Toca Raul!!! Blog do Raul Marinho

Porque sou um “otimista racional”

up-down

Desculpem pelo post autobiográfico, mas a melhor forma que eu encontrei para explicar o momento atual é revivendo os últimos vinte e poucos anos, desde que “virei gente” (i.e.: saí da alienação adolescente – pelo menos, a mais aguda). Entrei na faculdade (FEA-USP) na época do Plano Cruzado, que é quando começa a se delinear o cenário que hoje vivemos. Era uma época esquisita: não houve bife por um bom tempo no bandejão da universidade porque a carne sumira do mercado, e a gente tomava vodca porque a cerveja também desaparecera – um prosaico churrasquinho com uma gelada dependia de contatos obscuros, com o cuidado de não despertar a atenção de nenhum “fiscal do Sarney”. Estava tendo aula de Introdução à Economia II quando a bolsa de N.York quebrou, em 1987, o que de certa forma foi um privilégio acadêmico. Em 1989, a inflação era tão alta que existia um produto bancário chamado “pagamento de impostos”, que nada mais era do que… Pagamento de impostos, mas com um “rebate” para o pagador. Por exemplo: a empresa ABC recolhe um milhão de dinheiros no caixa do banco tal. Acontece que, como esse banco tal demorava X dias para repassar o dinheiro para o Tesouro, havia um “floating“, uma espécie de prazo para o banco pagar. O overnight pagava coisa de 2%a.d. ou mais (veja bem: ao dia, não ao mês). Na maioria dos casos, o floating era superior a cinco dias, algo como 10-15%% pelo período, e 10-15% de muita grana era muita grana também. Para uma empresa que paga um milhão de ICMS, o lucro bruto é de R$100-150mil, um valor que podia ser “rebatido” (dividido) entre o banco e o cliente. Olha que época absurda…

A hiperinflação fazia com que a economia ficasse surreal, mas nada se compara a bizarrice de 1990, com o Plano Collor (e o próprio), a Zélia, o Ibrahim Eris, o PC Farias, um pessoal muito, mas muito estranho mesmo. A primeira coisa que o ex-presidente Fernando Collor fez (ou uma das primeiras) foi decretar feriado bancário. Trabalhava no Citibank na época, e houve expediente interno, a maior parte passada na frente da TV, assistindo às explicações das “torneirinhas” do bloqueio de Cruzados Novos. O governo simplesmente tomou a maior parte do dinheiro de todo mundo, é possível um negócio desses? Logo depois, o plano fracassa, a inflação dispara, a credibilidade do governo vira pó, as reservas do país desaparecem, e o Fernandinho acaba impeachado (ou seria impichado?). A seguir, toma posse o Itamar, que faz beicinho para ressuscitar a produção do Fusca… Imagine o que é um presidente ficar dando pitaco em lançamento de produto, que coisa mais esquisita. Chega 1994 e, no meio dele, um plano mirabolante, que dolarizava a economia com uma moeda virtual (URV, lembram?), e depois desdolarizava convertendo tudo a uma taxa de 2,75:1 (!!!). Por ironia, esse plano fantástico se chamou Real.

No resto dos anos 1990, até 2001, de tempos em tempos estouravam crises internacionais: crise do México, crise dos Tigres Asiáticos, crise da Rússia, a crise cambial brasileira de 1999 (uma crise doméstica com contornos de crise internacional), o estouro da bolha da internet e, finalmente, a crise decorrente dos ataques de 11 de setembro de 2001. De 2002 até o início de 2008, entretanto, fora a balbúrdia na transição FHC-Lula (que nem foi tão dramática assim), vivemos um período excepcionalmente calmo na economia, tão calmo que deu até tempo para discutirmos Ecologia. Mas eis que a crise dos subprimes emerge em 2008, os bancos acabam contaminados, as commodities idem, o crédito e a sua prima, a confiança, desaparecem, e o resultado é a atual crise financeira, que em 2009 está com a corda toda. Será o fim do capitalismo? O sistema financeiro global está condenado à extinção? Ou essa é só mais uma das tantas crises tão comuns outrora, mas que nos desacostumamos a passar?

Certamente não estamos atravessando uma marolinha, mas também não há dúvidas que já vivemos momentos bem piores no passado “recente” (vamos considerar como recente o período do governo Sarney para cá). Como o grande problema que a maior parte do mundo está vivendo tem a ver com os bancos – que, no Brasil pós PROER, são razoavelmente sólidos -, o país está sendo impactado principalmente pela queda no valor das commodities que produzimos, e pelo encolhimento do mercado comprador externo. Lógico que também sofreremos por outros fatores, como as dificuldades por que as multinacionais instaladas aqui deverão passar em suas respectivas matrizes, o calote que tomaremos em nossas exportações, os problemas pelos quais a Petrobras deverá passar devido à depressão no preço do petróleo etc., mas nada de bancos quebrando em massa, descrença no sistema financeiro, e calamidades do gênero.

Na verdade, para um brasileiro é muito menos arriscado acreditar no futuro do que duvidar dele. Como a chance do Brasil se sair melhor que a média dos outros países é muito alta, a turma dos otimistas tem maior probabilidade de se dar bem que a dos pessimistas. Admitindo que o que conta é o sucesso relativo e não o absoluto, perder uma oportunidade (ganhar pouco quando todos os outros ganham muito) é tão danoso quanto entrar numa roubada (perder quando os outros ganham pouco). Por isso, no cenário atual, as apostas otimistas estão pagando muito mais que as pessimistas. Você pode não gostar do presidente Lula, pode achar que o otimismo é uma praga ingênua, sua visão sobre o mundo pode ser sombria até por questões psicológicas, mas se pensar bem vai concluir que a postura otimista é a melhor atualmente em termos racionais.