Iskenderian disse não passa de especulação e desinformação preconceituosa.

“Os homens são programados para se arriscarem mais”, diz presidente de ONG de microfinanciamento para mulheres

Segundo Mary Iskenderian, a presidente do Women’s World Banking, as instituições de microfinanciamento não estão sendo atingidas com força total pela crise financeira. Nesta entrevista ao “Spiegel Online“, ela explicou por que e falou também sobre as vantagens de contar com clientes mulheres.

Spiegel Online – Os bancos e as instituições financeiras de todo o mundo estão sofrendo com a crise financeira. Mas os bancos que você representa não estão. Por que isso?

Iskenderian – As instituições de microfinanciamento são muito cuidadosas. No passado, as renovações de empréstimos eram muito comuns e fáceis de serem obtidas. Agora estamos nos certificando de que as instituições estão sendo cuidadosas com a renovação do crédito, mas, em sua maioria, a qualidade das carteiras é boa.

Spiegel Online – Então, vocês realmente não sentiram os efeitos da crise?

Iskenderian – Estamos percebendo um impacto na forma de restrições ao crédito e da redução da capacidade das instituições de captar dinheiro e continuar financiando o crescimento. Ainda há fundos denominados em dólares e euros disponíveis. Mas o que secou completamente foi o financiamento em moeda local. A minha organização está tentando fornecer garantias de empréstimos às instituições de forma que elas possam tomar dinheiro emprestado dos bancos locais.

Spiegel Online – Os bancos não possuem reservas de equity para ajudá-los a contornar este tipo de escassez de capital?

Iskenderian – Até o momento a maioria das instituições de microfinanciamento não via de fato a poupança como fonte de financiamento. Isso era um produto que elas ofereciam àqueles clientes ansiosos por encontrar um local seguro para colocar o seu dinheiro, em uma instituição na qual confiassem, mas não como uma fonte de financiamento. Onde estamos sendo bastante ativos com os nossos membros é na elaboração de produtos de poupança. Depósitos muito pequenos que entram e saem no banco várias vezes por mês são muito caros. É necessária uma poupança de longo prazo com balanços crescentes para fazer com que valha a pena para a instituição oferecer esse tipo de produto.

Spiegel Online – No mundo em desenvolvimento, as mulheres estão sendo particularmente atingidas pela crise – mas quem de fato provocou a crise foram os homens. Será que a crise financeira teria ocorrido se um número maior de mulheres trabalhasse nos mercados financeiros?

IskenderianExistem atualmente trabalhos e pesquisas analisando por que motivo melhores decisões são feitas por grupos mais diversificados de pessoas trabalhando em conjunto. Os homens são quase que programados pelos hormônios para se arriscarem mais, o que é ótimo nos ciclos de prosperidade, quando eles obtêm retornos amplificados dos investimentos. Mas as mulheres proporcionam retornos bem mais estáveis no decorrer do tempo. Participei de muitos grupos nos quais, quando existia uma massa crítica de mulheres ou de pessoas de cor, ou qualquer outra coisa diferente da dominante hierarquia masculina branca, havia simplesmente uma outra abordagem dessa questão.

Spiegel Online – A maior parte dos empréstimos que você concede é para as mulheres. Por que isso?

Iskenderian – As mulheres são o ponto de entrada para o resto da família. Quando se fortalece economicamente a mulher, e ela é capaz de investir em um negócio, as maneiras como ela reinveste os rendimentos são as mesmas em qualquer lugar: a educação dos filhos, serviços de saúde para a família e moradia. Esses são os benefícios inter-gerações de longo prazo dos quais o lar inteiro se beneficia.

Spiegel Online – E isso não funcionaria se os empréstimos fossem concedidos aos homens?

IskenderianEu não quero entrar em uma discussão do tipo “os homens são maus e as mulheres são boas”. O que ocorre é uma divisão de trabalho ou prioridades. As mulheres reinvestem na família, no lar e nos filhos, e os homens reinvestem nos negócios, de forma que estes tendem a crescer mais rapidamente. Se todo o rendimento obtido ficasse no lar, isso seria um fato positivo. Infelizmente, o que vemos com frequência é que grande parte do dinheiro gerado pelos homens é desviado do lar. Eu vi uma estimativa não oficial segundo a qual cerca de 20 centavos de cada dólar em uma residência de baixa renda é gasto com jogo, prostituição, álcool e refrigerantes açucarados. E você provavelmente sabe que membro da família está gastando o dinheiro dessa forma.

Spiegel Online – Se o modelo de microcrédito tem tanto sucesso, por que os bancos tradicionais não passam a oferecê-lo? Será que se trata de algo de fato tão diferente do negócio central desses bancos?

Iskenderian – Existe um interesse crescente dos bancos em avaliar como eles poderiam atingir essa parcela da população – em muitos países os segmentos de baixa renda são os únicos que estão crescendo como mercados. Portanto, os bancos estão bem ansiosos. Mas as suas estruturas de custos fazem com que seja muito difícil conceder empréstimos muito pequenos. O valor médio dos nossos empréstimos é um pouco superior a US$ 500, e a melhor prática para uma instituição de microcrédito é contar com 450 clientes por agente de financiamento, algo que não existe nos bancos tradicionais. Os nossos juros variam de 30% a 40% – para cobrir os custos operacionais. Trata-se de um negócio bem caro porque há um grande foco nos clientes e em conhecer a dinâmica domiciliar deles.

Spiegel Online – A crise financeira fez com que ficasse mais difícil obter crédito no mundo desenvolvido. Será que o microfinanciamento poderia ser um modelo útil?

Iskenderian – Estamos sendo inundados por pedidos de crédito. E alguns membros da minha diretoria estão rogando que nos voltemos para os Estados Unidos. Mas neste país ainda existe bastante acesso ao crédito e, até o momento, o microfinanciamento não teve sucesso nos Estados Unidos. Alguns países desenvolvidos tiveram mais sucesso nessa área. A Espanha, por exemplo. E houve também algum sucesso, mesmo nos Estados Unidos, das operações junto a comunidades étnicas. Mas, e não quero parecer pessimista, onde ainda existe acesso ao crédito, é difícil para o microfinanciamento ganhar muito terreno.

