Música de banqueiro
A música “Argumento” do Paulinho da Viola tem duas estrofes básicas. Os banqueiros, na atual crise econômica, só cantam a segunda, que diz “Faça como um velho marinheiro / Que durante o nevoeiro / Leva o barco devagar”. Mas já está mais do que na hora de voltar a cantar a primeira estrofe:
Tá legal
Tá legal, eu aceito o argumento
Mas não me altere o samba tanto assim
Olha que a rapaziada está sentindo a falta
De um cavaco, de um pandeiro ou de um tamborim
Mão-de-obra anti-crise
A crise econômica mundial é, hoje, uma crise de confiança e de crédito. O capital não flui porque os bancos temem emprestar, mesmo após os trilhões de ajuda do governo, e isso acaba travando toda a economia. A única maneira de reverter esse quadro é convencendo os bancos a retomar o ritmo de negócios de antes da crise, financiando o comércio, viabilizando investimentos, concedendo linhas de crédito para o consumidor, etc. Por isso, o papel dos gerentes de contas dos bancos é fundamental para que o mundo saia o mais cedo possível do atual impasse.
Banqueiro não é burro, muito menos sentimental. Se houver uma oportunidade de negócios interessante à frente, ele vai se sensibilizar. E quem mostra as oportunidades que o mercado oferece são os gerentes de contas, daí a importância desses profissionais. O drama é que os gerentes de contas estão entre os mais afetados pela crise econômica, e a moral da tropa comercial dos bancos está no pé. A dificuldade para aprovar uma operação aumentou muito, e mesmo manter um limite de crédito aberto transformou-se em calvário – isso sem contar com o medo da demissão e as perspectivas sombrias quanto a bônus para esse ano. Mas, com o perdão do excesso de hífens, eles são a mão-de-obra anti-crise.
Mentiras sobre crédito
O leitor Dinho (que, por sinal, foi um dos ganhadores de áudio-livro da promoção feita por este blog), me enviou um comentário pedindo para divulgar um post-desabafo no blog dele. Divulguei para o Fernando Blanco, do Blog do Crédito, que acho que é o lugar mais indicado para ele neste momento. E, abaixo, respondo ao post-desabafo, que deverá servir para outros leitores. Utilizando a tecnologia do Reinaldo Azevedo: em azul, o post original do Dinho; em vermelho, os meus comentários:
Mais que um simples desabafo, gostaria que este post fosse divulgado por todos que o lerem, e principalmente fosse comentado pela maior quantidade possível de pessoas, para que, caso tenhamos um grande número de opiniões, isso possa repercutir da forma esperada, e que (pelo menos no imaginário) algo seja feito de concreto.
E, por incrível que pareça, há algo a se fazer de concreto, sim, em relação ao crédito para pequenas e médias empresas. O truque é: estabeleça uma estratégia de relacionamentos bancários. Não sei se você sabe, mas os bancos não saem abrindo contas por aí, a esmo, eles têm uma estratégia comercial definida, um mercado-alvo específico, um mix de produtos e preços para cada perfil de cliente, etc, etc, etc. Por que não ter, você também, uma estratégia de relacionamentos para lidar com os bancos? Leia esse artigo aqui.
Pois bem, tem duas coisas que vem me incomodando profundamente nestes dias, e a cada notícia que escuto, me proponho a gritar o mais alto possível dizendo: “Não é verdade, não adianta ficar mentindo para o povo!!!! A Crise está aqui sim, e muito forte!!! Pelo menos para a grande maioria da população e das empresas!!!”
Pois é… Esse blog cansa de se esgoelar toda vez que o Marolinha fala suas asneiras sobre a crise, pode consultar o blogroll. Ao mesmo tempo, a popularidade marolista chegou a 84%, a maior que um presidente já teve no Brasil. A conclusão: o povo quer ouvir o que acha bacana, não a verdade.
A primeira coisa é o desespero tremendo para auxiliar apenas algumas empresas que se dizem “em crise” e que sem auxílio fecharão ou demitirão quase todos os funcionários!!! Pois bem, não adianta nada manter a produção de veículos, dentre outras coisas, se não existe ninguém com a menor capacidade de comprar o que for produzido. Desta forma só estarão empurrando o problema mais para a frente, e o tornando cada vez maior!!!
Aí é uma questão de poder de barganha… Se a empresa X ameaça com mil demissões, pode conseguir concessões que a empresa Y, que tem 10 empregados, jamais conseguiria. É justo? Não, mas é assim que funciona.
E se o problema maior estourar depois das eleições, está resolvido o problema (para o Marolinha). Genial, né?
Meu caro Dinho, nunca antes na história dessepaiz, surgiu um político tão genial como o Marolinha. E sortudo, além de tudo.
As pequenas e médias empresas são responsáveis pela grande maioria dos empregos no Brasil. Seria muito melhor que medidas fossem tomadas para diminuir os custos e facilitar o crédito destas empresas. Com isso, ao invés de garantir emprego de 1000 pessoas em uma única empresa, garantiríamos a sobrevivência de 1000 empresas pequenas, a um custo infinitamente menor!!!! Além claro, de aumentar o poder de compra da população e a manutenção de muito mais empregos diretos e indiretos!!!
Se eu for presidente da república um dia, te chamo para ministro do desenvolvimento.
