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Conflito de interesses

Posted in Atualidades by Raul Marinho on 11 maio, 2009

Se, um dia, alguém quiser conceituar ou exemplificar o que é um conflito de interesses, recomendo utilizar a matéria abaixo, publicada na Folha de sábado, 09/05, muitíssimo bem escrita pelos repórteres Cláudia Rolli e Sílvio Navarro, sobre um evento para juízes do trabalho e ministros do TST promovido pela Febraban. Depois, leia meu próximo post, que irá tratar da absurda relação entre alguns bancos e seus empregados.

Febraban paga encontro de juízes em resort

Congresso na Bahia bancado por federação reuniu, entre outros, ministros do TST e advogados de bancos; evento já foi feito 16 vezes.

TRT-SP diz que não houve discussão sobre processos durante o evento; federação afirma que o congresso é “essencialmente técnico”.

Um grupo formado por 42 juízes do trabalho e ministros do TST (Tribunal Superior do Trabalho) teve passagens, hospedagem e refeições pagas pela Febraban (Federação Brasileira de Bancos) para participar de um congresso promovido pela entidade em um resort cinco estrelas na Praia do Forte (BA), durante o feriado prolongado de 21 de abril.

É o 16º ano que o evento é realizado no país, com o objetivo de discutir temas relacionados a questões trabalhistas, segundo a federação dos bancos.

A maior parte dos dez ministros do TST que estiveram no congresso, dos presidentes ou representantes de TRTs (Tribunais Regionais do Trabalho) de várias regiões do país, entre eles o de São Paulo, e dos juízes que participaram do evento foram acompanhados por suas mulheres ou maridos, a exemplo de anos anteriores.

A diária de um apartamento standard para um casal no Tivoli Ecoresort Praia do Forte, onde ocorreu o evento deste ano, custa R$ 798, disseram funcionários do hotel. Cerca de 200 dos 293 apartamentos do hotel foram reservados para o “16º Ciclo de Estudos de Direito do Trabalho” da Febraban. Nesse caso, a diária pode ser reduzida para cerca de R$ 600, segundo a Folha apurou.

O evento não é aberto ao público e envolveu outras 62 pessoas, entre advogados, professores e juristas, além dos 42 magistrados. Com os acompanhantes, o número total de pessoas no evento foi de 170.

Juízes que já estiveram no congresso em anos anteriores relataram à Folha que os debates são feitos na parte da manhã e que as tardes são livres.

“Convidamos os juízes para trabalhar quatro dias em um feriado em que estariam de folga com suas famílias. Houve trabalho todos os dias. É justo que levem seus familiares”, disse Magnus Apostólico, superintendente de Relações do Trabalho da Febraban.

A programação começou no sábado, no dia 18 de abril, com a abertura do evento às 18h30, feita pelo vice-presidente do TST, ministro João Oreste Dalazen, e palestras até as 21h, segundo informou a Febraban. O corregedor do TST, ministro Carlos Alberto Reis de Paula, também participou.

Nos dias 19 e 20, as atividades aconteceram das 8h30 até as 13h30. O tempo restante foi livre. No dia 21, data de encerramento, os debates e palestras aconteceram das 8h30 até as 11h30. “Foi uma carga pesada”, disse o superintendente.

À Folha o TST disse que a decisão de participar do evento depende de cada juiz.

O TRT-SP afirmou, também por meio de sua assessoria, que a participação de magistrados em congressos e ciclos de estudos é necessária “para o melhor desempenho da atividade jurisdicional” e que “não houve discussões sobre processos ou mesmo sobre empresas e temas que pudessem suscitar comprometimento à independência dos juízes”. Cinco representantes de São Paulo participaram do encontro.

Proximidade

Segundo a Febraban, o evento é “autossustentável”. Isso porque as 60 pessoas que se inscreveram para participar do congresso -entre advogados trabalhistas dos bancos e funcionários ligados às áreas de recursos humanos e relações trabalhistas das instituições financeiras- pagaram R$ 11 mil para participar dos quatro dias de debates. O pacote incluía um acompanhante.

“A receita das inscrições deve cobrir o custo total do evento, que ainda não está fechado. Os juízes vieram como convidados e não receberam por isso. Foram pagas as passagens, as estadias e as refeições. O evento é autossustentável porque foi custeado pelos recursos pagos pelos 60 inscritos”, diz o superintendente da Febraban.