Crédito, em resumo, é isso:

Posted in banco, credito by Raul Marinho on 18 maio, 2009

credito

Do sempre ótimo Aqui tem coisa, blog do Fernando Stickel:

O banco é uma instituição que empresta dinheiro à gente se a gente apresentar provas suficientes de que não precisa de dinheiro.

(A imagem original está aqui).

Mão-de-obra anti-crise

Posted in Atualidades, banco, crise de credito by Raul Marinho on 7 abril, 2009

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A crise econômica mundial é, hoje, uma crise de confiança e de crédito. O capital não flui porque os bancos temem emprestar, mesmo após os trilhões de ajuda do governo, e isso acaba travando toda a economia. A única maneira de reverter esse quadro é convencendo os bancos a retomar o ritmo de negócios de antes da crise, financiando o comércio, viabilizando investimentos, concedendo linhas de crédito para o consumidor, etc. Por isso, o papel dos gerentes de contas dos bancos é fundamental para que o mundo saia o mais cedo possível do atual impasse.

Banqueiro não é burro, muito menos sentimental. Se houver uma oportunidade de negócios interessante à frente, ele vai se sensibilizar. E quem mostra as oportunidades que o mercado oferece são os gerentes de contas, daí a importância desses profissionais. O drama é que os gerentes de contas estão entre os mais afetados pela crise econômica, e a moral da tropa comercial dos bancos está no pé. A dificuldade para aprovar uma operação aumentou muito, e mesmo manter um limite de crédito aberto transformou-se em calvário – isso sem contar com o medo da demissão e as perspectivas sombrias quanto a bônus para esse ano. Mas, com o perdão do excesso de hífens, eles são a mão-de-obra anti-crise.

Ensinamento aos devedores

Posted in credito by Raul Marinho on 9 março, 2009

Se você deve um dólar, você tem um problema; mas…

Se você deve um milhão de dólarers, seu credor tem um problema.

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Mentiras sobre crédito

Posted in Atualidades, banco, credito, crise de credito, crise financeira by Raul Marinho on 6 março, 2009

pinochio

O leitor Dinho (que, por sinal, foi um dos ganhadores de áudio-livro da promoção feita por este blog), me enviou um comentário pedindo para divulgar um post-desabafo no blog dele. Divulguei para o Fernando Blanco, do Blog do Crédito, que acho que é o lugar mais indicado para ele neste momento. E, abaixo, respondo ao post-desabafo, que deverá servir para outros leitores. Utilizando a tecnologia do Reinaldo Azevedo: em azul, o post original do Dinho; em vermelho, os meus comentários:
Mais que um simples desabafo, gostaria que este post fosse divulgado por todos que o lerem, e principalmente fosse comentado pela maior quantidade possível de pessoas, para que, caso tenhamos um grande número de opiniões, isso possa repercutir da forma esperada, e que (pelo menos no imaginário) algo seja feito de concreto.
E, por incrível que pareça, há algo a se fazer de concreto, sim, em relação ao crédito para pequenas e médias empresas. O truque é: estabeleça uma estratégia de relacionamentos bancários. Não sei se você sabe, mas os bancos não saem abrindo contas por aí, a esmo, eles têm uma estratégia comercial definida, um mercado-alvo específico, um mix de produtos e preços para cada perfil de cliente, etc, etc, etc. Por que não ter, você também, uma estratégia de relacionamentos para lidar com os bancos? Leia esse artigo aqui.
Pois bem, tem duas coisas que vem me incomodando profundamente nestes dias, e a cada notícia que escuto, me proponho a gritar o mais alto possível dizendo: “Não é verdade, não adianta ficar mentindo para o povo!!!! A Crise está aqui sim, e muito forte!!! Pelo menos para a grande maioria da população e das empresas!!!”
Pois é… Esse blog cansa de se esgoelar toda vez que o Marolinha fala suas asneiras sobre a crise, pode consultar o blogroll. Ao mesmo tempo, a popularidade marolista chegou a 84%, a maior que um presidente já teve no Brasil. A conclusão: o povo quer ouvir o que acha bacana, não a verdade.
A primeira coisa é o desespero tremendo para auxiliar apenas algumas empresas que se dizem “em crise” e que sem auxílio fecharão ou demitirão quase todos os funcionários!!! Pois bem, não adianta nada manter a produção de veículos, dentre outras coisas, se não existe ninguém com a menor capacidade de comprar o que for produzido. Desta forma só estarão empurrando o problema mais para a frente, e o tornando cada vez maior!!!
Aí é uma questão de poder de barganha… Se a empresa X ameaça com mil demissões, pode conseguir concessões que a empresa Y, que tem 10 empregados, jamais conseguiria. É justo? Não, mas é assim que funciona.
E se o problema maior estourar depois das eleições, está resolvido o problema (para o Marolinha). Genial, né?
Meu caro Dinho, nunca antes na história dessepaiz, surgiu um político tão genial como o Marolinha. E sortudo, além de tudo.
As pequenas e médias empresas são responsáveis pela grande maioria dos empregos no Brasil. Seria muito melhor que medidas fossem tomadas para diminuir os custos e facilitar o crédito destas empresas. Com isso, ao invés de garantir emprego de 1000 pessoas em uma única empresa, garantiríamos a sobrevivência de 1000 empresas pequenas, a um custo infinitamente menor!!!! Além claro, de aumentar o poder de compra da população e a manutenção de muito mais empregos diretos e indiretos!!!
Se eu for presidente da república um dia, te chamo para ministro do desenvolvimento.
A segunda coisa é a insistência em afirmarem que o crédito já está normalizado e inclusive maior do que antes da crise!!!! ISSO É A MAIOR MENTIRA QUE EU ESCUTO TODOS OS DIAS!!!! Não sei quem está conseguindo qualquer tipo de limite de crédito, mas eu vi (e continuo vendo ) de perto o que está acontecendo com as pequenas e médias empresas!!!
Leia esse post recém-publicado no Blog do Crédito.
Um caso, por exemplo, é de uma empresa que está com mais de R$ 400.000,00 (isso mesmo) de títulos a receber, depositados em um banco (neste caso o banco é o Itaú), e não consegue sequer negociar adiantamento de recebíveis!!! Esta ladainha já corre há mais de dois meses, e o banco não libera nem 10% do total disponível!!!!!
Então… Voltando ao tema inicial, de estratégia de relacionamentos bancários: se este empresário tivesse feito a lição de casa, não estaria passando por este apuro agora. Não adianta ficar com raiva do Itaú, pois o Bradesco, o Banco do Brasil, o Santander fariam a mesma coisa. A única maneira de resolver esse assunto é administrando o crédito estrategicamente. Dá trabalho (menos do que se imagina, na verdade), mas é fundamental.
Onde está o crédito que existia antes e que todos falam aos 4 ventos nas reportagens!!!!!
Pô, você não viu a Petrobras, que toma bilhões à hora que quer? É lá que está o crédito…
Não podemos ficar olhando simplesmente para esta situação!!!! Temos que gritar para todos ouvirem!!!! Temos que mostrar a todos que o governo só está protegendo os grandes e levando o país para o fundo do poço por não ter capacidade de enfrentar a real situação!!!! Comentem, protestem, discordem mas vamos fazer este tipo de informação circular para todos que queiram (ou não) ouvir!!!!
Bem vindo ao grupo!!!