A segunda coisa é a insistência em afirmarem que o crédito já está normalizado e inclusive maior do que antes da crise!!!! ISSO É A MAIOR MENTIRA QUE EU ESCUTO TODOS OS DIAS!!!! Não sei quem está conseguindo qualquer tipo de limite de crédito, mas eu vi (e continuo vendo ) de perto o que está acontecendo com as pequenas e médias empresas!!!
Leia esse post recém-publicado no Blog do Crédito.
Um caso, por exemplo, é de uma empresa que está com mais de R$ 400.000,00 (isso mesmo) de títulos a receber, depositados em um banco (neste caso o banco é o Itaú), e não consegue sequer negociar adiantamento de recebíveis!!! Esta ladainha já corre há mais de dois meses, e o banco não libera nem 10% do total disponível!!!!!
Então… Voltando ao tema inicial, de estratégia de relacionamentos bancários: se este empresário tivesse feito a lição de casa, não estaria passando por este apuro agora. Não adianta ficar com raiva do Itaú, pois o Bradesco, o Banco do Brasil, o Santander fariam a mesma coisa. A única maneira de resolver esse assunto é administrando o crédito estrategicamente. Dá trabalho (menos do que se imagina, na verdade), mas é fundamental.
Onde está o crédito que existia antes e que todos falam aos 4 ventos nas reportagens!!!!!
Pô, você não viu a Petrobras, que toma bilhões à hora que quer? É lá que está o crédito…
Não podemos ficar olhando simplesmente para esta situação!!!! Temos que gritar para todos ouvirem!!!! Temos que mostrar a todos que o governo só está protegendo os grandes e levando o país para o fundo do poço por não ter capacidade de enfrentar a real situação!!!! Comentem, protestem, discordem mas vamos fazer este tipo de informação circular para todos que queiram (ou não) ouvir!!!!
Bem vindo ao grupo!!!
E a agiotagem, como anda?
Lendo a matéria abaixo, publicada na Folha de hoje, pergunto: nesses tempos bicudos, como anda a agiotagem no Brasil? Mais ativa, tomando o espaço deixado pelos bancos; ou mais retraída, por causa do risco?
Italianos recorrem à máfia para obter crédito
A crise global já derrubou a economia italiana para a maior recessão em pelo menos três décadas, mas, para a máfia, os problemas acabaram se tornando mais uma fonte de lucro.
Com os bancos tornando o acesso ao crédito cada vez mais difícil, cresce o número de empresas que estão apelando a agiotas dos grupos mafiosos para conseguir dinheiro para financiar suas operações.
No ano passado, 180 mil companhias italianas recorreram a empréstimos da máfia, somando 15 bilhões, sendo uma das atividades que mais renderam para os grupos criminosos, segundo levantamento da Confesercenti (que reúne pequenas empresas do país).
Em 2007, quando financiamentos não eram tão difíceis de serem obtidos nas instituições financeiras do país, 150 mil empresas apelaram para o dinheiro da máfia.
“A crise econômica torna a máfia ainda mais perigosa”, afirmou o presidente da Confesercenti, Marco Venturi. “Os negócios da máfia utilizam a fraqueza e a incerteza econômicas para fortalecer as suas posições. É necessário reagir com determinação.”
Não há dados estatísticos sobre os juros cobrados pelos agiotas, mas, nos casos denunciados no ano passado, variavam de 55% a 730% ao ano, com boa parte girando em torno de 120% -menos, portanto, do que o cobrado pelos bancos nacionais pelo uso de cheque especial para pessoa física (170% ao ano) em janeiro, segundo dados do BC. Já os juros médios no Brasil naquele mês ficaram em 42,4% ao ano,
“Ao contrário de outros negócios, a máfia foi muito pouco afetada pelas crises econômica e financeira internacional”, diz o estudo da associação de empresas. Com a economia italiana se retraindo nos últimos três trimestres do ano passado (fato que não tinha ocorrido na atual série histórica, iniciada em 1981), as empresas enfrentam dificuldades para manter seu ritmo de vendas -que são agravadas pela indisposição das instituições financeiras de conceder empréstimos.
Para Roberto Saviano, autor do livro “Gomorra”, sobre a Camorra, um dos principais grupos mafiosos italianos ao lado da ‘Ndrangheta, da Cosa Nostra e da Sacra Corona Unita, “o mercado do crime nunca sofre durante a crise. Estou convencido de que esta crise está trazendo enormes vantagens para os sindicatos criminosos”.
O enigma do crédito
Ontem, a mídia soltou três informações sobre o crédito para pessoas físicas e pequenas empresas no Brasil:
1)A inadimplência subiu;
2)O volume de crédito caiu; e
3)O spread médio baixou.
O problema é que o item 1 está coerente com o 2, mas não se alinha com o 3. Ouvi rádio, assisti TV, li jornal, e até agora não encontrei ninguém para explicar esse enigma. Alguém se habilita? Fernando Blanco, vc está por aqui?
O Brasil não tem subprimes
Fazia tempo que não criticava um artigo do Clóvis Rossi aqui no blog, estava tentando parar com esse vício, mas hoje o czar opinativo da Folha incorporou o Chacrinha (aquele que veio para confundir, não para explicar), e não deu para ficar quieto – aliás, sempre baixa o santo do Velho Guerreiro no CR quando ele tenta explicar a crise econômica. Segue o artigo e, em seguida, meus comentários:
Também temos subprimes
SÃO PAULO – Demorou mas surgiram os nossos “subprimes”, vítimas da incapacidade de pagarem seus automóveis.
