Fraude de US$50Bi
Você deve estar sabendo da mega-fraude recém descoberta no mercado financeiro estadunidense, não? A seguir, matéria do Financial Times, escrito pela Joanna Chung, e traduzido pelo UOL para você ficar por dentro dos detalhes. No final, um vídeo que reconstitui como o furo foi descoberto e qual o fim que o autor levou.
Caso expõe novo fracasso da fiscalização
O fracasso em detectar o que pode ser a maior fraude da história, supostamente perpetrada pelo veterano assessor de investimentos Bernard Madoff, despertou novas questões sobre a competência da SEC (Securities and Exchange Commission), o órgão que fiscaliza o regulamenta o mercado de valores mobiliários dos EUA.
O caso também é um novo fiasco ao regime regulatório americano, alvo de críticas desde o começo da crise após a exposição de numerosas lacunas e exemplos de fiscalização insuficiente.
A suposta fraude aponta para um “fracasso sistêmico” e suscita “questões fundamentais” sobre a estrutura regulatória dos EUA, diz comunicado do Bramdean Alternatives, um fundo britânico que investia com Madoff.
“É espantoso que essa aparente fraude pareça ter se estendido por tanto tempo, talvez décadas, enquanto os investidores continuavam a investir dinheiro novo nos fundos de Madoff, agindo de boa fé”, afirma o comunicado.
As dimensões da fraude, estimadas por Madoff em cerca de US$ 50 bilhões, não foram confirmadas por cálculos independentes, e os fiscais da SEC estão examinando os arquivos da empresa.
Mas as autoridades regulatórias também podem ter de explicar como um esquema dessas dimensões pode ter passado despercebido durante anos, especialmente porque os retornos consistentemente elevados de Madoff já haviam despertado suspeitas e provocado queixas junto à SEC. Havia outros indícios de potenciais problemas: falta de fiscalização por terceiros; o uso de uma empresa de auditoria muito pequena para uma operação de grande porte; uma operação de corretagem de títulos funcionando em paralelo na mesma empresa.
Parte da explicação pode se relacionar à abordagem utilizada para a fiscalização. Os fiscais da SEC estavam encarregados de regulamentar a corretora de títulos de Madoff. Mas foram as operações de assessoria de investimentos da empresa, registradas na SEC só em 2006, que supostamente ocuparam posição central na fraude.
Além disso, nem todos os assessores de investimentos registrados são fiscalizados pela SEC, em parte porque seu número cresceu demais nos últimos anos -em 50% de 2001 para cá, superando os 11 mil. Só 10% dos assessores registrados na SEC são fiscalizados a cada três anos.
A SEC já disse que seus funcionários conduziram duas investigações sobre a empresa de Madoff, em 2005 e 2007. Em 2005, identificou três violações da regra que exige que os corretores obtenham o melhor preço possível aos pedidos dos clientes. Em 2007, os inspetores não encaminharam o caso para ação judicial.
John Coffee, da Universidade Columbia, disse que a SEC tem de explicar o fracasso do processo. “Quase qualquer inspeção teria revelado uma deficiência de ativos, e a SEC também poderia ter percebido que os auditores eram desconhecidos. Se a SEC não é capaz de apanhar esse tipo de coisa, fica difícil imaginar o que eles apanhariam”.
A suposta fraude, que pode afetar centenas de investidores privados e grandes fundos de investimento em todo o mundo, deve renovar os pedidos por regulamentação mais severa das corretoras e de entidades hoje não regulamentadas, como os fundos de hedge.
Uma coisa difícil e outra fácil
Volta e meia, as pessoas me pedem para fazer prognósticos sobre a atual crise financeira. Trabalho há 20 anos no mercado financeiro, já ganhei e já perdi muito dinheiro antes, tenho uma boa formação acadêmica e, mais importante de tudo, uso óculos, o que me confere “cara de inteligente” – além, é claro, de escrever para o mais prestigioso veículo de mídia eletrônica da atualidade (precisamente: este blog).