E a agiotagem, como anda?

Posted in Atualidades, credito, crise de credito by Raul Marinho on 5 março, 2009

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Lendo a matéria abaixo, publicada na Folha de hoje, pergunto: nesses tempos bicudos, como anda a agiotagem no Brasil? Mais ativa, tomando o espaço deixado pelos bancos; ou mais retraída, por causa do risco?

Italianos recorrem à máfia para obter crédito

A crise global já derrubou a economia italiana para a maior recessão em pelo menos três décadas, mas, para a máfia, os problemas acabaram se tornando mais uma fonte de lucro.
Com os bancos tornando o acesso ao crédito cada vez mais difícil, cresce o número de empresas que estão apelando a agiotas dos grupos mafiosos para conseguir dinheiro para financiar suas operações.
No ano passado, 180 mil companhias italianas recorreram a empréstimos da máfia, somando 15 bilhões, sendo uma das atividades que mais renderam para os grupos criminosos, segundo levantamento da Confesercenti (que reúne pequenas empresas do país).
Em 2007, quando financiamentos não eram tão difíceis de serem obtidos nas instituições financeiras do país, 150 mil empresas apelaram para o dinheiro da máfia.
“A crise econômica torna a máfia ainda mais perigosa”, afirmou o presidente da Confesercenti, Marco Venturi. “Os negócios da máfia utilizam a fraqueza e a incerteza econômicas para fortalecer as suas posições. É necessário reagir com determinação.”
Não há dados estatísticos sobre os juros cobrados pelos agiotas, mas, nos casos denunciados no ano passado, variavam de 55% a 730% ao ano, com boa parte girando em torno de 120% -menos, portanto, do que o cobrado pelos bancos nacionais pelo uso de cheque especial para pessoa física (170% ao ano) em janeiro, segundo dados do BC. Já os juros médios no Brasil naquele mês ficaram em 42,4% ao ano,
“Ao contrário de outros negócios, a máfia foi muito pouco afetada pelas crises econômica e financeira internacional”, diz o estudo da associação de empresas. Com a economia italiana se retraindo nos últimos três trimestres do ano passado (fato que não tinha ocorrido na atual série histórica, iniciada em 1981), as empresas enfrentam dificuldades para manter seu ritmo de vendas -que são agravadas pela indisposição das instituições financeiras de conceder empréstimos.
Para Roberto Saviano, autor do livro “Gomorra”, sobre a Camorra, um dos principais grupos mafiosos italianos ao lado da ‘Ndrangheta, da Cosa Nostra e da Sacra Corona Unita, “o mercado do crime nunca sofre durante a crise. Estou convencido de que esta crise está trazendo enormes vantagens para os sindicatos criminosos”.

Porque o crédito é caro

Posted in Atualidades by Raul Marinho on 2 março, 2009

pilantra

Muito se fala sobre o crédito brasileiro ser um dos mais caros do mundo, e a culpa geralmente recai sobre a inadimplência, que seria muito elevada – ou seja: o culpado seria o próprio tomador. Mas pouco se fala sobre o problema institucional ligado ao crédito e às operações financeiras como um todo: nosso sistema legal oferece imensas vantagens aos picaretas, que têm inúmeras maneiras de tumultuar um processo judicial. Por isso, vale a pena ler essa reportagem do Estadão, que relata um caso real de chicana jurídica recentemente ocorrido.

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O enigma do crédito

Posted in Atualidades, crise de credito by Raul Marinho on 27 fevereiro, 2009

enigma

Ontem, a mídia soltou três informações sobre o crédito para pessoas físicas e pequenas empresas no Brasil:

1)A inadimplência subiu;

2)O volume de crédito caiu; e

3)O spread médio baixou.

O problema é que o item 1 está coerente com o 2, mas não se alinha com o 3. Ouvi rádio, assisti TV, li jornal, e até agora não encontrei ninguém para explicar esse enigma. Alguém se habilita? Fernando Blanco, vc está por aqui?

O Brasil não tem subprimes

Posted in Atualidades, credito, crise de credito, crise financeira by Raul Marinho on 26 fevereiro, 2009

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Fazia tempo que não criticava um artigo do Clóvis Rossi aqui no blog, estava tentando parar com esse vício, mas hoje o czar opinativo da Folha incorporou o Chacrinha (aquele que veio para confundir, não para explicar), e não deu para ficar quieto – aliás, sempre baixa o santo do Velho Guerreiro no CR quando ele tenta explicar a crise econômica. Segue o artigo e, em seguida, meus comentários:

Também temos subprimes

SÃO PAULO – Demorou mas surgiram os nossos “subprimes”, vítimas da incapacidade de pagarem seus automóveis.
É a diferença de escala entre a economia norte-americana e a brasileira: lá, o pessoal perde casas, um bem de muito maior valor.
Cessa aí, no entanto, a comparação. Os automóveis recuperados pelos bancos não têm, por trás, um rolo de ativos ditos tóxicos como os que caracterizaram a crise norte-americana das hipotecas “subprime” nem um volume tão formidável (pelo menos até agora).
Mas nem por isso o problema do crédito ou, mais exatamente, da falta dele e/ou de seu encarecimento deixa de ser sério, a julgar pelo que escreve Roberto Luis Troster para o mais recente boletim da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da USP: “Uma deterioração do crédito era esperada por conta da piora do quadro econômico, mas não na proporção que está acontecendo, especialmente para os microempresários e para as pessoas físicas de renda média e baixa. A cada mês que passa, as taxas dos financiamentos aumentam, sua composição deteriora-se e a inadimplência sobe.”
O economista dá números que ajudam a entender a inadimplência e a consequente retomada dos automóveis: são os pequenos tomadores os mais afetados, conforme relatório do Banco Central que mostra que aumentou 5,1% o volume de operações acima de R$ 10 milhões, mas diminuiu 2,7% no caso das inferiores a R$ 5.000.
Ou, pondo no estilo Elio Gaspari: o andar de cima ainda se financia, mas o andar de baixo é cada vez mais “subprime”.
PS – Cometi ontem um erro brutal. Escrevi: “[Os mercados] insistem em socializar o risco e privatizar o prejuízo”. É óbvio que deveria ter escrito “…privatizar o lucro”, como o fiz já várias vezes. Perdão.