É a diferença de escala entre a economia norte-americana e a brasileira: lá, o pessoal perde casas, um bem de muito maior valor.
Cessa aí, no entanto, a comparação. Os automóveis recuperados pelos bancos não têm, por trás, um rolo de ativos ditos tóxicos como os que caracterizaram a crise norte-americana das hipotecas “subprime” nem um volume tão formidável (pelo menos até agora).
Mas nem por isso o problema do crédito ou, mais exatamente, da falta dele e/ou de seu encarecimento deixa de ser sério, a julgar pelo que escreve Roberto Luis Troster para o mais recente boletim da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da USP: “Uma deterioração do crédito era esperada por conta da piora do quadro econômico, mas não na proporção que está acontecendo, especialmente para os microempresários e para as pessoas físicas de renda média e baixa. A cada mês que passa, as taxas dos financiamentos aumentam, sua composição deteriora-se e a inadimplência sobe.”
O economista dá números que ajudam a entender a inadimplência e a consequente retomada dos automóveis: são os pequenos tomadores os mais afetados, conforme relatório do Banco Central que mostra que aumentou 5,1% o volume de operações acima de R$ 10 milhões, mas diminuiu 2,7% no caso das inferiores a R$ 5.000.
Ou, pondo no estilo Elio Gaspari: o andar de cima ainda se financia, mas o andar de baixo é cada vez mais “subprime”.
PS – Cometi ontem um erro brutal. Escrevi: “[Os mercados] insistem em socializar o risco e privatizar o prejuízo”. É óbvio que deveria ter escrito “…privatizar o lucro”, como o fiz já várias vezes. Perdão.
Comento:
Em primeiro lugar: nós não temos subprimes. Dizer isso é alarmismo inconsequente, os carros financiados não tem nada a ver com os subprimes hipotecários estadunidenses. Lá, o cara comprava uma casa financiada por US$100mil, não pagava, a casa era reavaliada para US$150mil, o “ganho imobiliário” quitava as prestações atrasadas, o refinanciamento não era pago de novo, a casa era re-reavaliada para US$300mil, o cara não pagava mais uma vez, e a coisa ia assim, indefinidamente. No fim da história, havia imóveis milionários com financiamentos idem, ambos fictícios. Essa foi a “crise dos subprimes”, o primeiro estágio da crise econômica global em curso (depois, vieram as crises das commodities, dos derivativos, dos bancos, do consumo, e a crise de confiança, o lamaçal em que os EUA estão nesse momento). No Brasil, o que está ocorrendo é que tem muita gente que não consegue pagar a prestação do carro e acaba tendo que entregar o veículo para a financeira/banco/leasing. Esse carro não foi superavaliado, muito embora seu valor tenha sido reduzido por uma questão de mercado. A maior parte da dívida correspondente ao financiamento de veículos no Brasil está nos FIDCs (fundos de investimento em direito de crédito), que não podem realizar operações de derivativos, que turbinaram as perdas nos EUA. Resumindo: o título e o primeiro parágrafo do artigo do CR são sensasionalistas e profundamente errados.
Mas aí vem o mestre da ambiguidade e escreve um segundo parágrafo desdizendo o que inicialmente disse, um truque comum deste colunista. Fala que não temos “ativos tóxicos” e que os volumes brasileiros são bem menores que os estadunidenses… Então por que a manchete sensacionalista, señor Rossi??? Mas a artimanha é muito mais elaborada, pois ele continua o artigo desdizendo o que desdisse, e retornando ao terrorismo econômico (e saidno completamente do assunto original, os subprimes brasileiros), como veremos.
A citação e os números estão certos, só que faltou explicá-los de maneira adequada. O aumento do crédito para as grandes corporações decorre da escassez de linhas externas, não um aumento da demanda real desse segmento. Ora, se um banco direciona bilhões adicionais para empréstimos ao segmento corporativo, ele vai ficar com menos disponibilidade para emprestar para os outros segmentos, essa é a causa primeira da redução do crédito para os pequenos empresários e as pessoas físicas. Ora, e se a oferta de crédito para os pequenos diminui, quem “está na bicicleta” (refinanciando dívidas antigas e empurrando o débito com a barriga) acaba explodindo, daí o aumento na inadimplência. É um problema grave, mas nada a ver com os supostos subprimes brasileiros, de que o artigo supostamente trata. O Brasil não é imune à crise e temos nossos problemas, mas que fique bem claro: nós não temos subprimes!!!
