Toca Raul!!! Blog do Raul Marinho

Procurando emprego? Leia isso.

Posted in Atualidades by Raul Marinho on 13 abril, 2009

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A Folha de hoje reproduziu uma matéria muito interessante publicada no The New York Times, de autoria do Phyllis Korkki, sobre a procura de empregos. Principalmente porque deixa claro uma coisa: não há porque ficar chateado se você estiver sendo rejeitado muitas vezes – “Se você não anda sendo rejeitado muitas vezes, é porque não está se esforçando o suficiente.” Agora, leia a matéria, enxugue as lágrimas, e bola prá frente! – e, lembre-se: procurar emprego é uma atividade fortemente influenciada pela assimetria de informações.

Conseguir entrevistas de trabalho é só o começo

Dúvida: Você já fez várias entrevistas de emprego em empresas diferentes, mas ainda não recebeu nenhuma oferta de trabalho. Será que está fazendo algo de errado?
É possível que não esteja fazendo nada de errado. O mercado de trabalho é altamente competitivo, e, mesmo que você possua 9 em 10 qualificações solicitadas para um cargo, o empregador pode encontrar quem tenha todas as dez, disse Paul Powers, psicólogo de administração em Wellesley, Massachusetts, e autor de “Winning Job Interviews” (Vencendo em entrevistas de emprego). Lembre-se de que “a natureza essencial de uma busca ativa por emprego, enquanto você está desempregado, é a rejeição”, disse Powers. “Se você não anda sendo rejeitado muitas vezes, é porque não está se esforçando o suficiente.” Na realidade, sua capacidade de ser chamado para entrevistas é sinal de que você está fazendo algo certo -ou seja, mandando currículos que despertam o interesse dos empregadores. A maioria das empresas entrevista o mesmo candidato mais de uma vez -em alguns casos, muitas vezes. Mas se já houve várias ocasiões em que você não passou da primeira entrevista, é provável que esteja cometendo algum erro estratégico.

Dúvida: O que pode estar errado em sua estratégia de entrevistas?
Para começar, você pode estar enviando cartas brilhantes de candidatura a empregos que não são adequadas a você, o que causa perda de tempo de ambas as partes. Mesmo que você seja um candidato maravilhoso, é possível que responda às perguntas que lhe são feitas de maneira inadequada. Algumas pessoas, segundo Barbara Safani, proprietária da empresa de gerenciamento de carreiras Career Solvers, “acham que o mais acertado é falar em generalidades”, mas os gerentes de contratação geralmente preferem dados específicos -especialmente exemplos de como você executou um projeto ou resolveu um problema. Se não for assim, disse ela, você não se diferencia dos outros candidatos. Além de “histórias de sucessos passados”, segundo Safani, os candidatos precisam ser capazes “de comunicar em 30 segundos o que querem, o que pretendem e como podem acrescentar valor à empresa” em questão. Se o entrevistador lhe perguntar sobre seus pontos fracos, disse Safani, “seja autêntico, sem se prejudicar”. Dê um exemplo de um ponto fraco seu que não seja ligado às competências-chaves relativas ao cargo que você procura.

Dúvida: O que fazer ao final da entrevista?
Use o fim da entrevista para reafirmar que está interessado no emprego e altamente qualificado para exercê-lo, disse Powers.

Economistas da vida real

Posted in Ensaios de minha lavra, teoria dos jogos by Raul Marinho on 20 março, 2009

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Determinados mercados são fascinantes pelo fato de que seus participantes, embora sejam absolutamente analfabetos em Teoria Econômica, são altamente eficientes em utilizar tal conhecimento – como um gavião que, mesmo ignorando a Física e a Matemática, consegue calcular uma trajetória perfeita para pegar o pardal em pleno vôo. Nestes mercados, os “maus alunos” são tragados pela seleção natural econômica e acabam “jubilados” em pouquíssimo tempo; quem resta são os verdadeiros PhDs em Economia. O mercado de carros usados é o grande exemplo disto, tanto é que os economistas que ganharam o prêmio Nobel de 2001, sobre a teoria das informações assimétricas, utilizaram-no para explicá-la com o célebre artigo “The market for Lemons” (veja também estes posts). Teoria que ontem, em meia hora de conversa, me foi explicada com a maior competência. A seguir, vou tentar reproduzir a conversa.

