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O jogo da delação premiada

Posted in Ensaios de minha lavra, Evolução & comportamento by Raul Marinho on 29 outubro, 2008

Do site do ICED:

De acordo com a Teoria dos Jogos, um ramo da Matemática utilizado para modelar decisões interativas (quando a decisão de um interfere e é interferida pela decisão do outro), podemos entender porque o mecanismo da “delação premiada”, tão em moda nos noticiários ultimamente, pode ser um mecanismo eficiente na elucidação de crimes – particularmente as ações do chamado “crime organizado”. Vamos construir o raciocínio por meio do “Dilema dos Prisioneiros”, uma das formas mais populares utilizadas para se explicar o funcionamento de um “jogo” (aqui entendido como um modelo de decisão construído de acordo com a teoria dos jogos).

Imagine duas pessoas que, ao serem pegas cometendo um crime, são colocadas em salas separadas e sem possibilidade de comunicação entre si ou com qualquer outra pessoa, ocasião em que lhes são feitas propostas que devem ser decididas simultaneamente. O acordo proposto é o seguinte: se ambas ficarem caladas, a pena imposta será branda; se um confessa enquanto o outro se cala, aquele que confessa sozinho sai livre, enquanto que o que se mantém calado tem a pior pena de todas; e se ambos confessam, suas penas serão medianas. Se entendermos que a confissão significa trair o companheiro, e o silêncio é a cooperação, temos que este jogo – o “Dilema dos Prisioneiros” – tem um equilíbrio não-cooperativo, pois a melhor alternativa para cada um dos prisioneiros é confessar, mesmo que, à primeira vista, a cooperação mútua (quando ambos se calam) pareça ser a alternativa mais inteligente. Se o prisioneiro A pensar na sua decisão sob o ponto de vista das alternativas do prisioneiro B, ele perceberá que, se B trair (confessar), ele deverá confessar também, para evitar a pena mais severa; mas se ele achar que B irá cooperar (ficar quieto), ele também deverá confessar, pois assim sairá livre. O mesmo raciocínio se aplica no sentido contrário (do prisioneiro B para o prisioneiro A), e sob qualquer aspecto, o melhor que ambos podem fazer é confessar. Em teoria dos jogos, isto é chamado de “equilíbrio de Nash”: a melhor decisão possível tendo em vista a decisão do outro.

O equilíbrio não-cooperativo do “Dilema dos Prisioneiros” conforme apresentado, porém, torna-se cooperativo no caso de crimes cometidos por componentes de máfias. Isso porque, nestes casos, os participantes do jogo têm incentivos adicionais para ficarem calados (cooperarem). Primeiro: a delação tende a ser severamente retaliada, geralmente com a morte do delator. Segundo: máfias, muito freqüentemente, têm um mecanismo previdenciário para ajudar a família do quadrilheiro preso. Ou seja: se o prisioneiro mafioso confessar, ele pode ser morto e, mesmo que consiga se esconder, sua família perderá a ajudar que teria direito se ele se mantivesse fiel à quadrilha. Estes fatores, inexistentes no “Dilema do Prisioneiro” clássico, alteram o resultado do jogo, transformando-o em cooperativo, razão pela qual a taxa de traição entre mafiosos é muito menor do que entre criminosos comuns.

Neste contexto, o “prêmio” da “delação premiada” – redução de pena, proteção especial ao criminoso e seus familiares etc – funciona como um agente para redefinir o equilíbrio do jogo, de cooperativo para não-cooperativo. Trata-se de um mecanismo muito inteligente para desmontar o acordo tácito que existe em grupos mafiosos que protegem seus componentes da delação. Não sei se os teóricos do direito criminal que conceberam este mecanismo se utilizaram da teoria dos jogos em seus estudos, mas que é uma belíssima aplicação do “equilíbrio de Nash”, lá isso é.

Quem sabe sabe*

Posted in Atualidades, Ensaios de minha lavra, Evolução & comportamento by Raul Marinho on 15 outubro, 2008

Não voto em São Paulo (cidade), mas votaria no Kassab se pudesse, só para premiá-lo pela implantação da Lei Cidade Limpa, a melhor coisa que o poder público poderia ter feito para os comerciantes paulistanos. Para quem não sabe, a Lei Cidade Limpa tornou ilegal todo tipo de outdoor, restringindo as placas dos estabelecimentos comerciais a pequenos retângulos. E, ainda por cima, é um dos melhores exemplos para explicar o mecanismo econômico conhecido como “tragédia dos comuns”, o centro do argumento do artigo abaixo, publicado na revista Você S/A em 2002 (muito antes da lei, por sinal).

