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Corujas

Posted in Uncategorized by Raul Marinho on 28 maio, 2009

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Para quem gosta de entender um pouco de Filosofia, mas não tem muita paciência para ler longos tratados, a crônica abaixo, do Luís Fernando Veríssimo publicada no Blog do Noblat de hoje:

A coruja do Hegel

Já me recomendaram que começar um texto citando Hegel (Georg Wilhelm Friedrich, século dezenove, alemão, muito alemão) serve dois propósitos:

criar no leitor uma expectativa de profundidade ou espantá-lo logo nas primeiras linhas, pois quem tem tempo para o Hegel hoje em dia? A você que continua a ler devo avisar que a tal profundidade não virá. Recorro a Hegel, ou à coruja do Hegel, para fins estritamente superficiais.

Hegel certa vez comparou a filosofia com a coruja da deusa Minerva, que carrega toda a sabedoria do mundo mas só voa ao anoitecer, quando não há mais luz para aproveitá-la. O que Hegel quis dizer (eu acho) é que qualquer período histórico só pode ser compreendido quando está no fim, e que a filosofia sempre chega tarde para explicá-lo. No fundo estava denegrindo o seu ofício. Ninguém tratou de interpretar a História com mais densidade do que Hegel mas no fim todas as suas teses e todo o seu palavrório não passavam do vôo tardio de uma coruja inútil, no seu próprio conceito.

Quando aquele outro alemão denso, o Marx, escreveu que os filósofos não podiam mais se contentar em interpretar o mundo e deveriam tentar mudá-lo, estava, sem citá-la, reivindicando um vôo mais conseqüente da coruja e um aproveitamento mais prático da sua sabedoria. O que Marx propunha era que a coruja, voando mais cedo, vencesse o vasto abismo que separava a filosofia da política. Um abismo que não começara com Hegel mas existia desde que Platão, desgostoso com a execução de Sócrates, renunciara à atividade política. Marx recrutava a coruja para a sua revolução. Se todo o marxismo pode ser visto, algo simplistamente, como uma crítica de Marx a Hegel, o que mais diferenciava os dois era sua opinião sobre os usos da filosofia, ou sobre a relevância da coruja e suas explicações.

No fim o que Hegel diz com sua metáfora é o óbvio, que a gente vive para frente mas compreende para trás, e que nenhuma filosofia ajuda a percorrer o caminho já percorrido. Na sua crítica Marx sustenta que o caminho percorrido nos mostra para onde ir e que a filosofia é que diz isso para a História. Por mais atrasada que chegue a coruja.

Bônus são de direita ou de esquerda?

Posted in Ensaios de minha lavra by Raul Marinho on 23 março, 2009

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Está a maior gritaria nos EUA por causa do pagamento de bônus a executivos de empresas na UTI do Obama, como a seguradora AIG. A histeria já se alastrou para o Brasil, com sindicalista querendo re-estatizar a Embraer por causa dos mesmos bônus (que não tem nada a ver com o caso da AIG, vide esse post aqui). Pelo que se lê na imprensa, os bônus são uma invenção malévola de capitalistas de ultra-direita para sacanear os pobres proletários expropriados de dignidade… Mas é exatamente o contrário!!! Vejamos como ocorre a contextualização política dos bônus, ora de esquerda, ora de direita:

De acordo com a teoria marxista (que explica a relação capital-trabalho de maneira brilhante), o dono dos meios de produção, o capitalista, paga pelo trabalho adquirido do proletário um valor menor do que ele realmente vale (assim como compra matérias primas por um preço inferior ao que vende), para com isso obter seu precioso lucro. No caso do trabalho, a diferença de preços – ou seja: o quanto o capitalista recebe de seu cliente pelo trabalho revendido menos o que ele paga ao trabalhador – é chamada de mais-valia. Essa mais-valia, portanto, é um recurso que o trabalhador teria direito a receber, mas que o capitalista é quem o recebe porque ele é o dono dos meios de produção (e do negócio em si, afinal de contas). É por isso que o discurso de Marx sobre “a injustiça social intrínseca do capitalismo” cola com tanta facilidade: ela de fato existe, não é difícil perceber.

Na época do barbudo, os trabalhadores somente recebiam salários fixos (por hora, dia, semana ou mês trabalhado). Mas, há mais ou menos um século, algumas classes começaram a conseguir negociar uma certa remuneração variável – que, como o nome diz, varia de acordo com determinados eventos. Por exemplo, se uma costureira produzia um vestido por dia e passasse a produzir dois, seu salário poderia dobrar. Essa história de remuneração variável, embora signifique um aumento da renda do trabalhador, nunca foi muito bem digerida pelos marxistas, que sempre a olharam como uma espécie de “suborno” que os proletários receberiam dos seus patrões. Mas o fato é que a remuneração variável é interessante para o proletariado, e por isso acabou se perpetuando, a despeito de todas as tentativas dos sindicalistas para melar tais acordos, e hoje é vista com bons olhos pela esquerda liberal.