Comento:

Em primeiro lugar: nós não temos subprimes. Dizer isso é alarmismo inconsequente, os carros financiados não tem nada a ver com os subprimes hipotecários estadunidenses. Lá, o cara comprava uma casa financiada por US$100mil, não pagava, a casa era reavaliada para US$150mil, o “ganho imobiliário” quitava as prestações atrasadas, o refinanciamento não era pago de novo, a casa era re-reavaliada para US$300mil, o cara não pagava mais uma vez, e a coisa ia assim, indefinidamente. No fim da história, havia imóveis milionários com financiamentos idem, ambos fictícios. Essa foi a “crise dos subprimes”, o primeiro estágio da crise econômica global em curso (depois, vieram as crises das commodities, dos derivativos, dos bancos, do consumo, e a crise de confiança, o lamaçal em que os EUA estão nesse momento). No Brasil, o que está ocorrendo é que tem muita gente que não consegue pagar a prestação do carro e acaba tendo que entregar o veículo para a financeira/banco/leasing. Esse carro não foi superavaliado, muito embora seu valor tenha sido reduzido por uma questão de mercado. A maior parte da dívida correspondente ao financiamento de veículos no Brasil está nos FIDCs (fundos de investimento em direito de crédito), que não podem realizar operações de derivativos, que turbinaram as perdas nos EUA. Resumindo: o título e o primeiro parágrafo do artigo do CR são sensasionalistas e profundamente errados.

Mas aí vem o mestre da ambiguidade e escreve um segundo parágrafo desdizendo o que inicialmente disse, um truque comum deste colunista. Fala que não temos “ativos tóxicos” e que os volumes brasileiros são bem menores que os estadunidenses… Então por que a manchete sensacionalista, señor Rossi??? Mas a artimanha é muito mais elaborada, pois ele continua o artigo desdizendo o que desdisse, e retornando ao terrorismo econômico (e saidno completamente do assunto original, os subprimes brasileiros), como veremos.

A citação e os números estão certos, só que faltou explicá-los de maneira adequada. O aumento do crédito para as grandes corporações decorre da escassez de linhas externas, não um aumento da demanda real desse segmento.  Ora, se um banco direciona bilhões adicionais para empréstimos ao segmento corporativo, ele vai ficar com menos disponibilidade para emprestar para os outros segmentos, essa é a causa primeira da redução do crédito para os pequenos empresários e as pessoas físicas. Ora, e se a oferta de crédito para os pequenos diminui, quem “está na bicicleta” (refinanciando dívidas antigas e empurrando o débito com a barriga) acaba explodindo, daí o aumento na inadimplência. É um problema grave, mas nada a ver com os supostos subprimes brasileiros, de que o artigo supostamente trata. O Brasil não é imune à crise e temos nossos problemas, mas que fique bem claro: nós não temos subprimes!!!

O “cadastro positivo” já existe!!! Tenha logo o seu!!!

Posted in Atualidades, banco, credito by Raul Marinho on 13 fevereiro, 2009

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Na Folha de hoje, Francisco Valim, presidente da Serasa Experian (e da Experian Latin America) escreve um artigo brilhante sobre crédito. Como o texto é longo e restrito a assinantes, reproduzo abaixo alguns de seus principais pontos (depois, comento & acrescento):

1) A inadimplência é a maior responsável pelos altos spreads praticados no Brasil, sendo responsável por 37,3% da diferença entre as taxas de captação e empréstimo nos bancos, sendo que os 62,7% restantes decorrem de questões monetárias, tributárias, legais e institucionais. Dos componentes do spread, o único item de caráter exclusivamente privado é a inadimplência.

2) Uma medida de extremo impacto sobre a inadimplência é a adoção de “cadastros positivos”, cuja regulamentação tramita na Câmara dos Deputados. Ao contrário do “cadastro negativo”, que aponta o descumprimento de compromissos financeiros (ex.: cheques sem fundos, duplicatas protestadas, empréstimos não honrados etc.), o “positivo” mostra o real comportamento do agente econômico (pessoa física ou jurídica) quanto às suas dívidas. De acordo com estudos acadêmicos, o “cadastro positivo” permite um acréscimo de 90% no número de pessoas que solicitam crédito e são atendidas, a taxa de inadimplência cai praticamente pela metade, e o risco de crédito cai entre um terço e metade.

3) Este trecho está tão bom que eu vou copiá-lo integralmente: “Hoje, no Brasil, socializa-se a inadimplência, cobrando aritmeticamente de toda a sociedade o risco de crédito dos maus pagadores, em vez de utilizar ferramentas para o dimensionamento do risco individual. Tendo o risco individual menor, o risco coletivo também deve cair. Os mercados sem cadastro positivo são caracterizados pela assimetria de informações, prejudicando a avaliação do risco de crédito. Na situação que se encontram, o processo é mais oneroso para ambas as partes: concedentes e tomadores de crédito”.