Quem se lembra do que ocorria em São Paulo antes da lei vai entender rapidamente onde quero chegar. Para um dado comerciante – por exemplo: uma sapataria na rua Padre Antonio, a principal do Brooklin –, a melhor decisão racional era a de ter uma placa um pouco mais chamativa que a da loja ao lado, pois isso deveria atrair mais consumidores daquele lugar. Entretanto, para o vizinho deste comerciante, aplica-se o mesmo raciocínio, o que significa que esse empreendedor também deverá procurar ter uma fachada mais chamativa; mesma coisa com todos os outros comerciantes de sapatos da rua Padre Antonio. No fim das contas, todos os vendedores de sapatos daquela rua têm que ter as maiores e mais escandalosas placas possíveis, não porque estas sejam muito eficientes em termos de marketing, mas porque o vizinho adota a mesma estratégia.

Quando a prefeitura limitou a publicidade imobiliária, todos os comerciantes voltaram à mesma condição de equilíbrio, só que gastando uma fração do que gastavam anteriormente. Interessante notar que os empresários paulistanos, em sua maioria, criticaram a lei, alegando prejuízos e prevendo queda nas vendas, quando foi exatamente o contrário o que ocorreu. O pulso firme do prefeito, fazendo com que a lei fosse cumprida à risca (até o Fórum Federal da avenida Paulista foi multado!), mesmo representando uma queda significativa na sua popularidade, é algo que deve ser premiado.

*Quem sabe sabe/ canta comigo/ federal é Kassab/ estadual é Rodrigo

Refrão do jingle de campanhas passadas do atual prefeito de S.Paulo.

(O Rodrigo em questão é o deputado estadual Rodrigo Garcia).

A (des)vantagem do egoísmo

Imagine que você saiu para jantar com o pessoal do escritório, todas as 100 pessoas do seu departamento. Você está numa fase complicada de dinheiro, mas… Como a conta vai ser dividida por igual, por que não pedir lagosta? Se todo o resto do departamento pedir filé com fritas que custa 10 reais e você pedir a lagosta de 40 reais, todos pagarão R$10,30. Sua vantagem então será de R$29,70, contra um acréscimo de módicos R$0,30 para cada um dos outros colegas. Genial, não? Sim, se não fosse pelo fato de todos os outros pensarem de maneira análoga e todo mundo pedir os pratos mais caros do cardápio – até quem realmente gostaria de comer um simples filé com fritas pediria um prato caro para não ficar em desvantagem frente aos demais. No final, todo mundo vai pagar uma conta salgada. O que aconteceu nesse jantar hipotético ficou conhecido como a Tragédia dos Comuns, uma outra aplicação da Teoria dos Jogos.
A Tragédia dos Comuns é uma espécie de Dilema do Prisioneiro com um grande número de participantes. A deserção de cada indivíduo em particular afeta muito pouco o restante da coletividade, mas traz grandes vantagens para o desertor. Mas é justamente aí que está o problema: como cada um pensa que sua própria deserção tem pouco significado, todo mundo tende a desertar, o que faz com que a massa de pessoas desertando influencie significativamente o resultado de todo o grupo. No fim das contas, acontece o equilíbrio do sistema na situação em que todos desertam, de forma muito semelhante ao Dilema do Prisioneiro.
Na verdade, a Tragédia dos Comuns é um fenômeno percebido e estudado muito antes do aparecimento da Teoria dos Jogos. Na Europa da Idade Média, havia muita terra sem um dono específico, onde os pastores podiam criar seu rebanho livremente. Seria vantajoso para cada pastor sempre aumentar uma cabeça de gado no seu plantel. Acontece que, se todos agissem assim, em pouco tempo o pasto comum estaria superpovoado e todos sairiam prejudicados. Na Inglaterra medieval existiam leis para regular a quantidade de cabeças que cada pastor poderia cuidar nas propriedades comuns justamente para evitar que a coletividade saísse perdendo.
Hoje em dia, podemos perceber várias Tragédias dos Comuns acontecendo à nossa volta. Um bom exemplo pode ser visto no trânsito das grandes cidades. Repare nos automóveis na rua: a grande maioria deles tem um único ocupante. Todos sabem que o trânsito poderia ser muito melhor se as pessoas se organizassem de modo a andar com três ou quatro pessoas por carro. Mas, por outro lado, também existe a sensação de que “não é o meu carro que está fazendo com que o trânsito fique tão engarrafado”. Pois é, a culpa é sempre dos outros…
Para evitar a tragédia dos comuns, existem duas opções: ou o Estado cria mecanismos legais para coibir determinadas práticas – como acontecia na Inglaterra da Idade Média; ou a própria comunidade cria mecanismos de autodefesa. Cada vez mais, a segunda opção tem sido utilizada. Os “Gérsons” não são exclusividade brasileira e o mundo todo tem adotado práticas auto-reguladoras. Em um mundo com recursos naturais cada vez mais escassos, mecanismos anti-Tragédia dos Comuns têm sido particularmente necessários para impedir que nós destruamos o planeta. O Protocolo de Kyoto é, no fundo, um mecanismo criado para evitar uma Tragédia dos Comuns ambiental. A não adesão dos Estados Unidos ao Protocolo seria equivalente à pessoa que pede lagosta no restaurante quando todos pedem filé com fritas – com o fator agravante do peso da deserção americana ser desproporcionalmente grande. Seria muito diferente se, por exemplo, o Uruguai não aderisse ao Protocolo.
Segundo os estudiosos das estratégias utilizadas em Teoria dos Jogos, a única forma de derrotar um jogador que adote a estratégia do “deserte sempre” é o ostracismo: não jogar com quem adota este tipo de estratégia. Mas como condenar o país mais rico e influente do planeta ao ostracismo? Isto é impossível e os Estados Unidos sabem disto. Justamente por isto que eles adotam a postura do “deserte sempre”. É uma decisão racional dos Estados Unidos. Não é justa, mas é racional. A propósito: se alguém lhe disse que o mundo é justo, sinto muito, mas você foi enganado.