Porque sou um “otimista racional”
Desculpem pelo post autobiográfico, mas a melhor forma que eu encontrei para explicar o momento atual é revivendo os últimos vinte e poucos anos, desde que “virei gente” (i.e.: saí da alienação adolescente – pelo menos, a mais aguda). Entrei na faculdade (FEA-USP) na época do Plano Cruzado, que é quando começa a se delinear o cenário que hoje vivemos. Era uma época esquisita: não houve bife por um bom tempo no bandejão da universidade porque a carne sumira do mercado, e a gente tomava vodca porque a cerveja também desaparecera – um prosaico churrasquinho com uma gelada dependia de contatos obscuros, com o cuidado de não despertar a atenção de nenhum “fiscal do Sarney”. Estava tendo aula de Introdução à Economia II quando a bolsa de N.York quebrou, em 1987, o que de certa forma foi um privilégio acadêmico. Em 1989, a inflação era tão alta que existia um produto bancário chamado “pagamento de impostos”, que nada mais era do que… Pagamento de impostos, mas com um “rebate” para o pagador. Por exemplo: a empresa ABC recolhe um milhão de dinheiros no caixa do banco tal. Acontece que, como esse banco tal demorava X dias para repassar o dinheiro para o Tesouro, havia um “floating“, uma espécie de prazo para o banco pagar. O overnight pagava coisa de 2%a.d. ou mais (veja bem: ao dia, não ao mês). Na maioria dos casos, o floating era superior a cinco dias, algo como 10-15%% pelo período, e 10-15% de muita grana era muita grana também. Para uma empresa que paga um milhão de ICMS, o lucro bruto é de R$100-150mil, um valor que podia ser “rebatido” (dividido) entre o banco e o cliente. Olha que época absurda…
A hiperinflação fazia com que a economia ficasse surreal, mas nada se compara a bizarrice de 1990, com o Plano Collor (e o próprio), a Zélia, o Ibrahim Eris, o PC Farias, um pessoal muito, mas muito estranho mesmo. A primeira coisa que o ex-presidente Fernando Collor fez (ou uma das primeiras) foi decretar feriado bancário. Trabalhava no Citibank na época, e houve expediente interno, a maior parte passada na frente da TV, assistindo às explicações das “torneirinhas” do bloqueio de Cruzados Novos. O governo simplesmente tomou a maior parte do dinheiro de todo mundo, é possível um negócio desses? Logo depois, o plano fracassa, a inflação dispara, a credibilidade do governo vira pó, as reservas do país desaparecem, e o Fernandinho acaba impeachado (ou seria impichado?). A seguir, toma posse o Itamar, que faz beicinho para ressuscitar a produção do Fusca… Imagine o que é um presidente ficar dando pitaco em lançamento de produto, que coisa mais esquisita. Chega 1994 e, no meio dele, um plano mirabolante, que dolarizava a economia com uma moeda virtual (URV, lembram?), e depois desdolarizava convertendo tudo a uma taxa de 2,75:1 (!!!). Por ironia, esse plano fantástico se chamou Real.
No resto dos anos 1990, até 2001, de tempos em tempos estouravam crises internacionais: crise do México, crise dos Tigres Asiáticos, crise da Rússia, a crise cambial brasileira de 1999 (uma crise doméstica com contornos de crise internacional), o estouro da bolha da internet e, finalmente, a crise decorrente dos ataques de 11 de setembro de 2001. De 2002 até o início de 2008, entretanto, fora a balbúrdia na transição FHC-Lula (que nem foi tão dramática assim), vivemos um período excepcionalmente calmo na economia, tão calmo que deu até tempo para discutirmos Ecologia. Mas eis que a crise dos subprimes emerge em 2008, os bancos acabam contaminados, as commodities idem, o crédito e a sua prima, a confiança, desaparecem, e o resultado é a atual crise financeira, que em 2009 está com a corda toda. Será o fim do capitalismo? O sistema financeiro global está condenado à extinção? Ou essa é só mais uma das tantas crises tão comuns outrora, mas que nos desacostumamos a passar?
Certamente não estamos atravessando uma marolinha, mas também não há dúvidas que já vivemos momentos bem piores no passado “recente” (vamos considerar como recente o período do governo Sarney para cá). Como o grande problema que a maior parte do mundo está vivendo tem a ver com os bancos – que, no Brasil pós PROER, são razoavelmente sólidos -, o país está sendo impactado principalmente pela queda no valor das commodities que produzimos, e pelo encolhimento do mercado comprador externo. Lógico que também sofreremos por outros fatores, como as dificuldades por que as multinacionais instaladas aqui deverão passar em suas respectivas matrizes, o calote que tomaremos em nossas exportações, os problemas pelos quais a Petrobras deverá passar devido à depressão no preço do petróleo etc., mas nada de bancos quebrando em massa, descrença no sistema financeiro, e calamidades do gênero.
Na verdade, para um brasileiro é muito menos arriscado acreditar no futuro do que duvidar dele. Como a chance do Brasil se sair melhor que a média dos outros países é muito alta, a turma dos otimistas tem maior probabilidade de se dar bem que a dos pessimistas. Admitindo que o que conta é o sucesso relativo e não o absoluto, perder uma oportunidade (ganhar pouco quando todos os outros ganham muito) é tão danoso quanto entrar numa roubada (perder quando os outros ganham pouco). Por isso, no cenário atual, as apostas otimistas estão pagando muito mais que as pessimistas. Você pode não gostar do presidente Lula, pode achar que o otimismo é uma praga ingênua, sua visão sobre o mundo pode ser sombria até por questões psicológicas, mas se pensar bem vai concluir que a postura otimista é a melhor atualmente em termos racionais.
O Brasil e a crise
Na mesma linha apontada no post Porque o Brasil está menos mal na crise, abaixo, vale a pena assistir ao debate na GloboNews (Programa Entre Aspas) com o Stephen Kanitz e o Roberto Gianetti.