A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho) não comentou a participação de ministros, desembargadores e juízes no evento.

Magistrados que já estiveram no encontro em anos anteriores -e que preferiram não ser identificados- disseram à Folha que ficaram preocupados com a proximidade com os advogados dos bancos e com a possibilidade de o pagamento de despesas poder ser considerado remuneração indireta, o que é proibido. Alguns também questionaram o fato de somente a cúpula da Justiça trabalhista ser convidada.

Na opinião desses juízes consultados pela Folha, se o objetivo do congresso é discutir temas trabalhistas, o evento deveria ser aberto inclusive para juízes da primeira instância.

O setor bancário é considerado um dos campeões de reclamações trabalhistas no país, segundo ranking feito durante anos pelo próprio TST.

“O evento é essencialmente técnico. Os ministros e juízes jamais são questionados sobre decisões que tomam ou estão em julgamento. Até porque se fizéssemos isso, eles não participariam mais”, disse o representante da Febraban. “Os advogados que vão ao evento sabem que não podem fazer esses questionamentos. Os temas debatidos são teses jurídico-trabalhistas.”

No ciclo de estudos deste ano foram discutidos, entre outros temas, o projeto de lei que regulamenta a terceirização no Brasil e as demissões feitas durante os reflexos da crise econômica mundial no Brasil, segundo informa a Febraban.

“Se fôssemos pensar que um ministro do TST pode se comprometer num final de semana em que ele vai trabalhar, então estaríamos completamente perdidos. Há uma história de 16 anos de realização desses eventos. Todo ano, após o congresso, é publicado um livro com todas as palestras, os debates e os questionamentos feitos por cada participante”, disse Apostólico.

Por que os spreads são tão altos no Brasil?

Posted in Atualidades by Raul Marinho on 3 fevereiro, 2009

No post anterior, mostrei que essa história de que existe uma sala secreta na FEBRABAN onde os banqueiros combinam as taxas de juros é uma lenda urbana sem o menor sentido. Ficou faltando explicar por que, então, os spreads brasileiros são tão elevados, que é o que tentarei fazer nesse post. Antes, porém, é preciso contextualizar onde os spreads são exagerados. A Petrobras, quando captou bilhões no mercado em fins de 2008, pagou um spread minúsculo, assim como toda grande corporação paga muito pouco pela intermediação financeira dos bancos. Empréstimos consignados (aqueles com desconto em folha de pagamento, para funcionários públicos e/ou aposentados), e os financiamentos para aquisição de veículos ou imóveis também são razoavelmente civilizados. Mas o crédito para pessoas físicas e para pequenas e médias empresas, em compensação, são absurdamente caros, e é sobre esta modalidade de empréstimos que iremos tratar.

Sem maiores rodeios, vamos direto ao ponto: no Brasil, só paga um empréstimo quem quer, a lei protege o caloteiro. Salários são impenhoráveis, a casa onde a pessoa mora, também, os processos judiciais são absurdamente morosos e caros, tudo conspira para a impunidade do mau pagador. É por isso, principalmente, que o crédito é tão caro no Brasil: o risco também é muito elevado. Porém, os próprios tomadores contribuem para o elevado spread que grassa em Pindorama, de várias maneiras. Nosso nível educacional é baixíssimo, como se sabe, mas em Matemática nós somos um horror: ninguém sabe fazer conta, ainda mais quando se trata de juros compostos, que necessitam de conhecimento sobre cálculo exponencial. As décadas de inflação alta deseducaram toda uma geração, e mesmo hoje, 15 depois da morte da hiper-inflação, ainda temos dificuldade em entender o real valor do Real (com o perdão do trocadilho). E, para as empresas, falta um mínimo de conhecimento sobre o funcionamento do mercado de crédito, sobre relacionamento bancário, e sobre estratégia financeira.