Confiança com ou sem fiança?

Posted in Atualidades, Ensaios de minha lavra, Evolução & comportamento by Raul Marinho on 14 outubro, 2008

A piada é velha, mas ainda hoje engraçada:

O turquinho tinha subido no telhado e não sabia descer. Aí o pai dele (o turcão) apareceu e, do chão, gritava “Bula vilhinha, bula que babai sigura!!!”. O garoto não se convencia “Mas babai, eu tem medo de cai nu chom, e se babai num sigura eu?”, mas o pai reforçava “Vilhinha, bode bula, gônvia babai, babai sigura!!!”. Muito a contragosto, o turquinho acabou pulando para os braços do pai, que na última hora tira o corpo fora e deixa o filho se estatelar no chão. Ainda chorando, com dentes quebrados e todo machucado, o garoto reclama “Mas púrque babai num sigura vilhinha!!! Púrque babai tira corpo fora e deixa vilhinha esborrachar nu chom???”, ao que o turcão explica a grande lição do dia “Izo é brá vilhinha abrendi num gônvia nem nu babai!!!”.

Bem… Parece que o tal do “mercado” está que nem o turquinho da piada, que agora “num gônvia nínguem”… Talvez seja o caso de colocar oxitocina na água de Nova York. Leia o artigo abaixo, publicado originalmente na revista Você S/A em 2002:

A história da confiança (e da crise de confiança)

Se observarmos o homem em comparação com qualquer outro animal, fica evidente que somos uma das espécies menos dotadas de mecanismos de sobrevivência na natureza. Praticamente todos os animais têm alguma vantagem competitiva na luta pela vida: dentes afiados, garras poderosas, velocidade na terra, no ar ou na água, sistemas inoculadores de veneno ou capacidade de gerar descargas elétricas são alguns dos exemplos. Nós, ao contrário, temos pele sensível, não enxergamos à noite, precisamos dormir um terço do dia e somos totalmente indefesos nos primeiros anos de nossas vidas. Mesmo assim, o homem é um dos animais que teve o maior sucesso evolutivo na história do planeta.

Apesar de sermos uma espécie com enormes habilidades físicas e intelectuais para fabricar ferramentas e adotar estratégias elaboradas de caça, o homem deve seu desenvolvimento à sua capacidade de organização social. Um homem sozinho, por mais hábil e inteligente que seja, teria suas chances de sobrevivência bastante restritas na natureza. Enquanto isto, um grupo bem coordenado de seres humanos é praticamente imbatível. Mas nós não somos os únicos animais sociais do planeta. Muitas outras espécies também se organizam socialmente, e uma delas obteve êxito comparável ao nosso: as formigas.

Existe, porém, uma diferença básica entre a organização social das formigas e a nossa: formigas são cooperadoras incondicionais e nós não. As formigas são totalmente desprovidas de sentimento individual. Elas existem para o bem-estar do formigueiro e não delas próprias. Nós, ao contrário, vivemos o conflito de interesses constante de agir em proveito próprio ou da comunidade. O homem convive com a perspectiva da deserção da outra parte constantemente e, justamente por isto, nós damos tanta importância à reputação cooperativa do outro. Nossa estrutura social é baseada em confiança, a certeza que o outro vai se manter cooperativo em uma situação de conflito de interesses mesmo se houver vantagem em não cooperar.

