Toca Raul!!! Blog do Raul Marinho

A sorte nos mercados de tudo-ou-nada

Posted in Atualidades, Ensaios de minha lavra, teoria dos jogos by Raul Marinho on 21 junho, 2009

sorte tudo ou nada

[Na foto acima (do The New York Times), flagrante do momento em que o juiz George Preston embaralha as cartas, observado pelos candidatos Thomas McGuire (à esq.) e Adam Trenk.  Com um rei de copas, o candidato Adam garantiu uma vaga de vereador.]

Já escrevi em diversas oportunidades (como aqui, aqui e aqui) sobre a importância da sorte para vencer disputas em mercados de tudo ou nada. Uma característica destes mercados – também chamados de [mercados em que] “o-vencedor-fica-com tudo” – é que a diferença de performance entre o vencedor, que aufere ganhos expressivos, e os perdedores, que não ganham nada (ou quase nada), é ínfima, talvez zero. Por exemplo: deve haver cantoras de qualidade equivalente à da Ivete Sangalo que não ganham um centavo com a música, assim como existem advogados de formação e capacidade intelectual idêntica aos causídicos milionários que acabam tendo que prestar um concurso público para sobreviver.

Na política, acontece algo semelhante, com candidatos não-eleitos (mas com votação expressiva) emparelhados com a maioria dos eleitos, em termos de popularidade. Independente das peculiaridades da legislação eleitoral brasileira, vê-se frequentemente acontecer que, numa determinada cidade, um vereador eleito com 10mil votos não pode ser considerado com mais popularidade que outro com 9.800 votos que não se elegeu. Essa diferença pode ter sido causada por fatores insignificantes e alheios ao controle do candidato, em resumo: por sorte.

Por isso, um fato como esse aqui, reportado pelo G1 – em que a eleição para vereador em uma cidadezinha dos EUA acabou sendo decidida nas cartas – é muito menos bizarro do que parece.

Como ter sorte nos negócios – parte III

dicecrooked-full

A Teoria dos Jogos é uma ferramenta matemática tão importante quanto a Estatística na tomada de decisões econômicas, ou seja: ajuda à beça, mas não resolve. Em relação à taxa de sucesso de um agente econômico – seja ele um empresário, um executivo, um profissional liberal, um artista, um atleta profissional ou qualquer outro jogador de mercados de tudo ou nada -, é a sorte o que faz diferença mesmo. Mas, digamos que você possa utilizar dados (cubos tradicionais, seqüenciados de 1 a 6*) descompensados (“crooked dices”, vide foto acima), mais propensos a dar 6 ou 5 do que 2 ou 1. Numa série muito extensa de jogadas, os pontos que você obtiver deverão ser superiores aos pontos obtidos pelos jogadores que jogam com dados honestos, é evidente: em 100 rodadas, a maioria deverá ter algo próximo aos 300 pontos no placar, e você talvez tenha 500. De qualquer maneira, não seria tão espantoso se você, que joga com dados viciados – tendenciosos a dar 5 ou 6 -, estiver atrás, já que também há incidência de 1s, 2s, 3s, e 4s, só que em menor grau. Em outras palavras: na 3ª. Rodada, não seria algo tão esquisito se o jogador com dados viciados estiver atrás do jogador com dados honestos. Se você tiver ferramentas para aferir qual a tendência dos dados de quem joga contra você, você tem como antecipar para que lado o cara vai sair numa interação econômica: se vai cooperar ou trair. Na prática, essa é a única forma de aumentar a sua sorte.

(Na figura abaixo, um dado sendo calibrado mecanicamente)

edger1

Nma decisão de crédito, por exemplo: “se eu sou padeiro, devo emprestar dinheiro ao meu freguês (abrir uma conta para o cliente pendurar e pagar por mês?)”? Para uma linha de crédito de R$30/mês, não há análise de crédito cujo custo faça sentido para um padeiro fazer. O padeiro pode conceder ou não conceder crédito, mas a decisão sempre vai ser adversa: não há nenhuma certeza de que o freguês pagará em dia. Mas se o padeiro souber que você vai se mudar para a Austrália na semana que vem, pode ser que ele estranhe a sua mulher fazer uma compra maior que a média na padaria hoje. “Por que Prosecco, pacotes de cigarro, whisky – só itens de alto valor?” – poderia pensar o comerciante. Será que vocês estão comemorando a mudança, ou estocando coisas para não pagar? Vocês estão se mudando para outro país porque apareceu uma oportunidade profissional incrível, ou porque seu nome está no SERASA?