Sinto que todo se decepcionam quando digo que tudo pode acontecer, desde a imersão do planeta numa crise gigantesca por 30 anos, até uma recuperação espantosa da economia mundial já em 2009. Na verdade, a única coisa que eu tenho certeza absoluta é que não é possível fazer qualquer tipo de previsão sobre o futuro econômico do mundo. São muitas variáveis se alterando ao mesmo tempo, todas elas inter-relacionadas, e nenhum modelo matemático concebível pelo homem no atual estágio de desenvolvimento é capaz de prever o desenrolar da atual crise. Resumindo: saia de casa com guarda-chuvas, casaco de lã, camiseta de algodão, bermudas e protetor solar.
Há alguns anos, conheci os computadores do INMET (Instituto Nacional de Meteorologia) em Brasília. “Computadores” é modo de dizer, na verdade eram máquinas monstruosas, algumas com o logo da NASA, e um funcionário do departamento de defesa dos EUA no prédio para evitar que algum maluco use as máquinas para aplicações militares. Talvez exista uma meia-dúzia de centros de processamento no planeta que construa modelos numéricos mais sofisticados que os do INMET. Com tudo isso, a chance do Instituto (ou do melhor centro de modelagem numérica do mundo) acertar se irá chover ou fazer sol em 25 de novembro de 2009 é exatamente a mesma que a de um índio velho ter sucesso em sua previsão baseada emn rituais xamãnicos. Em relação à economia, é a mesmíssima coisa.
Sim, é só o rabo do tubarão – mas que rabo, hein!?
Hoje o mercado financeiro do Brasil possui os mais espetaculares bancos do mundo posicionados na rabeira da tropa de elite, dentre eles o Citi e o HSBC. O santista* Fernando Blanco, de seu excelente blog (o Blog do Crédito), repercutiu ontem uma entrevista muitíssimo bem feita (publicada originalmente no Estadão) com o presidente da instituição sino-inglesa, Shaun Wallis, que comento os seguintes pontos:
“O Brasil é um país simplesmente fantástico. É enorme e tão diverso. Vocês têm tudo.”… e blá blá blá – Come on, mr. Wallis, menas, menas…
“Para a maior parte da população, o real a R$ 2,17 ou a R$ 2,34 não faz muita diferença.” – Tá de sacanagem, né? Quer dizer que o câmbio agora só interessa para quem viaja de férias para a Disney?
“Não achamos as empresas brasileiras tão alavancadas quanto muitas outras no mundo. Provavelmente, porque tiveram a experiência de outras crises no passado.” – Sei… Vai me anganar agora que o brasileiro não se alavanca porque é um povo disciplinado e receoso quanto a dívidas? Balela, nós não nos endividamos porque: 1)Não nos emprestam; e 2)Quando emprestam, cobram juros escorchantes. E só.
“Crédito encurtado? Não sei se é verdade.” – Pôxa, será que eu estou mais bem informado que o presidente do HSBC? Para onde eu mando meu currículo?
“Mas há bancos retirando o crédito de clientes pessoais? Não. Fizemos isso? Não.” – Se eu provar que é sim e sim, o que que eu ganho?
“As pessoas estão emprestando menos? Há uma sazonalidade. O Natal está chegando. As pessoas emprestam muito dinheiro em setembro e outubro? Não sei. Provavelmente esperam até perto do Natal.” – Pôxa, desse jeito meu boy também vai mandar o currículo dele…
“Não, nada mudou no HSBC.” [respondendo à pergunta se algo havia mudado na instituição] – Quer dizer então que o mundo mergulha na pior crise financeira em 80 anos e o presidente do banco não muda nada na gestão dos negócios? Desse jeito até a filha da mulher do cafezinho vai mandar o currículo dela também (e ela topa por dois salários mínimos mais o dinheiro do busão).
“Globalmente, há menos dinheiro. Os mercados financeiros secaram em muitos países. Em nosso caso, somos extremamente líquidos, muito capitalizados e preferimos emprestar dinheiro para nossos próprios clientes. É por isso que você não nos vê comprando outros bancos. Agora não é o momento. Não sabemos quais balanços os bancos nos EUA, na Europa e em muitos outros países têm. Não sabemos quais problemas eles têm. Nossa prioridade nesta situação em todo o mundo é nos apoiar em nosso capital.” [Tudo isso para responder á simples pergunta “Os juros vão subir?”] – Vocês lembram do Paulo Maluf? Tá fazendo escola o turco, hein!?