Os primeiros seres humanos formaram grupos de caçadores-coletores que dividiam o trabalho de coleta de vegetais e formavam grupos de caça baseados em confiança. Estes caçadores-coletores primitivos evoluíram e aprenderam a cultivar seus alimentos e a trocar seus excedentes com membros de outras aldeias. Com o aparecimento da agricultura e do comércio, os mesmos mecanismos de confiança dos caçadores-coletores continuaram existindo e sua importância só aumentou. O homem atravessou eras, desenvolveu tecnologias, inventou o dinheiro e, em decorrência dele, o crédito.

Com o aparecimento do crédito, as relações humanas se tornaram ainda mais baseadas na cooperação mútua. E este mecanismo de confiança proporcionou o desenvolvimento da civilização em uma velocidade nunca antes vista, pois a riqueza de um financiava o desenvolvimento do outro e o comércio adquiriu uma importância impensável para um caçador-coletor primitivo. Mas tanto o homem primitivo quanto o financista de Wall Street do século XXI têm o mesmo equipamento biológico, o mesmo cérebro. E é este cérebro que criou mecanismos de cooperação nas atividades caçadoras de dezenas de milhares de anos atrás que toma decisões financeiras hoje em dia.

O mecanismo de funcionamento do cérebro humano ainda é pouco conhecido, mas já se identificou um hormônio, a oxitocina, que parece estar relacionado com a disposição em confiar do ser humano. Disto, podemos concluir que quando se diz que o mercado precisa tomar calmante para voltar à normalidade, talvez seja mais correto dizer que o mercado precise tomar oxitocina, já que o problema real é a falta de confiança, o nervosismo é somente um efeito colateral.

De qualquer forma, com ou sem oxitocina, o homem desenvolveu uma mecânica de pensamento para avaliar se pode ou não confiar no outro com base na reputação. E reputação é decorrente do histórico de um indivíduo em situações de conflito de interesses entre o benefício individual ou comunitário como a situação do Dilema do Prisioneiro, onde cada um dos participantes deve decidir se coopera ou não baseado no que ele pensa que o outro pensa sobre ele mesmo. O problema é que destas conjecturas acerca da deserção ou cooperação do outro podem surgir crises de confiança devastadoras com graves conseqüências econômicas: são as crises de confiança do mercado financeiro.

Os atores da crise estão em equilíbrio cooperativo antes dela acontecer: o credor mantém o crédito aberto ao devedor que retribui pagando seus compromissos regularmente. Subitamente, uma das partes pode concluir que a outra parte irá desertar e, para antecipar a deserção do outro, decide desertar primeiro. O interessante é que o outro não precisa tomar nenhuma medida efetiva para que a crise aconteça, basta dar algum indício de mudança de comportamento para acender o pavio do conflito.

Como o homem é o mesmo em termos biológicos há dezenas de milhares de anos, nosso cérebro interpreta uma crise de confiança em um mercado financeiro sofisticado como o nosso da mesma forma que interpretaria uma deserção em uma patrulha de caçadores primitivos há cinqüenta mil anos. Um caçador que não fosse digno de confiança seria excluído da aldeia. De maneira análoga, uma pessoa, uma empresa ou um país que for visto como não confiável financeiramente será excluído deste mercado: é o mecanismo do ostracismo. Foi este comportamento que fez do homem um sucesso evolutivo.

Eu penso que você pensa que eu penso…

Posted in Ensaios de minha lavra, Evolução & comportamento by Raul Marinho on 13 outubro, 2008

Este é o 3o artigo que eu publiquei na revista Você S/A. Modéstia à parte, é um bom artigo sobre Teoria dos Jogos:

Eu penso que você pensa que eu penso…

Imagine uma cidadezinha com somente dois postos de gasolina: Posto Alfa e Posto Beta. Ambos vendem gasolina de qualidade idêntica por R$ 2,00 o litro e a compram da distribuidora por R$ 1,50. Supondo que os consumidores agem motivados somente por preço, se o Posto Alfa baixar o preço para R$ 1,99, ele vai conquistar a totalidade do mercado local imediatamente. Iniciada a guerra de preços, o Posto Beta baixaria para R$ 1,98, o que motivaria o Posto Alfa a remarcar seu preço para baixo – e assim sucessivamente, até ambos atingirem um preço próximo de R$ 1,50 onde o lucro tende a zero. Trata-se do mesmo raciocínio do já comentado Dilema do Prisioneiro aplicado à Economia: “Se eu pensar sobre como você pensa sobre minha forma de pensar, eu não devo cooperar”. Eu pressuponho que o outro vai me julgar não cooperativo e antecipo a minha deserção, pois se o outro pensar assim, certamente vai desertar também. Esta é a base do pensamento do matemático John Nash Jr. em seu trabalho sobre a Teoria dos Jogos (“O Problema da Barganha”, Princeton – 1950).