O padeiro não precisa estudar em Harvard para descobrir que é preciso tomar cuidado com crédito quando um cliente está se mudando para muito longe. Talvez haja um ditado popular na sua cultura, talvez um vizinho tenha comentado sobre um caso semelhante alguns anos atrás, e certamente não foi por conhecimento em Teoria dos Jogos que o padeiro achará uma boa idéia pedir para a freguesa (que jaz no caixa com uma garrafa de espumante) que liquide sua fatura com a padaria. É o velho e bom modelo do “dilema dos prisioneiros em jogos repetidos”, já tantas vezes citado aqui (pesquise esse termo na caixa ao lado para você ver). Existem outros modelos, porém, bem mais sutis – na verdade, a diferença estatística sempre é muito pequena. Por exemplo: por que o relacionamento com os filhos do irmão tende a ser diferente do que existe para com os filhos da irmã? Falaremos mais sobre eles no próximo artigo desta série.

Obs*: Se, com “cubos tradicionais, seqüenciados de 1 a 6”, o resultado é surpreendente, imagine com um cubo como o dado de apostas do gamão, seqüenciado em pg (2, 4, 8, … , 64)!?

Vale a pena consultar o verbete “dado” na wiki. Clique aqui para a versão em português e aqui para a original em inglês.

Partes I e II desta série.

Como ter sorte nos negócios – parte II

Posted in Ensaios de minha lavra, Evolução & comportamento by Raul Marinho on 12 novembro, 2008

go

Um bom jogdor de gamão consegue, nos enfrentamentos contra um jogador meia-boca, uma vantagem mínima, de cerca de 5-8%. Por exemplo: um sujeito que lê livros sobre estratégias em gamão, pratica com outros ótimos jogadores, e está acostumado aos torneios em cassinos que pagam dezenas de milhares de euros aos mais bem colocados, se jogasse 100 partidas de um ponto contra mim, ganharia por volta de 55-58 delas , e eu 42-45. O que é bem diferente do xadrez: um profissional internacional versus um jogador de fim-de-semana certamente apresentaria um placar de 100 x 0 – um Khasparov ganharia todas as partidas contra o melhor enxadrista de Rio Preto. Por outro lado, mesmo ganhando pouco mais de 40% das vezes, se as partidas forem de muitos pontos (p.ex.: 7 pontos), eu posso ganhar do melhor jogador do mundo se esta partida estiver valendo 8 pontos – aposta dobrada duas vezes em p.g. (vide post anterior dessa série).

Na prática, isso quer dizer que, mais importante que (ou, no mínimo, tão importante quanto) saber jogar, é crucial dominar a técnica de apostar. Se, quando você perder, perder 1 ou 2 pontos, mas quando ganhar, ganhar 8 ou 16, você terá uma altíssima vantagem em jogos de muitos pontos. Se forem jogos infinitos (em que o que importa é a diferença de pontos entre os jogadores, que são convertidos em algum valor monetário pré-combinado), melhor ainda. Uma partida pode ser redobrada ad infinitum, e como é p.g., logo logo os jogadores estão apostando 256, 512, 1.024… pontos – que, se for um jogo de míseros R$10/ponto, resulta em ganhos de mais de R$10mil (muito dinheiro mesmo para um cara rico que esteja jogando em um lugar sofisticado, que vai pagar ou receber do adversário mais de 50 vezes o valor de sua conta no bar).

No curto período em que joguei futebol (no dente-de-leite do Monte Líbano, de Rio Preto, como beque direito), tive um treinador, o Joãozinho, que tinha uma receita infalível para o batedor de pênaltis: “bata forte, colocado, na forquilha do lado em que o goleiro não está”. Ok, Joãozinho, quero ver você ganhar uma aposta alta num jogo de gamão contra um jogador esperto e experiente. Ganhar no atacado e perder no varejo é o santo graal de qualquer jogador de gamão, e seguindo os conselhos do meu ex-técnico, a primeira coisa a fazer é saber para que lado o goleiro vai: qual será a estratégia do outro jogador. Em outras palavras: você precisa pensar no que o outro pensa, inclusive sobre você mesmo. Existe uma técnica racional para isso, chamada teoria dos jogos.

Os modelos da teoria dos jogos, entretanto, são muito difíceis de se trabalhar, especialmente para alguém com pouca facilidade com ferramentas matemáticas. Considerando que 99% das pessoas que necessitam antecipar o movimento do oponente no mundo dos negócios são pessoas que não resolvem equações trigionométricas como passatempo (o que é especialmente verdadeiro para os advogados), é muito mais eficiente conhecer os modelos mais importantes de aplicações da treoria dos jogos ao comportamento humano do que conhecer toda a teoria dos jogos. Mesmo porque, para a maior parte das necessidades
do dia-a-dia das predições comportamentais, não é preciso calcular precisamente os resultados,  basta simplesmente saber como a coisa funciona. É desse ponto que iremos partir no próximo post dessa série.