Porque o Brasil está menos mal na crise
Mesmo que nós não estejamos passando incólumes, como alardeia nosso presidente Marolinha, também está ficando claro que o Brasil está sendo menos afetado que a maior parte dos países na atual crise econômica. Um dos principais motivos pode ser o fato de que nossa habilidade em conviver com períodos turbulentos seja melhor que a dos países ricos, que não precisam rebolar há muitas décadas. Pelo menos é este o argumento da Anne Applebaun, do Washington Post, no artigo abaixo, publicado no The New York Times e traduzido pelo UOL Mídia Global ontem:
Lembrando de como lidar com as coisas
Aqueles que esqueceram de como tirar a neve com pá estão condenados a atravessá-la com dificuldadeEsta coluna chegou tarde nesta semana. Chegou tarde porque, entre outras coisas, meu voo que decolaria do Aeroporto de Heathrow de Londres, na segunda-feira, foi cancelado. Não adiado, cancelado. Assim como a maioria dos demais voos que partiriam de Heathrow. Esta incrível perturbação em um dos eixos de transporte mais movimentados do mundo não foi causada por um ataque terrorista ou alguma falha catastrófica de computador. Ela foi causada por mais de 12 centímetros de neve que derretia rapidamente.
Mesmo para uma natural de Washington, D.C., a cidade que o presidente Barack Obama descreveu recentemente como necessitando de uma “dureza insensível de Chicago” por causa de sua resposta patética à flocos de neve ocasionais, esta reação pareceu excessiva. Assim como a reação da rede de transporte londrina, que parou grande parte do sistema subterrâneo da cidade e todos seus oito mil ônibus, deixando mais de seis milhões de passageiros sem transporte. Assim como as reações das escolas de Londres (todas as aulas canceladas) e dos próprios londrinos. Caminhando por Piccadilly à noite, eu não encontrei evidência de ninguém usando uma pá de neve durante todo o dia.
No passado, quando este tipo de coisa acontecia em Washington, isso me provocava uma espécie de acesso, às vezes me inspirando a reclamar a respeito da cultura mimada, litigiosa, da burocracia moderna americana, das escolas em particular. Mas a descoberta de que a reação de Londres a uma pequena nevasca é ainda mais histérica do que o pânico anual de Washington me inspirou reflexões mais sérias, mais filosóficas: os eventos realmente parecem diferentes para pessoas que vivem em lugares diferentes.
É perfeitamente verdadeiro, como um britânico indignado notou na segunda-feira, que as mães de Oymyakon, na Sibéria, permitem que seus filhos brinquem ao ar livre até a temperatura cair abaixo de 40ºC negativos. (Apenas a 52ºC negativos eles fecham a escola.) No outro extremo climático, as mães em Abu Dhabi proíbem seus filhos de brincarem nos casos extremamente raros de chuva, para não se resfriarem. As pessoas em Bangladesh, onde a monção anual chega como um alívio bem-vindo, certamente consideram a reação tão cômica quanto eu considerei a do taxista que, na noite de segunda-feira, se recusava a atravessar um trecho curto de lama de neve (“slush”)..
Mas também é verdade que o clima inesperado parece causar mais caos nos climas mais temperados, precisamente porque seus habitantes estão mais despreparados, tanto de forma psicológica quanto prática, para qualquer tipo de extremo. Há poucos anos, uma onda de calor que seria considerada um clima mediano de agosto em Washington, causou um desastre nacional na França. Os ingleses lidam com a onda ocasional de calor tão mal quanto lidam com nevascas pouco frequentes. E, sim, tempestades de gelo que nem causariam comentários em Chicago podem paralisar os cidadãos de Washington, D.C., assim como todo o governo federal.
Caminhando pela Londres coberta de neve, era impossível escapar de outro pensamento: certamente o que vale para o clima também vale para outros tipos de mudanças inesperadas. Por exemplo, as pessoas que não mais se recordam de baixo crescimento econômico podem não saber lidar muito bem com uma recessão severa. Em Londres, não nevou muito por 18 anos, de forma que ninguém tem uma pá – e caso alguém tenha, não sabe como usá-la. Nos Estados Unidos, a economia não sofre um colapso desde 1929, de forma que ninguém sabe economizar barbante e folha de estanho – e caso saiba, não saberia o que fazer com eles. Uma série de habilidades, desde cozinhar com as sobras até reciclar garrafas (não por ser verde, mas por ser barato), foram perdidas durante duas gerações de prosperidade, da mesma forma que os britânicos esqueceram como dirigir seus carros por trechos de lama de neve. A última vez que mandei sapatos para colocar sola nova em Washington, o sapateiro me disse que não permaneceria em atividade por muito mais tempo, tão baixa era a demanda por seus serviços. Alguém ainda sabe como consertar torradeiras? E quanto a aparelhos de TV?
Como eu disse, as coisas parecem diferentes para pessoas em lugares diferentes: eu não tenho dúvida de que nas sociedades recém bem-sucedidas, onde a memória popular das dificuldades ainda permanece -na Indonésia, ou em Gana, por exemplo- muita gente ainda conserta torradeiras e televisores no tempo livre. Este é o motivo, quando chegar a recessão, para eles se saírem melhor do que aqueles entre nós que esqueceram como remover a neve com pá -ou que simplesmente jogaram a pá fora.
Uma crise de otimismo (não no Brasil)
A crise financeira mundial vinha caminhando desde fins de 2007 pelos becos escuros dos subprimes e pelas vielas mal frequentadas das commodities até que, subitamente, quebrou o Lehman Brothers – ou melhor, o governo dos EUA se fingiu de morto com a sua quebra, este o verdadeiro problema – em setembro do ano passado. Daí prá frente, a economia mundial vem desembestada ladeira abaixo, como uma jamanta sem freios, atropelando as Freddie Mac’s & Fannie Mae’s da vida. A posse do Obama no final de janeiro seria o começo do fim da crise, mas já no início de fevereiro parece que, mais que um trocadilho, tudo não passará de oba-oba. Enquanto isso, os juros internacionais se aproximam do negativo ao mesmo tempo em que os bancos mantêm represados quase dois trilhões de dólares por medo de emprestar.