O mesmo acontece com outro jogo com um Dilema do Prisioneiro embutido: o “Leilão de Dólar”. Como no Dilema do Lobo (leia o artigo anterior ), o Leilão de Dólar é jogado entre participantes que não têm possibilidade de comunicação entre si. Uma nota de um dólar é leiloada. Quem der o maior lance leva a nota. A diferença é que o segundo colocado também tem que pagar o lance – mas nada leva em troca. Por exemplo: se o vencedor ganhar com um lance de US$ 0,20, ele tem um lucro de US$ 0,80. O segundo colocado que deu um lance de US$ 0,19 somente paga os US$ 0,19 e fim. A banca então recebe US$ 0,39 e paga US$ 1,00. Iniciado o jogo, o primeiro participante tem a perspectiva de alto lucro – coisa que desperta a cobiça de outro participante. Rompida a barreira de US$ 0,50, a banca começa a lucrar e, a partir de US$ 1,00, o jogo fica totalmente irracional. Martin Shubik, o eminente matemático de Yale e estudioso de Teoria dos Jogos que concebeu o jogo em 1971 relatou que, em média, a nota era arrematada por US$3,40.

O Leilão de Dólar é um jogo com aplicações práticas inimagináveis. Por exemplo: as emissoras de TV o utilizam para dimensionar o tamanho dos trechos nas exibições de filmes. Fazendo com que o primeiro trecho seja maior, elas induzem o telespectador a entrar no Leilão e, uma vez dentro, os trechos ficam cada vez menores – e os intervalos mais longos. Mas, neste momento, o telespectador tem muita dificuldade em desistir: ele já passou do “limite de US$1,00”. Raciocínio semelhante faz com que pessoas se mantenham anos a fio em empregos ruins ou casamentos falidos. O mantra “eu investi demais para desistir” é repetido à exaustão. Dilema parecido foi enfrentado na construção do Concorde, quando França e Inglaterra viram que o projeto era inviável economicamente, mas mesmo assim decidiram ir até o fim – justamente por já terem investido demais. No fim das contas, o Leilão de Dólar também trata de cooperação e deserção e o resultado final é tão catastrófico quanto o que acontece no Dilema do Prisioneiro.

Acontece que tanto o Dilema do Prisioneiro ou do Lobo quanto o Leilão de Dólar são jogos únicos, de uma só rodada. Se os jogadores jogarem várias partidas em seqüência, a deserção tende a diminuir, até desaparecer. Um Leilão de Dólar jogado várias vezes tenderia a um acordo entre os jogadores para a divisão dos lucros: um dos jogadores daria um lance de US$ 0,01 que não seria superado e dividiriam-se os US$ 0,99 de lucro. O mesmo aconteceria no exemplo dos postos de gasolina – daí a grande dificuldade em evitar a formação de cartéis. A cooperação em jogos com muitas rodadas é um ótimo negócio. Existe uma grande tendência das pessoas construírem sua reputação cooperativa e, com isto, obterem vantagens reais (financeiras ou não) com isto.

A reputação cooperativa talvez seja o maior bem que uma pessoa possa ter. Não por acaso, a maior parte das pessoas tende a reforçar esta característica. Você se lembra da questão do engarrafamento abordada no último artigo? Quanto mais provável a pessoa ser reconhecida, menor a chance dela tomar uma atitude não cooperativa (no caso, andar pelo acostamento). Mesmo sabendo que nunca será identificada, a maior parte das pessoas tende a não se mostrar desertora (ou não cooperativa). Afinal de contas, o risco de manchar a reputação é gigantesco; e as conseqüências, desastrosas. O oposto disto está acontecendo no Oriente Médio, aonde atitudes cada vez menos cooperativas de parte a parte vêm sendo praticadas. São dois jogadores praticando a estratégia “deserte sempre”: tanto palestinos quanto judeus jamais agem cooperativamente um com o outro e o resultado é um impasse muito difícil de ser superado.