Comento:

A inadimplência, além de seu custo intrínseco, influencia os demais custos, ou seja: o quadro pode ser ainda mais dramático que o mostrado no item 1. De acordo com os números apresentados, se o banco capta a 10%a.a. e repassa a 30%, os 20% de spread estariam divididos da seguinte forma: 7,46%a.a. para bancar a inadimplência, e 12,54% para os outros custos. Ok, isso está correto, mas o ponto é que a maior parte dos outros custos incidem justamente sobre o spread! Se o custo da inadimplência cair à metade (no nosso exemplo, de 7,46%a.a. para 3,73%a.a.), os outros custos não permanecerão em 12,54%, mas também diminuirão. Possivelmente, os outros custos cairiam em proporção ainda maior que a queda do spread, via ganho de escala e aumento de competitividade, mas é importante ressaltar que a diminuição de 3,73% no custo da inadimplência não resultaria numa taxa final de 26,27%a.a. (ante os 30% originais), mas em menos de 20%a.a. A redução seria, de fato, radical. E, no fim das contas, tudo não passa de um problema de assimeteria de informações, como comentado aqui inúmeras vezes.

Acrescento:

Mesmo sem a aprovação de medidas legais para o “cadastro positivo”, os tomadores – em especial as pequenas e médias empresas – já poderiam atuar para diminuir os spreads que pagam em seus empréstimos. Para isto, bastaria investir um mínimo em relacionamentos bancários, como o proposto neste artigo, que eu e o Fernando Blanco escrevemos no ano passado.

Aleluia!!!

Posted in Atualidades by Raul Marinho on 5 fevereiro, 2009

aleluia

No meio de tantas notícias econômicas ruins, finalmente uma boa – pelo menos para quem utiliza crédito bancário: o Banco Central divulga, a partir de hoje, um ranking das taxas de juros praticadas pelos bancos, tanto em pessoa física quanto em jurídica. Agora todo mundo pode saber que o Banco Crefisa e o Carrefour cobram mais de 25%a.m. no crédito pessoal enquanto o cheque especial do Banco Cruzeiro do Sul está saindo por menos de 2%a.m. Para acessar o site do BaCen, clique aqui.

Uma história real de crédito

Posted in Atualidades, banco by Raul Marinho on 4 fevereiro, 2009

Em dezembro do ano passado, um grande amigo, médico e fazendeiro, passou por uma situação que vale a pena ser contada para ilustrar como os bancos são ruins na gestão de crédito de seus clientes. Este amigo – vamos chamá-lo Fred – é uma pessoa abastada, com um patrimônio de cerca de R$2,5milhões, a maior parte na forma de terras e gado. Como fazendeiro, Fred consegue obter uma renda média de R$30mil/mês, e como profissional liberal, mais uns R$20mil/mês, incluindo seu salário como médico concursado em um hospital público, que representa R$5mil/mês (ou cerca de 10% de sua renda total de R$50mil/mês). Toda essa renda é comprovada por documentos e declarada para o Imposto de Renda, e o Fred é atendido pelo segmento VIP de um grande banco brasileiro, onde tem conta há mais de 20 anos.

Logo após a redução de IPI dos automóveis, uma concessionária fez uma oferta tentadora ao Fred: vender uma Mercedes zero km com um desconto extraordinário, desde que o pagamento fosse à vista. Naquele momento, o Fred não tinha disponível todo o dinheiro para comprar a Mercedes, ficaria faltando uns R$25mil, que ele não queria financiar porque esses recursos ficariam disponíveis em pouco tempo, seja pela venda de seu carro antigo, seja pela renda de sua fazenda. Assim, Fred ligou para o gerente de sua conta para cotar um empréstimo de R$25mil (cerca de 50% de sua renda mensal ou 1% de seu patrimônio) por um máximo de 90 dias. Era início de dezembro, e a crise econômica estava nas manchetes dos jornais, mas o valor do empréstimo em comparação ao cadastro do Fred não foi complicado de ser aprovado; o complicado mesmo foi a taxa oferecida: 7,5%a.m. O mais incrível foi que o mesmo empréstimo, se fosse feito sob a modalidade de crédito consignado (que ele tinha direito por ser funcionário público) cairia para 1,5%a.m. Ou seja: o mesmo banco, emprestando o mesmo valor, pelo mesmo prazo, para a mesma pessoa, cobrava juros 5 vezes menores se a garantia fosse dada pelo Estado, sendo que a garantia pessoal do Fred era muito superior à necessária. O Fred preferiu liquidar algumas cabeças de gado a ficar longe do banco.

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A lenda do cartel dos bancos

Posted in Atualidades by Raul Marinho on 3 fevereiro, 2009

Ultimamente, um dos assuntos mais freqüentes na imprensa são os juros e o spread bancário brasileiros, ambos recordistas mundiais – estamos atravessando uma crise financeira centrada no problema do crédito, afinal de contas. Não sei quanto tempo ainda vai perdurar esta crise, mas duas coisas são certas: A)Um dia, ela vai passar; e B)Mesmo depois disso, os juros e, principalmente, os spreads, vão continuar altos no Brasil. São vários os motivos para que isso aconteça, e num próximo post eles serão abordados em detalhes. Neste, o foco será refutar a teoria de que há um cartel bancário no Brasil, o verdadeiro motivo pelo qual os spreads seriam tão elevados, a tese do prof. Marcos Cintra do post abaixo.

Se os bancos são cartelizados, é de se esperar que haja alguma forma de comunicação entre os dirigentes bancários, de modo a combinar a manutenção dos spreads em níveis elevados. Ou seja, os presidentes do Bradesco, Itaú, Santander, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Citibank, BIC, HSBC etc., todos teriam que sentar em uma mesa e acertar que ninguém deveria cobrar menos que um determinado valor de spread. O problema é que tem banco demais para combinar, alguns nacionais, outros estrangeiros, uns grandes, outros pequenos, e grande parte do setor é estatal. Como é que se daria um arranjo desses? E, ainda por cima, sem dar na vista? Para piorar, já que o mercado é aberto ao capital externo, a combinação deveria ser global, pois nada impediria que um banco australiano, sul-africano ou mexicano furasse a barreira e entrasse no mercado cobrando menos. Mais do que isso, os donos de factorings, os dirigentes de financeiras, de cartões de crédito, das grandes redes de lojas, de fundos de recebíveis, etc., também teriam que participar do conluio. Isso parece razoável?

O mercado bancário brasileiro não é cartelizado, pode espernear professor Marcos Cintra. A FEBRABAN é um pega-prá-capar, não tem nada a ver com o que imaginamos que era a OPEP na primeira crise do petróleo. Aliás, hoje se sabe que a própria OPEP teve muito pouco a ver com a subida dos preços do petróleo na crise de 1973 – na verdade, foi uma ação dos produtores de petróleo dos EUA, que estavam com custos de produção muito elevados. Não que os bancos não queiram se cartelizar – praticamente qualquer setor econômico gostaria de manipular suas margens para cima -, a dificuldade é que é muito complicado conseguir isso com tantos e tão diversificados participantes.