Percebe-se que, em termos globais, o problema é, antes de tudo, uma profunda descrença no futuro por parte dos bancos – ou seja: trata-se de uma crise de otimismo. Há um pensamento único no mercado financeiro mundial: a coisa está ruim, deve piorar, e eu quero ficar quietinho no meu canto enquanto isso. O drama é que quem se arrisca a emitir uma opinião minimamente otimista é apedrejado em praça pública, como aconteceu em Davos (veja esse post aqui). Enquanto isso, aqui no Brasil, o papinho de marolinha prá cá, “o problema é dos ricos” prá lá, ao que parece o otimismo não está em crise (em termos relativos, pelo menos). Em janeiro, foi recorde o número de financiamentos imobiliários, principalmente para o público de renda mais baixa – aliás, o tipo de empréstimo que esteve no centro da crise em seu início. Resta saber como encerraremos o trimestre, se finalmente contaminados pelo pessimismo global, ou se alavancando o otimismo no resto do mundo. Será que o rabo irá balançar o cachorro?
Isso sim é crise de crédito
Sabe aquele papo do presidente Marolinha sobre ler jornais e ter azia? É de reportagens como a abaixo reproduzida (do blog do Noblat, que reproduziu de O Globo) que ele estava falando.
Barrados no crédito
De Bruno Rosa
Não basta ter o nome limpo na praça para obter crédito. Nem apenas comprovação de renda. Com a crise financeira global, o comércio e o setor financeiro vêm aumentando as restrições na hora de vender a prazo e de conceder novos empréstimos. O primeiro critério é quanto a compra vai comprometer da renda. Antes, o índice era de 30%; agora, é de 20%, em média. Além disso, profissão, tempo de emprego e local de residência passaram a ser variáveis obrigatórias na análise das empresas. O motivo é a alta na inadimplência nos últimos meses do ano passado – que chegou a dobrar em alguns casos – pegando boa parte do varejo desprevenido.
As restrições ganham ainda mais força neste início de ano, período em que, tradicionalmente, os calotes aumentam devido ao pagamento de impostos e de material escolar, para quem tem filhos. Segundo cálculos do professor Marcos Crivelaro, da Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap), 35 milhões de brasileiros estavam com suas prestações atrasadas entre os 80 milhões que entraram em algum financiamento em 2008. Para este ano, esse número deve aumentar até 30%, afirmam economistas. Com isso, o total dos endividados pode chegar a 45,5 milhões.
De acordo com levantamento da Confederação Nacional de Dirigente Lojistas (CNDL), antes da crise – que se agravou em 15 de setembro de 2008, com a quebra do gigante bancário americano Lehman Brothers – sete em cada dez clientes eram atendidos ao solicitar crédito às instituições. Hoje, apenas 45% têm sucesso.
Segundo o Telecheque, o índice de reprovação era de 25% até setembro de 2008. Após a turbulência financeira, subiu para 40%. Francisco Valim, presidente da Serasa, diz que as maiores restrições de crédito e os juros altos aumentaram a inadimplência em 8% em 2008, maior nível em dois anos.
O poder do Marolinha
No começo da atual crise econômica mundial, Lula minimizou-a com a célebre frase da marolinha. Dúzias de declarações otimistas depois, o resultado é que o Brasil é o segundo país mais otimista do mundo quanto à crise – veja mais aqui, no G1. O fato é que, mais uma vez, o Lula deu mostras de seu poder de persuasão. Não é à toa que o hómi está com quase 80% de aprovação…
Pobre homem
A despeito do post anterior, a matéria abaixo, publicada hoje na Folha, dá uma boa dimensão de como a riqueza é relativa. Repare que o homem cometeu suicídio após perder $1Bi de Euros de uma fortuna total de quase US$10Bi.
Quinto homem mais rico da Alemanha se suicida após perder €1 bi com crise
Às 19h30 de segunda-feira, funcionários da ferrovia que corta o vilarejo de Blaubeuren, no sul da Alemanha, encontraram um corpo estendido nos trilhos. Adolf Merckle, 74, era o quinto homem mais rico do país e dono de US$ 9,2 bilhões, a 94ª maior fortuna do mundo, segundo a revista “Forbes”.
Isso até chegar a crise e Merckle perder €1 bilhão com a queda brusca das ações da Volkswagen, em outubro.
O baque foi sentido nas suas empresas. Merckle se viu na iminência de vender sua parte na HeidelbergCement, a quarta maior produtora de cimento na Alemanha, bem como na farmacêutica Ratiopharm. Ele era ainda proprietário da Phoenix Pharmahandel e da montadora de máquinas Kässbohrer. O conglomerado fatura anualmente €30 bilhões e emprega 100 mil pessoas, mas se especula que as dívidas seriam de €16 bilhões.
“A situação desesperadora das empresas com a crise, as incertezas das últimas semanas e a impotência para agir quebraram o apaixonado empreendedor e tiraram sua vida”, disse a família em nota.
Há poucos dias, outro investidor, o francês Thierry de la Villehuchet, esfaqueou-se no seu escritório em Nova York. As mortes lembram os suicídios no lastro da crise de 1929, quando investidores se jogaram do alto dos prédios.