Ora, se um operário pode receber uma remuneração variável atrelado à produtividade, por que não seu chefe? É aí que a coisa começa a ficar meio estranha, pois os cargos administrativos não “produzem” nada por definição (“produção” aqui entendida no seu sentido mais básico, de por a mão na massa mesmo), logo não haveria produtividade a ser premiada. Quando a remuneração variável atinge os níveis de diretoria e presidência, os parâmetros que a regulam acabam muito próximos dos que interessam aos capitalistas, ou seja: os altos executivos de uma empresa são premiados de maneira análoga aos acionistas. No fim das contas, pelo lucro. É aí que surgem as “stock options“, esquemas de remuneração variável com pagamento em ações da empresa em que o sujeito que recebe a remuneração variável trabalha. Nascem, enfim, os bônus como os que conhecemos hoje.

Quando os operários recebem acréscimos pacuniários por melhoria em produtividade, é muito claro que capital e trabalho estão cooperando: quanto mais o patrão lucrar, maior o salário do empregado e vice-versa – e é justamente essa harmonia capital-trabalho que irrita os sindicalistas mais fiéis ao marxismo, menos comuns hoje em dia. Mas, estranhamente, no caso dos executivos, a história é outra. Quando o presidente executivo da fábrica assina seu contrato de trabalho com o conselho de acionistas, inicia-se um relacionamento intrinsecamente conflituoso, não mais cooperativo como ocorre no caso dos operários. O executivo e o acionista encontram-se em campos opostos: o primeiro quer embolsar o máximo possível em bônus o mais rápido que der, enquanto o acionista quer pagar o mínimo (de preferência, nada) no prazo mais dilatado. Num momento de crise como o atual, percebe-se esse conflito muito claramente.

O interessante é que os executivos que recebem bônus extraordinários estão combatendo o capital, mas nem por isso são admirados pela esquerda, já que eles mesmos acabam se tornando capitalistas, dado o imenso volume de suas remunerações variáveis. O mais maluco ocorre quando esses bônus contratados com os capitalistas acabam tendo que ser honrados pelo Estado, como acorreu com a AIG. Aí, o combate muda de figura, e quem paga os bônus não são mais os capitalistas, mas a população em geral. Embora quem financie o Estado sejam os ricos e as grandes corporações, todo mundo paga impostos de uma forma ou de outra, e o prejuízo é socializado. No fim das contas, a sociedade toda se sente lesada pelos executivos, e aí o jogo não tem mais a graça que tinha quando eram os capitalistas que ficavam com o prejuízo. Neste momento, os bônus voltam a ser de direita. Louco isso, não?

O barbudo ressuscita

Posted in Atualidades, crise de credito, crise financeira by Raul Marinho on 10 fevereiro, 2009

marx

Está bombando na blogosfera uma frase supostamente escrita n’O Capital, de Karl Marx que, se não é dele, pelo menos faz todo o sentido:

Os donos do capital vão estimular a classe trabalhadora a comprar bens caros, casas e tecnologia, fazendo-os dever cada vez mais, até que se torne insuportável. O débito não pago levará os bancos à falência, que terão que ser nacionalizados pelo Estado.

(Não sou especialista em Marx, embora o tenha estudado razoavelmente. De qualquer maneira, não encontrei a tal frase no exemplar que eu tenho de “O Capital”. Se alguém puder atestar a veracidade da referência, agradeço).

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Amado mestre…

Posted in Ensaios de minha lavra, Evolução & comportamento by Raul Marinho on 17 outubro, 2008

O artigo abaixo foi publicado originalmente em 2003 na revista Você S/A, por coincidência o ano da morte do ator Rogério Cardoso, o “Rolando Lero” da Escolinha do Professor Raimundo. A enrolação, por mais cômica que possa parecer, é um dos problemas mais complicados em Recursos Humanos. O chefe que conseguir diminuir a enrolação de seus subordinados em 1% pode ser considerado um bom gestor; e se diminuir mais de 10%, é um gênio. Um dos estudos de caso mais marcantes que eu me lembro da faculdade tem a ver com esse tema, e vou resumi-lo abaixo (os caso é real, embora não tenha referências para apresentar).

