Conflito de interesses
Se, um dia, alguém quiser conceituar ou exemplificar o que é um conflito de interesses, recomendo utilizar a matéria abaixo, publicada na Folha de sábado, 09/05, muitíssimo bem escrita pelos repórteres Cláudia Rolli e Sílvio Navarro, sobre um evento para juízes do trabalho e ministros do TST promovido pela Febraban. Depois, leia meu próximo post, que irá tratar da absurda relação entre alguns bancos e seus empregados.
Febraban paga encontro de juízes em resort
Congresso na Bahia bancado por federação reuniu, entre outros, ministros do TST e advogados de bancos; evento já foi feito 16 vezes.
TRT-SP diz que não houve discussão sobre processos durante o evento; federação afirma que o congresso é “essencialmente técnico”.
Um grupo formado por 42 juízes do trabalho e ministros do TST (Tribunal Superior do Trabalho) teve passagens, hospedagem e refeições pagas pela Febraban (Federação Brasileira de Bancos) para participar de um congresso promovido pela entidade em um resort cinco estrelas na Praia do Forte (BA), durante o feriado prolongado de 21 de abril.
É o 16º ano que o evento é realizado no país, com o objetivo de discutir temas relacionados a questões trabalhistas, segundo a federação dos bancos.
A maior parte dos dez ministros do TST que estiveram no congresso, dos presidentes ou representantes de TRTs (Tribunais Regionais do Trabalho) de várias regiões do país, entre eles o de São Paulo, e dos juízes que participaram do evento foram acompanhados por suas mulheres ou maridos, a exemplo de anos anteriores.
A diária de um apartamento standard para um casal no Tivoli Ecoresort Praia do Forte, onde ocorreu o evento deste ano, custa R$ 798, disseram funcionários do hotel. Cerca de 200 dos 293 apartamentos do hotel foram reservados para o “16º Ciclo de Estudos de Direito do Trabalho” da Febraban. Nesse caso, a diária pode ser reduzida para cerca de R$ 600, segundo a Folha apurou.
O evento não é aberto ao público e envolveu outras 62 pessoas, entre advogados, professores e juristas, além dos 42 magistrados. Com os acompanhantes, o número total de pessoas no evento foi de 170.
Juízes que já estiveram no congresso em anos anteriores relataram à Folha que os debates são feitos na parte da manhã e que as tardes são livres.
“Convidamos os juízes para trabalhar quatro dias em um feriado em que estariam de folga com suas famílias. Houve trabalho todos os dias. É justo que levem seus familiares”, disse Magnus Apostólico, superintendente de Relações do Trabalho da Febraban.
A programação começou no sábado, no dia 18 de abril, com a abertura do evento às 18h30, feita pelo vice-presidente do TST, ministro João Oreste Dalazen, e palestras até as 21h, segundo informou a Febraban. O corregedor do TST, ministro Carlos Alberto Reis de Paula, também participou.
Nos dias 19 e 20, as atividades aconteceram das 8h30 até as 13h30. O tempo restante foi livre. No dia 21, data de encerramento, os debates e palestras aconteceram das 8h30 até as 11h30. “Foi uma carga pesada”, disse o superintendente.
À Folha o TST disse que a decisão de participar do evento depende de cada juiz.
O TRT-SP afirmou, também por meio de sua assessoria, que a participação de magistrados em congressos e ciclos de estudos é necessária “para o melhor desempenho da atividade jurisdicional” e que “não houve discussões sobre processos ou mesmo sobre empresas e temas que pudessem suscitar comprometimento à independência dos juízes”. Cinco representantes de São Paulo participaram do encontro.
Proximidade
Segundo a Febraban, o evento é “autossustentável”. Isso porque as 60 pessoas que se inscreveram para participar do congresso -entre advogados trabalhistas dos bancos e funcionários ligados às áreas de recursos humanos e relações trabalhistas das instituições financeiras- pagaram R$ 11 mil para participar dos quatro dias de debates. O pacote incluía um acompanhante.
“A receita das inscrições deve cobrir o custo total do evento, que ainda não está fechado. Os juízes vieram como convidados e não receberam por isso. Foram pagas as passagens, as estadias e as refeições. O evento é autossustentável porque foi custeado pelos recursos pagos pelos 60 inscritos”, diz o superintendente da Febraban.
A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho) não comentou a participação de ministros, desembargadores e juízes no evento.
Magistrados que já estiveram no encontro em anos anteriores -e que preferiram não ser identificados- disseram à Folha que ficaram preocupados com a proximidade com os advogados dos bancos e com a possibilidade de o pagamento de despesas poder ser considerado remuneração indireta, o que é proibido. Alguns também questionaram o fato de somente a cúpula da Justiça trabalhista ser convidada.
Na opinião desses juízes consultados pela Folha, se o objetivo do congresso é discutir temas trabalhistas, o evento deveria ser aberto inclusive para juízes da primeira instância.
O setor bancário é considerado um dos campeões de reclamações trabalhistas no país, segundo ranking feito durante anos pelo próprio TST.
“O evento é essencialmente técnico. Os ministros e juízes jamais são questionados sobre decisões que tomam ou estão em julgamento. Até porque se fizéssemos isso, eles não participariam mais”, disse o representante da Febraban. “Os advogados que vão ao evento sabem que não podem fazer esses questionamentos. Os temas debatidos são teses jurídico-trabalhistas.”