Casado, quatro filhos, Merckle deixou uma carta com desculpas à família. Discreto, viu sua tragédia circular pela imprensa. Dias atrás, o jornal local “Suedkurier” referia-se a Merckle como “o bilionário de bolsos vazios”.
Risco ou oportunidade
Todo consultor de auto-ajuda que se preza conta a história do ideograma chinês que significa, simultaneamente, “risco e oportunidade”. O que poucos falam é como aplicar esse ensinamento na prática, mas o Toca Raul!!!, que não é auto-ajuda, reproduz uma matéria que saiu hoje na Folha para ilustrar como é quie se faz:
Pão de Açúcar cria equipe para aquisições
Com R$ 1,4 bilhão em caixa, grupo quer aproveitar oportunidades que começam a aparecer com crise
CRISTIANE BARBIERI
DA REPORTAGEM LOCALCom R$ 1,4 bilhão em caixa, o Pão de Açúcar começa o ano com planos de crescer de maneira agressiva. Há dois meses, o grupo varejista montou uma equipe interna de fusões e aquisições, além contratar a consultoria PricewatherhouseCoopers e o banco BBA. O objetivo é aproveitar as oportunidades que surjam em razão da crise.
“Ao montar essa estrutura, nos organizamos para fazer aquisições de forma estruturada e menos impetuosas”, afirma Claudio Galeazzi, presidente do grupo Pão de Açúcar. “Nas últimas semanas, o diálogo tem sido mais fácil com as empresas e os preços têm ficados mais atraentes.”
Segundo Galeazzi, o grupo está analisando cerca de 15 oportunidades, sendo que algumas são redes de drogarias e postos de gasolina. Hoje, o grupo fatura R$ 3 milhões ao dia com a venda de combustíveis.
“Estamos sendo pró-ativos na busca por oportunidades e queremos negócios que tenham sinergias para gerar tráfego de consumidores nas lojas”, diz Galeazzi.Crescimento orgânico
Além de crescer por meio de aquisições, o Pão de Açúcar também pretende abrir cem lojas em 2009. A expectativa de investimento é de R$ 1 bilhão, que também serão gastos em tecnologia e logística.
“Nosso primeiro objetivo é manter a saúde econômica e financeira da empresa, e todo o plano dependerá do desempenho da economia brasileira”, diz Galeazzi.
Apesar de ressaltar que a expansão orgânica será balizada pelo bom senso, Galeazzi diz que há muito boas chances de serem abertas entre 60 e 70 lojas neste ano. A maior parte levará as bandeiras Extra Fácil e Assaí. No ano passado, a rede planejara investir R$ 1,3 bilhão. Cortado para R$ 700 milhões, o valor gasto não chegou a R$ 500 milhões ao fim de 2008.
Para este ano, no entanto, os investimentos para a área imobiliária estão garantidos. Estão sendo destinados R$ 160 milhões para a compra de terrenos neste ano, sendo que o banco de terras do grupo dobrou nos últimos 12 meses.
“Com a retração da construção civil, começam a surgir excelentes oportunidades de terrenos”, afirma Caio Mattar, vice-presidente do grupo.
Hoje, o Pão de Açúcar tem, dentro de suas lojas, outras 3.500 lojas pequenas, cuja área equivale a dois shoppings Morumbi. Segundo Mattar, o grupo espera um momento mais favorável do mercado para começar a explorar mais fortemente a área imobiliária, aproveitando os terrenos onde estão os supermercados.
Além das chances de crescimento, Galeazzi diz que as negociações com fornecedores estão sendo beneficiadas com a crise. Segundo ele, há muitos fornecedores estrangeiros altamente estocados. “Com a retração do mercado americano, eles tratam nossa trading de maneira diferente”, diz Mattar.
Isso evitará um provável reajuste de preços em razão da alta do dólar. “Quanto mais o tempo passa, mais estocados esses fornecedores ficam”, diz Galeazzi. “Numa crise, as empresas concorrem por participação de mercado e usam o atrativo do preço, que tende a permanecer em baixa.”
De acordo com Eugenio Foganholo, sócio da consultoria Mixxer, esse deverá ser um bom ano para os supermercados, tradicionalmente beneficiados com a queda nas vendas de bens mais caros. “As grandes empresas que estão com caixa têm a possibilidade de se beneficiarem duplamente, uma vez que surgem outras oportunidades”, diz Foganholo.
O Pão de Açúcar também divulgou ontem suas vendas de dezembro, que subiram 9,3% com relação ao mesmo mês do ano anterior. Pela primeira vez, as vendas de alimentos cresceram mais do que a de não-alimentos, mostrando os sinais da retração no consumo de bens duráveis. No ano, a receita do grupo somou R$ 21 bilhões, alta de 18,2% em relação a 2007.
Não se pode elogiar
Foi só elogiar o Clóvis Rossi ontem que ele dá sua maior derrapada no dia seguinte… Não vou nem criticar (me dá desânimo ante a mediocridade dos comentários), só reproduzir:
O velhinho da Barão de Limeira
Se morreu a “velhinha de Taubaté”, me assumo como o velhinho da Barão de Limeira (a sede da Folha, para quem não sabe). Explico: eu acredito no presidente Lula. Ou melhor, não acredito nem nunca acreditei em presidente nenhum, nacional ou estrangeiro. Mas sou tonto o suficiente para acreditar na pregação de Lula segundo a qual o Brasil não será muito machucado pela crise.