Leiam o resto, vale a pena.
*Aproveito o momento para registrar a delicadeza do Fernando Blanco, que incluiu este modesto instrumento de mídia cibernética no espetacular blogroll de seu afamado sítio eletrônico, apesar do sofrimento que seu coração alvinegro deve estar passando após a adversidade sofrida no último domingo, quando o meu alviverde derrotou o Santos com um gol aos 45min. do 2o. tempo. Fernando, você é um gentleman!
Pitacos sobre a crise
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José ?
e agora, você ?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José ?
(C. D. de A., “José”)
Os mercados financeiros faliram, a recessão bate à porta, o crédito está suspenso até segunda ordem, e as commodities não valem mais nada – ou seja: o caos está instalado na economia mundial. Fala-se em um novo Bretton Woods para desmontar a estrutura criada em 1944 (que, na prática, não existe mais: até o Lula sabe que o FMI não serve para nada hoje em dia), mas ninguém tem a mínima idéia sobre o que colocar no lugar. Uma mega-agência regulatória global? Um FMIzão turbinado para socorrer todo mundo, inclusive os EUA? Ah, que falta faz um Keynes nessas horas… Jornalistas vestidos com a surrada camiseta do Che Guevara, como o Jânio de Freitas, da Folha, sugerem o “fechamento dos cassinos” (bolsas de valores) como medida número um (se você não acredita, leia o artigo do referido na Folha de hoje [disponível aqui, para assinantes] – que, a propósito, está muito bom na sua segunda parte, em que faz uma análise da disputa política na aldeia). Economistas “sérios” como o Roubini (vide foto abaixo), incensado como o único cérebro pensante da atualidade, dizem que a crise durará entre 18 e 24 meses (onde será que ele viu isso? nos búzios, no tarô cigano, ou jogou I-Ching?). Então, já que qualquer um pode falar o que quer, o corpo editorial deste afamado blog também dá os seus pitacos:
Como todo mundo sabe, o epicentro da crise é no 1o. mundo: EUA, a maior parte da Europa Ocidental, e Japão: o Grupo-I. Em seguida, vem os BRIC (Brasil+Rússia+Índia+China), os países desenvolvidos de 2a linha (Canadá, Austrália, Espanha, Portugal etc.), os emergentes/emergidos (Chile, México, Coréia do Sul, África do Sul, Polônia, Grécia, Turquia etc.), e a moçada da OPEP, que compõem o que chamaremos de Grupo-II. E, lá no fim, quase não sentindo a crise, estão os países-satélite da economia mundial, como Bolívia, Paraguai, toda a América Central, a maior parte da África, as ex-repúblicas soviéticas (ex. Ossétia do Norte/Sul), a Coréia do Norte, o Afeganistão, o Irã, o Iraque, e as “notas de rodapé do mapa-múndi” (Ilhas maurício, Fiji e demais excentricidades), que são o Grupo-III. Como o que interessa mesmo é o equilíbrio relativo entre as economias, e os países do Grupo-I perderão mais que os do Grupo-II, que perderão mais que os do Grupo-III, quem vai se dar melhor com essa crise será, em ordem inversa, os países do Grupo-III e do Grupo-II. O fato é que os países do Grupo-III não têm condições de aproveitar a vantagem relativa, seja por questões políticas (com ou sem crise, Cuba não vai se tornar uma potência econômica tão cedo), seja por absoluta incapacidade econômica estrutural (como é que o Paraguai pode aproveitar a situação? exportando mais chá?). Logo, quem vai se beneficiar com essa crise no longo prazo serão os países do Grupo-II, exatamente onde estamos. “É nóis na fita, mano?” Talvez. O risco é tomarmos um trança-pé dos chineses ou do Putin (e que não é difícil para quem toma olé do Evo Morales).
Na foto acima, Nouriel Roubini explicando os fundamentos da MacroEconomia a duas jovens
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