No ciclo de estudos deste ano foram discutidos, entre outros temas, o projeto de lei que regulamenta a terceirização no Brasil e as demissões feitas durante os reflexos da crise econômica mundial no Brasil, segundo informa a Febraban.
“Se fôssemos pensar que um ministro do TST pode se comprometer num final de semana em que ele vai trabalhar, então estaríamos completamente perdidos. Há uma história de 16 anos de realização desses eventos. Todo ano, após o congresso, é publicado um livro com todas as palestras, os debates e os questionamentos feitos por cada participante”, disse Apostólico.
Por que os spreads são tão altos no Brasil?
No post anterior, mostrei que essa história de que existe uma sala secreta na FEBRABAN onde os banqueiros combinam as taxas de juros é uma lenda urbana sem o menor sentido. Ficou faltando explicar por que, então, os spreads brasileiros são tão elevados, que é o que tentarei fazer nesse post. Antes, porém, é preciso contextualizar onde os spreads são exagerados. A Petrobras, quando captou bilhões no mercado em fins de 2008, pagou um spread minúsculo, assim como toda grande corporação paga muito pouco pela intermediação financeira dos bancos. Empréstimos consignados (aqueles com desconto em folha de pagamento, para funcionários públicos e/ou aposentados), e os financiamentos para aquisição de veículos ou imóveis também são razoavelmente civilizados. Mas o crédito para pessoas físicas e para pequenas e médias empresas, em compensação, são absurdamente caros, e é sobre esta modalidade de empréstimos que iremos tratar.
Sem maiores rodeios, vamos direto ao ponto: no Brasil, só paga um empréstimo quem quer, a lei protege o caloteiro. Salários são impenhoráveis, a casa onde a pessoa mora, também, os processos judiciais são absurdamente morosos e caros, tudo conspira para a impunidade do mau pagador. É por isso, principalmente, que o crédito é tão caro no Brasil: o risco também é muito elevado. Porém, os próprios tomadores contribuem para o elevado spread que grassa em Pindorama, de várias maneiras. Nosso nível educacional é baixíssimo, como se sabe, mas em Matemática nós somos um horror: ninguém sabe fazer conta, ainda mais quando se trata de juros compostos, que necessitam de conhecimento sobre cálculo exponencial. As décadas de inflação alta deseducaram toda uma geração, e mesmo hoje, 15 depois da morte da hiper-inflação, ainda temos dificuldade em entender o real valor do Real (com o perdão do trocadilho). E, para as empresas, falta um mínimo de conhecimento sobre o funcionamento do mercado de crédito, sobre relacionamento bancário, e sobre estratégia financeira.
A lenda do cartel dos bancos
Ultimamente, um dos assuntos mais freqüentes na imprensa são os juros e o spread bancário brasileiros, ambos recordistas mundiais – estamos atravessando uma crise financeira centrada no problema do crédito, afinal de contas. Não sei quanto tempo ainda vai perdurar esta crise, mas duas coisas são certas: A)Um dia, ela vai passar; e B)Mesmo depois disso, os juros e, principalmente, os spreads, vão continuar altos no Brasil. São vários os motivos para que isso aconteça, e num próximo post eles serão abordados em detalhes. Neste, o foco será refutar a teoria de que há um cartel bancário no Brasil, o verdadeiro motivo pelo qual os spreads seriam tão elevados, a tese do prof. Marcos Cintra do post abaixo.
Se os bancos são cartelizados, é de se esperar que haja alguma forma de comunicação entre os dirigentes bancários, de modo a combinar a manutenção dos spreads em níveis elevados. Ou seja, os presidentes do Bradesco, Itaú, Santander, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Citibank, BIC, HSBC etc., todos teriam que sentar em uma mesa e acertar que ninguém deveria cobrar menos que um determinado valor de spread. O problema é que tem banco demais para combinar, alguns nacionais, outros estrangeiros, uns grandes, outros pequenos, e grande parte do setor é estatal. Como é que se daria um arranjo desses? E, ainda por cima, sem dar na vista? Para piorar, já que o mercado é aberto ao capital externo, a combinação deveria ser global, pois nada impediria que um banco australiano, sul-africano ou mexicano furasse a barreira e entrasse no mercado cobrando menos. Mais do que isso, os donos de factorings, os dirigentes de financeiras, de cartões de crédito, das grandes redes de lojas, de fundos de recebíveis, etc., também teriam que participar do conluio. Isso parece razoável?
O mercado bancário brasileiro não é cartelizado, pode espernear professor Marcos Cintra. A FEBRABAN é um pega-prá-capar, não tem nada a ver com o que imaginamos que era a OPEP na primeira crise do petróleo. Aliás, hoje se sabe que a própria OPEP teve muito pouco a ver com a subida dos preços do petróleo na crise de 1973 – na verdade, foi uma ação dos produtores de petróleo dos EUA, que estavam com custos de produção muito elevados. Não que os bancos não queiram se cartelizar – praticamente qualquer setor econômico gostaria de manipular suas margens para cima -, a dificuldade é que é muito complicado conseguir isso com tantos e tão diversificados participantes.
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