Explico melhor: não acredito em retração no trimestre final do ano (2009, é outra história, a ser contada depois), ao contrário do que prevêem consultorias que falam em queda de até 1,3%. Minha credulidade não se baseia em ciência (até porque economia não é ciência; vide, a propósito, o artigo de ontem de Delfim Netto).
Baseia-se, primeiro, nos erros que as consultorias cometem o tempo todo. O caso do PIB é apenas o mais recente: o consenso de mercado era de crescimento de apenas 6%. Deu 6,8%, um erro, portanto, superior a 10%, que deveria desqualificar quem errou para o resto da vida.
Baseia-se também numa certa lógica, tosca, mas lógica. Não dá para acreditar que o país passe de um crescimento tão bacana para retrocesso. Que haverá desaceleração, é óbvio. Eu mesmo, bobinho como sou, já mencionei a hipótese de freada, mais que desaceleração.
Mas o que se está prevendo agora não é freada, e sim cavalo-de-pau, hipótese não autorizada nem pelos números ruins já divulgados.
Por fim, meus termômetros usuais (de novo, nada científicos) são o shopping em cujo banco tenho conta há 30 anos, o que me obriga a freqüentá-lo regularmente, e o supermercado da esquina. O ambiente que se respira em um e no outro não é de catástrofe. Diria até que é de “business as usual”.
Posso estar completamente enganado, mas acho melhor me equivocar sozinho do que na companhia de quem erra habitualmente.
O homem do saco
Para manter a tradição, vamos à nossa querida crítica ao Clóvis Rossi, que hoje está provocativo: “Alguém aí paga para ver se a “crise sistêmica” existe?” – e a compara ao “homem do saco”, figura supostamente mítica dos antigamentes, um ser que surgia do nada e sequestrava as criancinhas.
Bem… O homem do saco é um fato documentado (vide foto acima) e real – no caso, o pior homem do saco que o país já teve, responsável pela ruína de milhões de criancinhas brasileiras, que não terão um futuro digno porque foram (e estão sendo) educadas na cultura da esmola-família. Mas o homem do saco que aterrorizava os petizes de décadas atrás era nada mais que o que se convencionou chamar atualmente de pedófilo: o nome técnico do homem do saco (que nem saco precisa ter, aliás nem homem necessariamente ele é). Na verdade, os homens e mulheres do saco reais são marginais que, preferencialmente, atacam crianças pobres, as menos protegidas, e o que funciona mesmo para combatê-los é a erradicação da pobreza (não com esmolas, mas com desenvolvimento econômico).
Ok, mas passemos agora à “lenda da crise sistêmica”, que señor Rossi encara com ceticismo. Será que é tudo papinho para tomar dinheiro do povo e dar para os banqueiros? Uma manobra sórdida dos capitalistas para manter o proletariado oprimido? Não que essa não seja uma boa idéia, e não duvido que os selvagens de Wall Street não sejam capazes de manobras desse tipo. De qualquer maneira, independente do que terá de ser feito para domar as bestas-feras que eventualmente povoem o mercado financeiro, o fato é que a crise sistêmica já está acontecendo: ninguém confia em ninguém, ninguém empresta para ninguém, ninguém compra, ninguém vende, ninguém produz, ninguém emprega. Isso já aconteceu antes – ex. 1929, 1873… -, e foram necessários cerca de 10 anos para superar as crises sistêmicas passadas. Então, para quê esperar chegar à miséria? Para que mais criancinhas indefesas sejam raptadas pelo homem do saco?
Abaixo, o artigo do CR publicado hoje na Folha:
O “homem do saco” e a crise
Quando do lançamento do Plano Cruzado (1986), o então deputado Antonio Delfim Netto produziu uma daquelas suas corrosivas frases: “Se inflação não tem causa, então o plano dará certo”.
Como inflação tem causas, e como as causas não foram atacadas, o plano malogrou, depois de nove mágicos meses.
A frase de Delfim me volta à mente agora toda vez que leio sobre o tsunami de ajudas que os governos do mundo todo estão concedendo ao setor privado.
Se todos os problemas do mundo pudessem ser resolvidos nessa base, nunca haveria problemas no mundo. Bastaria, como agora, privatizar o dinheiro público e estatizar o risco. Bastaria botar para funcionar as máquinas impressoras das casas da moeda -e pronto, nunca haveria crise.
Mas é como diz clássico refrão da economia que ninguém, a não ser por birra, é capaz de contestar: Não há almoço grátis.
Algum dia, os zilhões de ajuda serão pagos, ou na forma de déficit público cada vez maior, que, por sua vez, tende a gerar inflação, que tende a gerar contração da economia ou desorganização; ou na forma de endividamento desorbitado, que, não custa lembrar, é a causa original da presente crise.
O que torna a situação ainda mais dramática é a pergunta que James Horney, diretor de política fiscal federal do Center on Budget and Policy Priorities, de Washington, fez ao notável Sérgio Dávila: “Qual é a alternativa? Se o governo não se mexer para estimular a economia, o resultado poderá ser pior”.
Quando era criança, me diziam que, se não me comportasse, viria o “homem do saco” e me pegaria. Hoje, vivem me dizendo que, sem esses pacotes todos, vem a “crise sistêmica” e me pega.
Nunca vi o “homem do saco”. Alguém aí paga para ver se a “crise sistêmica” existe?
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