(Obs.: O jogo ilustrado acima é um jogo de Go. Não confundir com o jogo de gamão, ilustrado na foto abaixo)

setting-backgammon-board1

Como ter sorte nos negócios – parte I

Posted in Ensaios de minha lavra by Raul Marinho on 12 novembro, 2008

sorte

O que é “ter sorte nos negócios”? Abrir uma empresa sem nenhum capital e, 2 anos depois, faturar R$1milhão por mês é ter sorte; mas… e se essa mesma empresa falir um ano depois, deixando para seu fundador dívidas da ordem de R$10milhões? No instante T+2anos, diríamos que esse empreendedor é sortudo, mas em T+3anos, não falaríamos a mesma coisa. Isso nos leva à primeira definição importante quanto a “ter sorte nos negócios”: só é possível saber se é sorte ou se é azar no longo prazo, especialmente quando a atividade desenvolvida implicar em riscos muito altos (praticamente todas as que permitem enriquecer rapidamente).

No SEBRAE, 80% do que se ensina ao micro-empresário é relativo a controles de fluxo de caixa e planos de negócios. Dizem os consultores da para-estatal que isso é fundamental para um negócio prosperar.  De fato, controles financeiros eficientes e planejamento são itens que ajudam, mas o que o pessoal do SEBRAE não diz é que milhares de empresas muito bem controladas e planejadas vão para o vinagre todos os anos simplesmente porque não tiveram sorte. Sim, por puro azar: ou porque um sócio arrumou uma amante e desfalcou o cvaixa, ou porque surgiu uma nova tecnologia na Índia que a inviabilizou, ou porque o seu maior cliente declarou concordata de uma hora para outra… Enfim, as razões são inúmeras, mas a realidade é que a empresa teve azar. Isso acontece todo dia.

Sorte é, via de regra, associada ao sobrenatural, ao esotérico, ao místico. Muita gente reza, e mais gente ainda carrega objetos que entendem mágicos para atrair a sorte. O problema é que, de acordo com o “paradoxo do campeonato baiano” (aquela piada que diz que, se macumba funcionasse, os campeonatos de futebol na Bahia terminariam empatados), não dá para todo mundo ter sorte ao mesmo tempo. Se a minha padaria tiver mais sucesso que a padaria em frente, e tanto eu quanto o padeiro concorrente rezarmos, posso concluir que a minha reza traz mais sorte que a reza do outro; ou seja: rezar não garante boa sorte. E se o pé-de -coelho atraísse boa sorte, o coitado do animalzinho (que doou quatro desses amuletos) não teria sido morto e esquartejado… Na verdade, rezar, portar amuletos, fazer promessas e novenas etc., geralmente não atrapalha – mas tampouco garante boa sorte. É preciso outra abordagem.

Muita gente pensa que o jogo dos negócios é parecido com um jogo de xadrez, e que o jogador com a melhor técnica vence. Outros – principalmente os jornalistas que cobrem o mercado financeiro em época de turbulência – já acham que se trata de um jogo do tipo da roleta, totalmente aleatório. A realidade dos fatos é que não é nem um nem outro, mas um jogo que envolve, além de técnica e acaso, a habilidade para “ajudar a sorte”, como no gamão. (É por isso, aliás, que eu incluí um tutorial para ensinar a jogar gamão nesse blog, e recomendo que o leitor aprenda o jogo para os próximos posts desta série). O gamão é um jopgo que combina técnica (raciocínio matemático/estatístico estratégico), sorte (afinal, joga-se com 2 dados), e habilidade em apostas (tanto propô-las, quanto aceitar ou recusar propostas do adversário). O interessante do jogo é que as apostas crescem em progressão geométrica (2, 4, 8, 16, 32…), o que faz do jogador habilidoso no uso do “dadão” (o dado de apostas) aquele que tende a ganhar o jogo, no fim das contas. E, assim como nos negócios, existem formas de ajudar e de atrapalhar a sorte, sem mágica, e sem nada sobrenatural.

É o que veremos nos próximos posts, não perca.

Sorte ou azar?