Se a estratégia “deserte sempre” não é a melhor, também a “coopere sempre” é perigosa. O cooperador incondicional fica excessivamente vulnerável a oportunistas e seu desempenho tende a ser medíocre. Observando o comportamento de animais sociais, como chimpanzés, golfinhos e morcegos hematófagos, percebeu-se que a estratégia mais comum era a mesma praticada pelos humanos: o “olho-por-olho”. Reagindo cooperativamente a uma cooperação e punindo a deserção com outra deserção, o “olho-por-olho” tende a ter um bom desempenho. Todavia, um jogador de “olho por olho” perde para um jogador de “deserte sempre”. A única solução para anular o jogador de “deserte sempre” é o ostracismo: excluir o desertor contumaz do jogo.

No próximo artigo exploraremos outras estratégias de jogo e suas correlações com o observado no comportamento animal. A interação entre a Teoria dos Jogos e a Etologia (ramo da Zoologia que estuda o comportamento animal) ocorreu em ambas as direções: a Etologia fornecendo novos modelos para a Teoria dos Jogos tanto quanto a Teoria dos Jogos ajudando a entender a Etologia. E ambas disciplinas ajudando a nos entender.

Palestra na Symantec

Posted in Palestras by Raul Marinho on 8 outubro, 2008

Em 2007, fui convidado para dar uma palestra para executivos comerciais da Symantec, empresa estadunidense da área de TI, especializada em softwares anti-vírus. A palestra ocorreu porque o Vice-Presidente da Symantec para a América Latina é o meu amigo Wilson Grava, que conhece o meu trabalho e achou que seria um tema interessante para ser mostrado ao seu pessoal de vendas. E, de fato, foi. Na verdade, era para eu repeti-la nas demais filiais da empresa na América Latina, mas por uma série de motivos isso nunca ocorreu.

A apresentação em formato PDF, que pode ser baixada aqui, tem duas mini-apresentações subordinadas, uma sobre o “dilema dos prisioneiros”, e outra sobre o “chicken game”. Postá-las-ei em breve. Não deixe de ver também o vídeo sobre o “jogo do ultimato” (que já está no blog, nesse post).

Dilema dos prisioneiros

Posted in Ensaios de minha lavra by Raul Marinho on 6 outubro, 2008

Também na Você S/A, e também ainda disponível (clique aqui), segue meu 2o artigo publicado na revista:

Jogos Brilhantes

Qual a relação entre o trabalho do matemático John Nash Jr., que lhe rendeu o prêmio Nobel de 1994, e o que acontece num engarrafamento em um feriado prolongado? Por incrível que pareça, ambos seguem o mesmo raciocínio. Nash trabalhou sobre o conceito de Teoria dos Jogos, onde o principal jogo é o Dilema do Prisioneiro. O Dilema é uma situação onde um jogador tem que tomar determinada decisão em face da decisão do outro. No fundo, é uma questão de decisão entre altruísmo ou egoísmo, como veremos.
O Dilema do Prisioneiro é a situação em que dois comparsas são pegos cometendo um crime. Levados à delegacia e colocados em salas separadas, lhes é colocada a seguinte situação com as respectivas opções de decisão:

  • Se ambos ficarem quietos, cada um deles pode ser condenado a um mês de prisão;
  • Se apenas um acusa o outro, o acusador sai livre. O outro, condenado em um ano;
  • Aquele que foi traído pode trair também e, neste caso, ambos pegam seis meses.
    As decisões são simultâneas e um não sabe nada sobre a decisão do outro. Considera-se também que os suspeitos irão decidir única e exclusivamente de forma racional. O dilema do prisioneiro mostra que, em cada decisão, o prisioneiro pode satisfazer o seu próprio interesse (desertar) ou atender ao interesse do grupo (cooperar). O primeiro prisioneiro pensa da seguinte forma: “Vou admitir inicialmente que meu comparsa planeja cooperar, ficando quieto. Neste caso, se eu cooperar também, ficarei um mês atrás das grades (um bom resultado); mas, ainda admitindo a cooperação do meu comparsa, se eu desertar confessando o crime, eu saio livre (o melhor resultado possível). Porém, se eu supor que meu comparsa vai desertar e eu continuar cooperando, eu ficarei um ano na cadeia (o pior resultado possível) e ele sai livre. Mas se eu desertar também, eu ficarei somente seis meses preso (um resultado intermediário). Eu concluo então que, em ambos os casos (se ele cooperar ou não), sempre será melhor desertar, e é o que eu vou fazer.”
    Acontece que o segundo prisioneiro pensa da mesma maneira e ambos desertam. Se ambos cooperassem, haveria um ganho maior para ambos, mas a otimização dos resultados não é o que acontece. Ao invés deles ficarem somente um mês presos, eles passarão seis meses na cadeia para evitar o risco de ficar um ano se o outro optar por desertar. Mais que isso: desertando, cada parte tem a possibilidade de sair livre se a outra parte cooperar.
    Em um engarrafamento típico em um feriado prolongado acontece uma situação semelhante. Em um determinado momento, o motorista se depara com a oportunidade de desertar, trafegando pelo acostamento. Se ele agir assim, vai levar vantagem sobre os demais que serão prejudicados quando este oportunista precisar voltar à faixa regular, obrigando todos os outros a parar. Excluindo a possibilidade de ser flagrado pelo policial, o motorista conclui que sempre vai ser melhor desertar. Se muitos desertam, desertando ele ficaria em situação equivalente aos outros que, se não é a situação ideal, é melhor do que se manter cooperando. E se todos cooperarem (menos o motorista “esperto”, é lógico), tanto melhor: sua vantagem seria a melhor possível. Justamente por isto que existe a lei de trânsito e a multa, um mecanismo que desencoraja a deserção.
    A repetição do jogo, entretanto, muda radicalmente a forma de pensar do prisioneiro ou do motorista. Dois comparsas de longa data terão uma tendência muito maior à cooperação. Motoristas de uma cidade pequena têm muito mais inclinação a se respeitarem que nas grandes metrópoles, onde praticamente inexiste a questão da reputação decorrente da repetição do jogo. Com isto, formam-se outras opções de estratégia que serão abordadas no futuro.
    Mais recentemente criou-se um experimento análogo ao Dilema do Prisioneiro para testar o comportamento humano frente a situações cooperativas. Trata-se do Dilema do Lobo, onde vinte pessoas são postas em cubículos individuais com o dedo em um botão. Durante dez minutos, se ninguém apertar o botão, cada participante ganha mil dólares. Porém, quem apertar o botão primeiro ganha cem dólares e os outros dezenove não ganham nada. Um cooperador esperto não apertaria o botão para ganhar mil dólares. Mas um jogador astuto sabe que pode haver algum estúpido que vai apertar o botão e resolve apertá-lo primeiro. E um participante realmente esperto vai chegar à conclusão que todos os outros pensarão de forma igual e vai apertar o botão imediatamente. Os pesquisadores nunca gastaram mais de cem dólares neste experimento.
    De qualquer forma, todos estes jogos pressupõem situações específi-cas que raramente são encontradas na prática. Nos próximos artigos, vamos abordar situações mais próximas da vida real, onde existe, além da repetição do jogo já mencionada, outras questões como a assimetria de informações. Com isto, vamos demonstrar porque as pessoas não são tão egoístas quanto a mecânica do Dilema do Prisioneiro sugere.
  • Moedinha No.01

    Posted in Ensaios de minha lavra by Raul Marinho on 6 outubro, 2008

    Sabe a “moeda número um” do Tio Patinhas, aquela que ele deixa numa redoma de vidro, e que acha que é sua fonte de sorte? Eu também tenho a minha: o primeiro artigo que eu publiquei na revista Você S/A, no início de 2002 (ele ainda está disponível no site da revista, aqui). Honestamentem eu acho esse artigo muito bom até hoje (isso não acontece comn a maioria dos meus textos), um ótimo artigo para um leitor que nunca ouviu falar da teoria dos jogos começar a entendê-la.