A lenda do cartel dos bancos

Posted in Atualidades by Raul Marinho on 3 fevereiro, 2009

Ultimamente, um dos assuntos mais freqüentes na imprensa são os juros e o spread bancário brasileiros, ambos recordistas mundiais – estamos atravessando uma crise financeira centrada no problema do crédito, afinal de contas. Não sei quanto tempo ainda vai perdurar esta crise, mas duas coisas são certas: A)Um dia, ela vai passar; e B)Mesmo depois disso, os juros e, principalmente, os spreads, vão continuar altos no Brasil. São vários os motivos para que isso aconteça, e num próximo post eles serão abordados em detalhes. Neste, o foco será refutar a teoria de que há um cartel bancário no Brasil, o verdadeiro motivo pelo qual os spreads seriam tão elevados, a tese do prof. Marcos Cintra do post abaixo.

Se os bancos são cartelizados, é de se esperar que haja alguma forma de comunicação entre os dirigentes bancários, de modo a combinar a manutenção dos spreads em níveis elevados. Ou seja, os presidentes do Bradesco, Itaú, Santander, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Citibank, BIC, HSBC etc., todos teriam que sentar em uma mesa e acertar que ninguém deveria cobrar menos que um determinado valor de spread. O problema é que tem banco demais para combinar, alguns nacionais, outros estrangeiros, uns grandes, outros pequenos, e grande parte do setor é estatal. Como é que se daria um arranjo desses? E, ainda por cima, sem dar na vista? Para piorar, já que o mercado é aberto ao capital externo, a combinação deveria ser global, pois nada impediria que um banco australiano, sul-africano ou mexicano furasse a barreira e entrasse no mercado cobrando menos. Mais do que isso, os donos de factorings, os dirigentes de financeiras, de cartões de crédito, das grandes redes de lojas, de fundos de recebíveis, etc., também teriam que participar do conluio. Isso parece razoável?

O mercado bancário brasileiro não é cartelizado, pode espernear professor Marcos Cintra. A FEBRABAN é um pega-prá-capar, não tem nada a ver com o que imaginamos que era a OPEP na primeira crise do petróleo. Aliás, hoje se sabe que a própria OPEP teve muito pouco a ver com a subida dos preços do petróleo na crise de 1973 – na verdade, foi uma ação dos produtores de petróleo dos EUA, que estavam com custos de produção muito elevados. Não que os bancos não queiram se cartelizar – praticamente qualquer setor econômico gostaria de manipular suas margens para cima -, a dificuldade é que é muito complicado conseguir isso com tantos e tão diversificados participantes.

Contabilidade de conveniência

Posted in Atualidades by Raul Marinho on 11 novembro, 2008

accountability

A Folha publica hoje uma entrevista com o presidente da FEBRABAN, que o Clóvis Rossi tanto admira (vide esse post). Não vou comentá-la integralmente para não cansar o leitor (para os assinantes, ela está disponível aqui), mas uma das perguntas merece ser comentada.

FOLHA – É melhor deixar dinheiro no BC sem rendimento a emprestar?
FABIO BARBOSA
– Os recursos no compulsório rendem 100% do CDI. Qualquer um que for aplicar dinheiro hoje, vai receber 102% do CDI [de remuneração]. Não sei de onde saiu essa idéia de que banco ganha mantendo dinheiro em títulos públicos. Dinheiro para o banco custa 102% do CDI. Comprar por 102% e vender por 100% não me parece um bom negócio. Agora, o BC disse que para aquela parte do compulsório vai render zero. Aí ficou pior ainda. Obviamente que existe um estímulo adicional para que se faça alguma coisa. Isso é política monetária.O dinheiro que ele está mandando emprestar é o seu, não é meu. E as pessoas querem o dinheiro delas protegido. As pessoas batem no banco, mas querem que o seu dinheiro esteja lá garantido.

Isso é uma falácia porque:

1)O depósito compulsório recebe (dentre outros), os recursos das contas-correntes, que custam zero para o banco.

2)Eu não consigo aplicar o meu dinheiro a 102% do CDI, assim como 99% da população, logo não é “qualquer um que for aplicar dinheiro hoje” que vai receber 102% do CDI…

3)”Não sei de onde saiu essa idéia de que banco ganha mantendo dinheiro em títulos públicos.” Ah, lógico, os bancos compram títulos públicos por patriotismo…

4)”O dinheiro que ele está mandando emprestar é o seu, não é meu.” Não é bem assim… Quem corre o risco de crédito é o banco, não o poupador – que só perderia se o banco quebrasse.

E aí Clóvis Rossi, algo a comentar?