Posted in Ensaios de minha lavra by Raul Marinho on 6 outubro, 2008

A foto acima é, supostamente, de um turista que estava no topo no WTC no momento da colisão no ataque de 11 de setembro. Pode ser uma lenda da internet (mais uma), mas isso não importa. O fato é que havia turistas no prédio no momento da tragédia, e se, segundos antes da colisão, você perguntasse a eles se a oportunidade de estar ali era sorte ou azar, a maioria (se não todos) teria dito que era sorte. Eventualmente, um sujeito que não estivesse ali porque perdeu o trem deveria estar se achando um grande azarado. Sobre isso, vejamos o que diz uma estorinha de auto-ajuda que recebi alguns anos atrás por e-mail (não posso atestar a precisão da narrativa, mas o espírito do texto permanece):

“Era uma vez um aldeão que possuía o melhor cavalo da vila, e até da região. Um belo dia, esse cavalo sumiu, desapareceu durante a noite. No dia seguinte, a história se espalhou na aldeia, e vários aldeães vieram visitar nosso personagem, todos eles se lamentando: ‘Puxa, seu Fulano, que azar, não? Justo o melhor cavalo da aldeia foge assim, de uma hora para a outra? Ohhh, ahhh, ohhh!’ Nosso personagem, entretanto, não se abalou com a perda do cavalo, e retrucou: ‘Meus amigos, nesse momento, eu não sei se a perda do cavalo é sorte ou se é azar, a única coisa que eu sei é que o cavalo fugiu.’ Ninguém se conformou com a resignação do sr Fulano, todo mundo se indignou, mas como nada havia a ser feito, tudo ficou por isso mesmo. Passados algumas, semanas, entretanto, eis que o cavalo do sr Fulano volta, ta de repente como fora. Mas qual não é a surpresa geral quando se percebe que o garanhão volta acompanhado de uma linda égua que, depois se verificou, estava prenhe! Novamente, a notícia se espalha na aldeia, e quase todos os moradores foram ao sítio do sr Fulano ver com os próprios olhos o que ocorrera. E, lógico, ninguém se conteve: ‘Nossa, seu Fulano, quem diria, hein!? Além do seu lindo cavalo voltar, ele ainda por cima volta e traz essa linda égua, e como se não bastasse, prenhe! Mas o senhor é um homem de muita sorte mesmo, não?’ Então, o sr Fulano, que já tinha uma certa fama de maluco, solta essa: ‘Pessoal, pessoal, acalmem-se! Eu só sei que o meu cavalo voltou com uma égua prenhe! Não sei se este evento é sorte ou se é azar!’ Isso, entretanto, fez com que a turba, enfurecida com o que o sr Fulano, retrucasse quase em uníssono: ‘Sr Fulano, o sr é louco! Como é que receber seu cavalo de volta com uma égua prenhe pode ser outra coisa senão sorte! Na verdade, o sr não merece a sorte que tem!”. Mas logo a coisa se acalmou na aldeia, e os meses se passaram, um lindo potro nasceu da égua ‘namorada’ do garanhão fujão, e tudo ia bem. Até que o filho do sr Fulano, durante a tarefa de domar o potro, cai e se fere gravemente, quebrando a bacia e o fêmur, o que o torna coxo para sempre. Mais uma vez, a fofoca se espalha como rastilho de pólvora, e a maior parte da aldeia surge novamente no sítio do sr Fulano, a lamentar: ‘Oh, que tragédia! Antes o seu cavalo não tivesse voltado! O que vai ser agora desse pobre rapaz, coxo para sempre! Que azar terrível!’. Ocorre que o sr Fulano permanece inabalável: ‘Meus caros… Desculpem-me, mas a única coisa que eu sei é que meu filho nunca mais correrá pelas campinas, agora… Se isso é sorte ou se é azar, isso eu não sei…’. E, como era de se esperar, ninguém se conforma com as palavras do sr Fulano: ‘O sr é um doente, um insano! Onde já se viu uma coisa dessas!? Como é que ter um filho deficiente físico pode ser considerado qualquer coisa que não seja azar!? Nós deveríamos bater no sr para o sr aprender a respeitar o destino!’ Passa-se o tempo, e a situação política do país a que a aldeia pertence se complica, e uma guerra acaba eclodindo. Todos os homens jovens da aldeia acabam convocados para a linha de combate, mas o país inimigo está muito melhor preparado, e acontece uma carnificina: nenhum jovem alistado volta para casa. Entretanto, o filho do dr Fulano continua vivo, já que sua deficiência o liberara do dever para com o Exército.”

Sorte ou azar?

(Aqui, uma versão zen da mesma história).

Truques & tiques do gamão

Posted in Just for fun by Raul Marinho on 1 outubro, 2008