Uma determinada empresa fabricante de papel possuía uma grande área de reflorestamento, cujas árvores precisavam ter o espaço ao redor do tronco capinado regularmente, para evitar ervas daninhas e acelerar o processo de crescimento. Os trabalhadores que exerciam a função eram pagos por dia de trabalho, e o gerente responsável logo percebeu que era muito difícil fazer com que esses bóias-frias trabalhassem mais do que 6 horas efetivas: havia muita enrolação para começar o dia, o almoço se estendia além do horário, e se a supervisão virasse as costas, os trabalhadores logo puxavam um cigarro de palha. Foi aí que o jovem gerente da operação, recém graduado em Administração pela USP, percebeu que os salários eram muito baixos e que conceder um aumento real significativo não iria representar um grande acréscimo nos custos, mas isso poderia trazer um grande aumento na produtividade, que é o que lhe interessava, afinal de contas, esse era um item importante na sua avaliação de desempenho.

Esse gerente sabia que dar o aumento pura e simplesmente não melhoraria a produtividade, então ele consultou os manuais de Recursos Humanos e concluiu que se ele passasse a pagar por produtividade, provavelmente conseguiria melhorar seus índices – afinal de contas, aqueles eram trabalhadores muito humildes, que teriam um substancial aumento na qualidade de vida se obtivessem mais renda. Todas as contas feitas, o gerente arbitrou um determinado valor por árvore capinada que possibilitaria aos trabalhadores dobrar o salário se eles executassem o trabalho com seriedade por 8 horas diárias. Com isso, ele imaginou que a jornada de trabalho fosse, no mínimo, respeitada, mas o gerente cogitava inclusive que os trabalhadores capinassem umas 10 horas por dia ou mais.

Sabem qual foi o resultado? A produtividade diminuiu, e os trabalhadores passaram a trabalhar somente 4 horas por dia, passando o resto do dia sentados à sombra, conversando, jogando truco, fumando o cigarrinho de palha, alguns até bebendo. Isso deixou o gerente estupefato, pois ele pensava que ocorreria exatamente o oposto – “se fosse eu”, disse ele, “trabalharia 16 horas por dia, para ver se deixava de ser bóia-fria o mais rápido possível”. Quando foi investigar por que isso estava acontecendo, ele logo encontrou a resposta. Os trabalhadores entendiam que ganhar “muito pouco” ou “o dobro de muito pouco” era a mesma coisa: eles permaneceriam miseráveis; mas se tivessem 4 horas por dia de lazer, aí sim a qualidade de vida deles melhoraria.

Esse é um paradoxo que só a Economia Comportamental explica; o paradigma do “agente econômico racional”, que por tantos anos se ensinou nas universidades, não dá a menor pista para entender o comportamento humano. Feito esse alerta preliminar, vamos ao artigo, então:

O antídoto da enrolação

Neste primeiro artigo da coluna “Prática na Teoria” baseado na contribuição dos leitores, vamos tratar de um assunto tão comum quanto pouco discutido nos meios corporativos: a enrolação. O Prof. Dr. Emilton Lima Júnior escreveu de Liège, na Bélgica, onde está concluindo seu doutorado sobre estresse profissional, para relatar seu ponto de vista sobre o assunto. Seu artigo publicado na Revista Brasileira de Ensino Médico aborda de forma brilhante a famosa frase “eles fingem que nos pagam – a gente finge que trabalha” sob a ótica da Teoria dos Jogos e das Informações Assimétricas. Apesar do artigo ter sido concebido originalmente para tratar a questão do ensino de medicina no país, este também é um assunto aplicável à maioria das empresas e órgãos públicos dentro ou fora do Brasil.

A enrolação no trabalho não é uma invenção brasileira. Prova disto é o fato de Bill Gates ter incluído jogos e passatempos como a paciência logo na primeira versão do Microsoft Windows. A enrolação nada mais é do que uma resposta desertora de um funcionário que entende que seu patrão não coopera o quanto ele acha que deveria. Como o funcionário sabe que existe um certo grau de assimetria de informações entre ele e a empresa, ele se sente seguro para enrolar. Além disso, ele sabe que a assimetria de informações também o protegerá caso ele seja despedido do atual emprego, pois dificilmente seu novo empregador irá saber que ele deixou a empresa anterior por ser um enrolador. Na verdade, o funcionário enrolador faz com que toda a produtividade de seu departamento ou empresa caia, prejudicando os funcionários mais trabalhadores, o que faz com que haja um equilíbrio progressivo em níveis cada vez mais altos de enrolação.