Informações assimétricas

Posted in Ensaios de minha lavra, Evolução & comportamento by Raul Marinho on 14 outubro, 2008

Imprima e guarde para usar quando você for comprar um carro usado, contratar alguém, ou pedir crédito num banco:

Assimetria de informações

Imagine que você queira comprar um carro usado: um Gol ano 98, por exemplo. Você encontra este modelo em várias lojas da cidade, mas quando volta para casa, você vê o Gol 98 do seu vizinho com uma placa de “vende-se” na janela. Qual carro você irá preferir: o da loja ou do seu vizinho? Agora, coloque-se na pele de um gerente de produção que precisa contratar um engenheiro. Você tem inúmeros currículos na sua mesa, mas um deles é do filho do seu amigo, que você conhece desde pequeno. Qual seria sua escolha natural? Ambos os casos tratam da questão da Informação Assimétrica, uma das teorias mais importantes para entender o funcionamento dos desvios de eficiência no mercado de trabalho.

Depois do Nobel de Economia para a Teoria dos Jogos em 1994, a comunidade acadêmica tem se interessado cada vez mais pela Microeconomia, como foi o Nobel de 2001 para a Informação Assimétrica. Determinados mercados, como os de carros usados, seguros, crédito e serviços especializados têm a característica de uma das partes saber muito mais do que a outra sobre a real qualidade do que está sendo negociado. O vendedor do carro usado sabe muito mais sobre o estado do veículo que o comprador. Quem contrata um plano de seguro médico conhece melhor seu próprio estado de saúde que a empresa de seguro. E, no caso do mercado de trabalho, o empregado também sabe muito mais sobre si mesmo que o empregador.

A Informação Assimétrica, porém, tem uma conseqüência nefasta sobre os vendedores: a Seleção Adversa. Quando compradores e vendedores não têm como determinar a real qualidade do produto, fazendo com que produtos de qualidades distintas sejam vendidos pelo mesmo preço, a Seleção Adversa cria um desvio de eficiência no mercado. Este desvio se traduz em uma depreciação indiscriminada de preços. Para entender o efeito da Informação Assimétrica sobre o mercado de trabalho, o ganhador do prêmio Nobel George Akerlof estudou o mercado de carros usados nos Estados Unidos, lá conhecidos como “lemons”.

Akerlof concluiu que, como vendedores e compradores não tinham como saber a verdadeira qualidade dos veículos, o mercado tendia a ter seu ponto de equilíbrio baseado no preço dos carros de baixa qualidade. Na verdade, somente pelo fato do veículo estar à venda em uma loja de usados, seu preço já seria substancialmente depreciado. Em contrapartida, os consumidores estariam dispostos a pagar mais pelos “carros de vizinho”. Acontece que o carro do seu vizinho vale mais para você que o conhece. Este mesmo carro em uma loja de usados é um “lemon”. Ou seja, o que faz a diferença é a assimetria de informações.

De forma análoga, um profissional que já esteja empregado vai ter muito mais facilidade em conseguir um outro emprego que alguém que esteja desempregado. Apesar de um potencial empregador eventualmente nem conhecer a empresa onde determinada pessoa trabalhe, ele vai admitir por hipótese que se trata de uma pessoa mais qualificada simplesmente por não estar no mercado de “lemons”. Se os efeitos da Informação Assimétrica são tão devastadores para quem está desempregado, os economistas começaram então a entender o que poderia ser feito para diminuir a Seleção Adversa no mercado de trabalho.

Neste ponto, a Informação Assimétrica se encontra com a Teoria dos Jogos ao concluir que a reputação seria um dos principais fatores para diminuir a disparidade de informações. Uma outra forma de diminuir a assimetria de informações seria através da sinalização de mercado. Um MBA em Harvard é um forte sinalizador não só porque significa que o profissional tenha conhecimentos específicos sobre administração de empresas. Talvez mais importante que o conhecimento, ter um título destes sinaliza outras qualidades, como inteligência, disciplina e empenho. O mesmo acontece com profissionais que trabalham à noite e nos finais de semana. Muitas vezes, estes profissionais trabalham fora do horário normal simplesmente para sinalizar comprometimento e dedicação, mesmo em situações onde a demanda profissional não seja tão alta.

McDonald’s é uma empresa que tira proveito das Informações Assimétricas pela padronização. Você pode não jantar no McDonald’s de sua cidade, mas se você estiver viajando com sua família pelo interior, provavelmente vai preferir a segurança de um McDonald’s à incerteza de um restaurante de estrada. A mesma estratégia pode ser adotada por um profissional que possua certificações reconhecidas mundialmente: a padronização aumenta a segurança de quem o contrata.

Nada, porém, é mais eficiente para diminuir as informações assimétricas que o velho e bom networking. Dê uma olhada no seu currículo. Mesmo que você tenha seguido todas as orientações para construir um currículo perfeito, ele vai conter uma fração da informação sobre quem você realmente é. Seria comparável ao manual do proprietário de um carro usado, onde você vê os carimbos das revisões: o.k., o carro teve manutenção, mas como ele foi dirigido de fato? Seus amigos, parentes e colegas de trabalho, por outro lado, sabem o que você andou fazendo nos últimos anos. É comparável ao carro do vizinho que você vê todo dia – e, a propósito, não vai dar a mínima importância para o manual, caso se interesse em comprá-lo.

A assimetria de informações é um fenômeno relativamente recente na história do homem. Antes da evolução das tribos primitivas para as supertribos que originaram as cidades modernas, as pessoas se conheciam mutuamente e a assimetria de informações era praticamente nula. Hoje em dia, o homem vive no anonimato em decorrência da hiper-população: ninguém mais conhece ninguém e a assimetria de informações é enorme. O networking é, na verdade, uma estratégia para diminuir os efeitos das enormes aglomerações em que vivemos. Nós ficamos menos anônimos e, conseqüentemente, as informações sobre nós ficam mais simétricas.

Confiança com ou sem fiança?