    Uma Estratégia Brilhante

    Com o sucesso que o filme “Uma Mente Brilhante” está fazendo, a história do matemático John Forbes Nash Jr. se tornou popular. Mas suas idéias ainda não. Muito mais interessante que sua esquizofrenia ou seu casamento, o trabalho de Nash foi tão revolucionário que não foi aceito como tese de doutorado em Princeton em 1950 (ao contrário do que o filme dá a entender) para ser reconhecido com o Nobel em 1994. Na verdade, aquele Nobel foi um reconhecimento da comunidade científica sobre um trabalho desdenhado 44 anos antes.
    Nash trabalhou sobre o que ficou conhecido como “Teoria dos Jogos”. Esta teoria foi concebida em 1944 por dois outros matemáticos: Oskar Morgenstern e John von Neumann; este último famoso por ter sido um dos pais da bomba atômica e do computador digital. A “Teoria dos Jogos”, assim como o trabalho de Nash, é extremamente polêmico. Morgenstern e Neumann conceberam uma série de “jogos” onde os “jogadores” se defrontavam com situações em que tinham que realizar escolhas com base na escolha do outro “jogador”. O “jogo” mais famoso ficou conhecido como “O Dilema do Prisioneiro”, uma função matemática que explica a cooperação ou não-cooperação entre os “jogadores”. O que Nash fez foi explicar o ponto de equilíbrio desta cooperação, no que ficou conhecido como “O Equilíbrio de Nash”.
    Mas o que o matemático fez de realmente notável foi expandir esses conceitos puramente matemáticos para o mundo das ciências sociais, inicialmente a economia. Da economia, a “Teoria dos Jogos” migrou para a sociologia, a antropologia e ficou especialmente interessante quando chegou à biologia. Hoje em dia, o que existe de mais moderno em direito, administração, psicologia, e uma série de outras disciplinas aplicadas deriva da “Teoria dos Jogos”. E, após o Nobel de Nash, o assunto ganhou tanta importância que hoje norteia importantes correntes acadêmicas de pensamento no mundo.
    Na biologia, a “Teoria dos Jogos” encontrou grande receptividade na zoologia em geral e na etologia em particular quando se percebeu que os animais também “jogavam”, em muitos casos de forma análoga ao homem. Neste ponto, houve a mistura de conceitos e disciplinas diversas, o que dificultou a compreensão do todo. Seria a matemática (“Teoria dos Jogos”) explicando o comportamento animal (etologia) que, por sua vez, explicaria o comportamento humano (Sociologia e Antropologia) que levaria a conseqüências no dia-a-dia humano (economia, administração, direito, psicologia, etc.).
    Além da complexidade de cada assunto em particular, existe o agravante deles geralmente serem estudados por grupos antagônicos. Os matemáticos pertencem a um grupo diferente dos biólogos e dos cientistas sociais e, freqüentemente, não se compreendem. Fora isto, quando os conceitos evolucionistas de Darwin se incorporam a esta salada, volta à tona a polêmica ética e religiosa com os criacionistas. Somente para ilustrar: segundo uma pesquisa realizada em 2001 pelo instituto Gallup nos EUA, 57% dos norte-americanos não acreditam que o homem é uma evolução dos símios. Note-se que isto decorre do trabalho de Darwin feito no século XIX (1859, para ser preciso). Se Darwin ainda é polêmico hoje em dia, imagine Neumann, Morgenstern e Nash!
    Este assunto é extenso, complexo e fascinante. Os desdobramentos dele atingem o que de mais interessante existe nas relações humanas. Na economia, existem exemplos fantásticos, como o tema do Nobel de 2001 sobre informações assimétricas. Em sociologia e antropologia, estudos sobre cupins e formigas levaram à criação da sociobiologia, com conceitos muito interessantes para explicar nosso complexo arranjo social. Estudos sobre símios revelaram um novo conceito psicossocial, o MPI (Male Parental Investment ou, mal traduzindo, Taxa de Investimento Paterno) que explicaria as razões básicas emocionais que levariam uma mulher a se interessar por um homem. No direito e na justiça, inúmeros conceitos de “Teoria dos Jogos” vêm sendo utilizados para a formatação de concorrências públicas mais eficazes e contratos mais justos e aplicáveis, assim como está sendo mais fácil prever a ocorrência de crimes como estupro.
    Em administração de empresas, a aplicação da etologia em geral e da “Teoria dos Jogos” em particular oferece um vasto campo de trabalho. Aplicações de conceitos de observação de chimpanzés, por exemplo, nos ensinam muito sobre as estruturas de poder nas relações corporativas. Estudos sobre a repetição contínua do “Dilema do Prisioneiro” por outro lado, levam a conclusões surpreendentes sobre estratégias profissionais de longo prazo. Tudo isto leva à criação de estratégias empresariais verdadeiramente brilhantes, onde a grande vantagem é a aderência à mecânica comportamental do ser humano.
    Hoje em dia, governos e empresas têm utilizado a “Teoria dos Jogos” para suas estratégias micro-econômicas. Basicamente, sempre que a sua decisão é interdependente e simultânea em relação à decisão do outro, estes conceitos podem ser aplicados. Um bom exemplo são as estratégias mais ou menos protecionistas que os governos adotam no comércio internacional, onde o objetivo é maximizar o rendimento total variando o grau de cooperação entre países em função da reação do restante do mundo relacionada à sua própria decisão.
    Simplificando a “Teoria dos Jogos”, o que se pretende é responder à pergunta: “O que é mais vantajoso para mim, tendo em mente que a minha decisão vai implicar em uma reação da(s) outra(s) parte(s): cooperar ou desertar?” A resposta a esta pergunta leva a desdobramentos espetaculares, onde a melhor estratégia nem sempre é o que parece ser. Exatamente aí é que está o brilho desta estratégia. Brilho nem sempre percebido, diga-se.