Otário ou malandro?

Posted in Atualidades, Ensaios de minha lavra by Raul Marinho on 11 novembro, 2008

orelhas-de-burro

Os milhares de leitores desse humilde noticioso cibernético já devem ter notado uma certa má vontade de nosso corpo editorial com o Clóvis Rossi, colunista da Folha. O problema é que o sujeito não pára de escrever bobagens, e nossos editores ficam revoltados, é impossível impedi-los de fazer o seu trabalho (que, a propósito, nem remunerado é). Hoje, ele reproduz quase que integralmente o ponto de vista do Fábio Barbosa em sua coluna abaixo reproduzida para explicar a posição dos bancos quanto à crise. Barbosa é presidente do Santander/Real e da FEBRABAN, logo não há personagem mais enviesada para falar deste assunto: é óbvio que ele iria aliviar o lado dos banqueiros. Mas CR parece não se atinar para esse pequeno detalhe e faz das palavras de Fábio as suas, o que só dá margem a duas interpretações:

1)Ou ele é um otário, que não percebe que o presidente da FEBRABAN jamais emitiria uma opinião prejudicial aos bancos – então deve ser demitido porque o leitor não deve ser informado por otários;

2)Ou ele é um malandro, e está escrevendo a soldo de interesses dos banqueiros – então deve ser demitido porque o leitor não deve ser informado por malandros.

Na verdade, o buraco é beeeeeem mais embaixo. Muito embora os argumentos do Fábio Barbosa estejam corretos, eles são apenas parte da verdade. É preciso acrescentar que, dentre outros motivos da escassez de crédito, que:

1)O que o BaCen quer é que os bancos direcionem fatia maior para o crédito do que para outros ativos, como títulos públicos;

2)O brasileiro é um péssimo poupador, e o momento é de estimular a poupança pública, não o consumismo fútil, como fez o presidente Luís Inácio TV de Plasma da Silva;

3)O sistema de crédito brasileiro precisa de urgente reforma para acabar com o paternalismo aos endividados, um dos grandes entraves ao crescimento do crédito;

4)É preciso investir em educação financeira de qualidade, para que o crédito possa crescer de forma sustentável; e

5)É preciso desarmar os desincentivos ao crédito (ex.:a sobretaxa do IOF) instalados recentemente.

Viu, Clóvis, como tem coisa importante para falar?

Segue abaixo o texto do CR, com os trechos entre aspas grifados, para facilitar a vida do leitor:

Os bancos e o boi no pasto

Fabio Barbosa, presidente do Grupo Santander no Brasil e presidente também da Federação Brasileira de Bancos, é um dos raros líderes (empresariais ou políticos) que se sente compelido a prestar contas quando cobrado.
Foi cobrado pelo presidente Lula na semana passada (de brincadeira, segundo Barbosa), cobrança que reproduzi neste espaço. Prestou contas, que repasso ao leitor, como é devido, em resumo: “Os governantes, analistas, banqueiros, industriais e jornalistas ainda estão tentando entender o que se passa nessa inédita crise.
Não espere que eu, ou alguém isoladamente, tenha a resposta
“. “A realidade é que o crédito não circula no mercado internacional e, portanto, as empresas e os bancos brasileiros não têm mais acesso a vários mecanismos que vinham sendo utilizados. (…) Com a impossibilidade de se financiarem no mercado internacional, as empresas buscaram financiamento em reais, e -claro- não há como atender a essa nova demanda, além da já existente. Algumas empresas não encontram o crédito que desejam, e daí vem a sensação de paralisação.
A notar, que muitos bancos também se financiavam no mercado internacional e, portanto, não podem fazer seus repasses aqui
“.
Vale notar que o crédito para pessoa física, com a exceção de financiamento de automóveis, continua normal. Baseado em levantamento (informal) feito junto a grandes bancos, entendo que a carteira de crédito total de outubro fechará acima dos volumes recordes de setembro, o que é muito diferente do que acontece mundo afora“.
Como indiquei acima, o processo que estamos vivendo é ímpar. De nada adianta simplificarmos o problema, sugerindo que se trata de má vontade deste ou daquele setor.
Não caiamos na armadilha de voltarmos à época da busca do “boi no pasto”, que, a propósito, não demonstrou maior efetividade.