Posted in Atualidades, Ensaios de minha lavra, Evolução & comportamento by Raul Marinho on 14 outubro, 2008

A piada é velha, mas ainda hoje engraçada:

O turquinho tinha subido no telhado e não sabia descer. Aí o pai dele (o turcão) apareceu e, do chão, gritava “Bula vilhinha, bula que babai sigura!!!”. O garoto não se convencia “Mas babai, eu tem medo de cai nu chom, e se babai num sigura eu?”, mas o pai reforçava “Vilhinha, bode bula, gônvia babai, babai sigura!!!”. Muito a contragosto, o turquinho acabou pulando para os braços do pai, que na última hora tira o corpo fora e deixa o filho se estatelar no chão. Ainda chorando, com dentes quebrados e todo machucado, o garoto reclama “Mas púrque babai num sigura vilhinha!!! Púrque babai tira corpo fora e deixa vilhinha esborrachar nu chom???”, ao que o turcão explica a grande lição do dia “Izo é brá vilhinha abrendi num gônvia nem nu babai!!!”.

Bem… Parece que o tal do “mercado” está que nem o turquinho da piada, que agora “num gônvia nínguem”… Talvez seja o caso de colocar oxitocina na água de Nova York. Leia o artigo abaixo, publicado originalmente na revista Você S/A em 2002:

A história da confiança (e da crise de confiança)

Se observarmos o homem em comparação com qualquer outro animal, fica evidente que somos uma das espécies menos dotadas de mecanismos de sobrevivência na natureza. Praticamente todos os animais têm alguma vantagem competitiva na luta pela vida: dentes afiados, garras poderosas, velocidade na terra, no ar ou na água, sistemas inoculadores de veneno ou capacidade de gerar descargas elétricas são alguns dos exemplos. Nós, ao contrário, temos pele sensível, não enxergamos à noite, precisamos dormir um terço do dia e somos totalmente indefesos nos primeiros anos de nossas vidas. Mesmo assim, o homem é um dos animais que teve o maior sucesso evolutivo na história do planeta.

Apesar de sermos uma espécie com enormes habilidades físicas e intelectuais para fabricar ferramentas e adotar estratégias elaboradas de caça, o homem deve seu desenvolvimento à sua capacidade de organização social. Um homem sozinho, por mais hábil e inteligente que seja, teria suas chances de sobrevivência bastante restritas na natureza. Enquanto isto, um grupo bem coordenado de seres humanos é praticamente imbatível. Mas nós não somos os únicos animais sociais do planeta. Muitas outras espécies também se organizam socialmente, e uma delas obteve êxito comparável ao nosso: as formigas.

Existe, porém, uma diferença básica entre a organização social das formigas e a nossa: formigas são cooperadoras incondicionais e nós não. As formigas são totalmente desprovidas de sentimento individual. Elas existem para o bem-estar do formigueiro e não delas próprias. Nós, ao contrário, vivemos o conflito de interesses constante de agir em proveito próprio ou da comunidade. O homem convive com a perspectiva da deserção da outra parte constantemente e, justamente por isto, nós damos tanta importância à reputação cooperativa do outro. Nossa estrutura social é baseada em confiança, a certeza que o outro vai se manter cooperativo em uma situação de conflito de interesses mesmo se houver vantagem em não cooperar.

Os primeiros seres humanos formaram grupos de caçadores-coletores que dividiam o trabalho de coleta de vegetais e formavam grupos de caça baseados em confiança. Estes caçadores-coletores primitivos evoluíram e aprenderam a cultivar seus alimentos e a trocar seus excedentes com membros de outras aldeias. Com o aparecimento da agricultura e do comércio, os mesmos mecanismos de confiança dos caçadores-coletores continuaram existindo e sua importância só aumentou. O homem atravessou eras, desenvolveu tecnologias, inventou o dinheiro e, em decorrência dele, o crédito.

Com o aparecimento do crédito, as relações humanas se tornaram ainda mais baseadas na cooperação mútua. E este mecanismo de confiança proporcionou o desenvolvimento da civilização em uma velocidade nunca antes vista, pois a riqueza de um financiava o desenvolvimento do outro e o comércio adquiriu uma importância impensável para um caçador-coletor primitivo. Mas tanto o homem primitivo quanto o financista de Wall Street do século XXI têm o mesmo equipamento biológico, o mesmo cérebro. E é este cérebro que criou mecanismos de cooperação nas atividades caçadoras de dezenas de milhares de anos atrás que toma decisões financeiras hoje em dia.

O mecanismo de funcionamento do cérebro humano ainda é pouco conhecido, mas já se identificou um hormônio, a oxitocina, que parece estar relacionado com a disposição em confiar do ser humano. Disto, podemos concluir que quando se diz que o mercado precisa tomar calmante para voltar à normalidade, talvez seja mais correto dizer que o mercado precise tomar oxitocina, já que o problema real é a falta de confiança, o nervosismo é somente um efeito colateral.

De qualquer forma, com ou sem oxitocina, o homem desenvolveu uma mecânica de pensamento para avaliar se pode ou não confiar no outro com base na reputação. E reputação é decorrente do histórico de um indivíduo em situações de conflito de interesses entre o benefício individual ou comunitário como a situação do Dilema do Prisioneiro, onde cada um dos participantes deve decidir se coopera ou não baseado no que ele pensa que o outro pensa sobre ele mesmo. O problema é que destas conjecturas acerca da deserção ou cooperação do outro podem surgir crises de confiança devastadoras com graves conseqüências econômicas: são as crises de confiança do mercado financeiro.

Os atores da crise estão em equilíbrio cooperativo antes dela acontecer: o credor mantém o crédito aberto ao devedor que retribui pagando seus compromissos regularmente. Subitamente, uma das partes pode concluir que a outra parte irá desertar e, para antecipar a deserção do outro, decide desertar primeiro. O interessante é que o outro não precisa tomar nenhuma medida efetiva para que a crise aconteça, basta dar algum indício de mudança de comportamento para acender o pavio do conflito.

Como o homem é o mesmo em termos biológicos há dezenas de milhares de anos, nosso cérebro interpreta uma crise de confiança em um mercado financeiro sofisticado como o nosso da mesma forma que interpretaria uma deserção em uma patrulha de caçadores primitivos há cinqüenta mil anos. Um caçador que não fosse digno de confiança seria excluído da aldeia. De maneira análoga, uma pessoa, uma empresa ou um país que for visto como não confiável financeiramente será excluído deste mercado: é o mecanismo do ostracismo. Foi este comportamento que fez do homem um sucesso evolutivo.