A estratégia mais básica em Teoria dos Jogos é a “tit-for-tat”, algo como “olho-por-olho”: eu coopero com quem coopera e deserto com quem deserta. Se eu achar que meu empregador não está agindo cooperativamente comigo, eu tendo a desertar. Por outro lado, se meu patrão achar que eu não estou cooperando o quanto deveria, ele é que tende a desertar. Como os dois acham que o outro está desertando ou irá desertar (uma incerteza devido à assimetria de informações), eles antecipam suas próprias deserções, caminhando rapidamente para um equilíbrio de Nash clássico: ambos desertam, pois esta é a melhor estratégia possível independentemente da estratégia escolhida pela outra parte. A grande questão é: quem nasceu primeiro? O ovo do funcionário enrolador ou a galinha do patrão ganancioso?

Isto é, no fundo, o famoso “Dilema do Biscoito”, criado há cerca de uma década pela publicidade nacional para vender uma determinada marca de biscoitos que não se sabia se era fresquinha porque vendia mais ou se vendia mais porque era fresquinha. O que se sabe somente é que todos os funcionários enrolam em maior ou menor grau; toda empresa oferece menos vantagens para seus empregados do que poderia ou deveria (uma outra visão da mais-valia marxista); e ambos fingem que não estão vendo a traição do outro para manter o equilíbrio entre eles. Perceba que este equilíbrio possui um grande viés inercial: qualquer uma das partes que tentar sair do equilíbrio se expõe a riscos. Se o empregado decidir parar de enrolar, ele corre o risco do patrão não só não retribuir, como atribuir um novo patamar de produtividade com a mesma cesta de remuneração oferecida anteriormente. A empresa que tomar a iniciativa de adotar uma postura mais cooperativa, por outro lado, também estará exposta à falta de reciprocidade por parte dos seus empregados e dificilmente conseguirá voltar aos patamares de remuneração anteriores – inclusive por imposição legal.

Antes que o leitor ache que este artigo é – ele mesmo – uma enrolação, vejamos o que o Prêmio Nobel de Economia de 2001, Joseph Stiglitz, pensa sobre este assunto. Segundo Stiglitz, a forma de romper este equilíbrio de Nash do tipo “eles fingem que nos pagam – a gente finge que trabalha” seria através de um nível de remuneração acima da média. A despeito do brilho intelectual de Stiglitz, esta teoria foi adotada empiricamente já em 1914 com estrondoso sucesso por um cidadão chamado Henry Ford. Naquele ano, a Ford Motors passou a pagar 5 dólares por dia para seus funcionários, contra uma média de 2 ou 3 dólares dos concorrentes e dele mesmo em anos anteriores. A produtividade na Ford cresceu vertiginosamente (51%, segundo relatórios da época) e o lucro da companhia dobrou entre 1913 e 1916.

O problema é que neste momento ocorre uma outra corrida de desertores, desta vez empresa contra empresa. Quando a concorrência percebeu que a Ford lucrava mais, passou a pagar mais de 5 dólares. No momento seguinte, a Ford passou a pagar mais que a concorrência e assim foi até as empresas atingirem o limite de lucro zero em suas empresas. A estratégia simplista do Mr. Henry naufragava pelo mesmo motivo que teve sucesso: a Teoria dos Jogos (na verdade, uma variante do “Leilão de Dólar”). Neste momento, aparece em cena um novo conceito em remuneração, o “Salário de Eficiência”: uma remuneração paga aos funcionários para que não enrolem.

O “Salário de Eficiência” foi publicado originalmente na Harvard Business Review em maio-junho de 1978 por Jacob Gonik. Apesar de ter quase um quarto de século, este conceito ainda hoje é visto como inovador. Na Você S/A deste mês, os repórteres Rodrigo Vieira da Cunha e Alessandra Fontana nos mostram como a remuneração variável (nomenclatura mais adotada no país para o “Salário de Eficiência”) é um assunto cada vez mais comum no Brasil e como isto tem a ver com você (leia a matéria “Você valendo mais” http://vocesa.abril.com.br/edi51/1318_1.shl).

A remuneração variável é a fórmula mais usada na composição da vacina anti-enrolação adotada hoje em todo o mundo.

Já dizia o barbudo:

Posted in Atualidades, Livros (resenhas & comentários) by Raul Marinho on 9 outubro, 2008

“O capital tem tanto horror à ausência de lucro ou de um lucro muito pequeno quanto a natureza tem horror ao vácuo. Com um lucro apropriado, o capital é despertado; com 10% de lucro, ele pode ser usado em qualquer lugar; com 20%, torna-se vivaz; com 50%, fica positivamente ousado; com 100%, ele esmagará com os pés todas as leis humanas; e com 300%, não existe crime que ele não se disponha a cometer, ainda que se arrisque a ir para a cadeia”.

*Texto atribuído a K.Marx na blogosfera (se foi ele mesmo que escreveu, não posso dizer nada).