A pior profissão do mundo

Posted in Ensaios de minha lavra by Raul Marinho on 11 outubro, 2008

De todas as profissões que lidam com a incerteza – ou melhor: que tem de tomar decisões baseadas em premissas futuras, ou projeções –, são os profissionais de crédito que estão em pior situação. Eu já fiz isso, e conheço bastante gente que vive de decidir sobre crédito, assumindo o risco de que um pagamento futuro eventualmente devido possa prejudicar o emprestador (ou seja: ele). Eu também já fui gerente de contas do corporate do Citibank, e propunha limites de crédito que, se não fossem honrados, poderiam me prejudicar na carreira de alguma forma (não necessariamente com demissão, a perda de bônus também conta – e muito). Eu já vi gente rodar no banco devido a empréstimos problemáticos, e todo mundo que trabalha na área de crédito bancário um dia vê a mesma cena, do cara guardando os porta-retratos com diplominhas em miniatura numa caixa. É uma cena triste, muito triste.

O grande problema é que quem decide não tem a menor idéia sobre o futuro. A única coisa sensata que se pode fazer é ter certeza de que há como retaliar se o cliente não pagar, e é aí que entram, em maior ou menor grau, o valor e a qualidade das garantias. Mas uma parcela do exposure (como diz ‘o mercado’) sempre é clean (idem): risco puro, 100% certo no balanço – e ter a responsabilidade em saber se o devedor vai pagar isso é que é decisivo para distinguir um executivo de crédito júnior de um sênior (é por isso que quanto menor a liquidez da garantia, maior a necessidade de seniores na decisão). Também quanto mais sênior, mais o sujeito “coloca o seu na reta” – ou seja: se der merd@, é esse o cara que vai tomar tomatada, ovada, e depois ainda vai ficar com o abacaxi na mão, descascando enquanto os que não fizeram besteira ganham o bônus de fim de ano. Ser membro de comitê de crédito – ou, pior, correr o risco de perder o dinheiro do próprio bolso – é uma profissão pior que a do (possivelmente) veterinário da foto acima. Esse, pelo menos, consegue ficar limpo depois de um bom banho.

A coisa está feia MESMO

Posted in Atualidades, Just for fun by Raul Marinho on 10 outubro, 2008

Ontem, estava caminhando pela avenida Paulista e, mais ou menos em frente ao edifício da Gazeta, parei para engraxar o sapato. Conversando com o engraxate, ele me contou que horas antes uma pessoa se suicidara, pulando do 18o. andar do prédio em frente. Não sei se o suicida era trader do mercado de ações, investidor ou o quê, mas um suicídio na avenida Paulista nesse momento me parece suspeito… Desconfio que, dos 9 leitores que esse blog possui diariamente, em média, pelo menos uns 2 ou 3 sejam do mercado financeiro. A estes, minha recomendação: calma. Eu já quebrei, e é ruim, mas uma hora passa. Até a uva passa!

Palestra no CIESP

Posted in Atualidades, Ensaios de minha lavra, Palestras by Raul Marinho on 8 outubro, 2008

Amanhã, 09/10, irei dar uma palestra na CIESP, com o Fernando Blanco, presidente da Coface.

Conheço o Fernando desde 2006, quando ele era o Diretor de Redes Colaborativas do Banco ABN-Amro/Real (na época pré-Santander): Ele cometeu o desatino de me contratar para falar de cooperação nas associações empresariais que a sua diretoria pretendia abordar. (Depois falo mais disso, por ora recomendo a leitura desse artigo, que resume a apresentação que fazia na época).

O fato é que eu e o Fernando estamos trabalhando há 4 meses na estruturação de um negócio que, atualmente, se chama Instituto do Crédito. Em resumo, trata-se de uma iniciativa de educação financeira voltada à melhoria do relacionamento empresa-banco (obviamente, pelo ponto de vista da empresa). A palestra de amanhã será a primeira de uma série de muitas (assim espero). O assunto é o que tratamos nesse artigo da administradores.com, e o ppt pode ser baixado aqui

Você quer entender a crise financeira atual?

Posted in Atualidades by Raul Marinho on 2 outubro, 2008

Leia essa apresentação em powerpoint (é uma história em quadrinhos, não se assuste).

Se não tiver paciência, leia esse texto (recebi hoje pela internet, e desconheço o autor):

Chega de explicações rebuscadas sobre a crise do mercado financeiro…
Pra entender a crise financeira americana, que pode chegar até nós. . .

O seu Biu tem um bar, na Vila Carrapato, e decide que vai vender cachaça na caderneta aos seus leais fregueses, todos bebuns e quase todos desempregados.

Porque decide vender a crédito, ele pode aumentar um pouquinho o preço da dose da branquinha (a diferença é o sobrepreço que os pinguços pagam pelo crédito e o aumento da margem de lucro para compensar o risco).

O gerente do banco do seu Biu, um ousado administrador formado em curso de emibiêi, decide que as cadernetas das dívidas do bar constituem, afinal, um ativo recebível como chequinhos pré-datados, e começa a adiantar dinheiro ao estabelecimento tendo o pindura dos pinguços como garantia.

Uns zécutivos de bancos, mais adiante, lastreiam os tais recebíveis do banco, e os transformam em CDB, CDO, CCD, PQP, TDA, UTI, OVNI, SOS ou qualquer outro acrônimo financeiro que ninguém sabe exatamente o que quer dizer. Ou seja, pegam mais dinheiro no mercado para financiar novos pinguços do seu Biu.

Esses adicionais instrumentos financeiros, alavancam o mercado de capitais e conduzem a operações estruturadas de derivativos, na BM&F, cujo lastro inicial todo mundo desconhece, alias nem querem saber. ( as tais cadernetas do seu Biu ).

Esses derivativos estão sendo negociados como se fossem títulos sérios, com fortes garantias reais, nos mercados de 73 países.

Até que alguém descobre que os bêubo da Vila Carrapato não têm dinheiro para pagar as contas, e o Bar do seu Biu vai à falência. E toda a cadeia sifu.


O pior é que a explicação é essa mesmo. 
Certíssima !!!!!
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