Estava passando em frente à loja DKV, na av. Brás Leme em Santana (zona norte de S.Paulo), quando vi um Taurus prata, ano 1997 (igual ao da foto acima), muito bonito. Gosto desse carro, e resolvi perguntar ao senhor que estava na porta da loja quanto ele estava pedindo pela belezura. Fiquei meio impressionado com o valor informado – R$35mil – e já ia saindo, quando o vendedor (e dono da loja, o sr. Maiorano) me disse: “só que tem um detalhe, o carro está com 6mil km originais”. Alguns dedos de prosa depois, ele me deu uma aula de informação assimétrica.

De acordo com o sr. Maiorano, o carro havia sido comprado 0km por um sujeito muito metódico e detalhista, colecionador de carros antigos e em excelente situação financeira. Por 11 anos (de 1997 a 2008), este senhor manteve o carro coberto com uma capa a maior parte do tempo, rodando menos de 3mil km com o carro no período. A idéia seria manter o carro em estado de zero por 20 ou 30 anos (ou mais), que é um fetiche muito comum entre colecionadores. Segundo o sr. Maiorano, o dono do Taurus tem vários outros carros que utiliza no dia a dia, e aquele era seu xodó. Tudo ia bem com o plano de ter um carro ano 1997 impecável em 2027 até que chega janeiro de 2009, e este senhor resolve fazer uma viagem para a Europa, passando cerca de um mês e meio fora do país. É aí que surge o personagem-chave que justifica a venda do carro: o genro folgado que, aproveitando a ausência do sogro, pega o Taurus para “dar umas bandas por aí”. Quando o dono do carro volta, encontra seu xodozinho com o hodômetro marcando 6mil km (o dobro da quilometragem original!), tem um surto, quer matar o genro e, para não fazer bobagem, resolve vender o carro. É esta história que justifica o fato do carro estar à venda. Ao mesmo tempo em que contava esta história, o sr. Maiorano mostra o carro: o estofamento impecável, o estepe sem rodar, o manual do proprietário, a chave de roda sem sinal de haver sido usada, etc.

Apesar disso, o valor pedido é mais que o dobro do valor médio deste carro, que é de cerca de R$15mil. Mas engana-se quem acha que isso é uma dificuldade para o vendedor. Olha o que o sr. Maiorano me disse quando falei sobre isso: “Eu tenho um outro Taurus aqui, ano 1997, com 140mil km. O carro está bom, não tem nem um detalhezinho. Te faço por R$14,5mil, quer?”. O que ele quis me dizer é que aquele Taurus de R$14,5mil é um lemon, um carro impossível de se atestar a procedência, enquanto que o de R$35mil não era um lemon, mas um carro que se pode checar de onde veio, como foi usado, qual a sua verdadeira qualidade, enfim. O sr. Maiorano pode ou não pode ir dar aula em Harvard?

(Para quem se interessar pelo Taurus, o site da DKV é esse aqui).

O “cadastro positivo” já existe!!! Tenha logo o seu!!!

Posted in Atualidades, banco, credito by Raul Marinho on 13 fevereiro, 2009

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Na Folha de hoje, Francisco Valim, presidente da Serasa Experian (e da Experian Latin America) escreve um artigo brilhante sobre crédito. Como o texto é longo e restrito a assinantes, reproduzo abaixo alguns de seus principais pontos (depois, comento & acrescento):

1) A inadimplência é a maior responsável pelos altos spreads praticados no Brasil, sendo responsável por 37,3% da diferença entre as taxas de captação e empréstimo nos bancos, sendo que os 62,7% restantes decorrem de questões monetárias, tributárias, legais e institucionais. Dos componentes do spread, o único item de caráter exclusivamente privado é a inadimplência.

2) Uma medida de extremo impacto sobre a inadimplência é a adoção de “cadastros positivos”, cuja regulamentação tramita na Câmara dos Deputados. Ao contrário do “cadastro negativo”, que aponta o descumprimento de compromissos financeiros (ex.: cheques sem fundos, duplicatas protestadas, empréstimos não honrados etc.), o “positivo” mostra o real comportamento do agente econômico (pessoa física ou jurídica) quanto às suas dívidas. De acordo com estudos acadêmicos, o “cadastro positivo” permite um acréscimo de 90% no número de pessoas que solicitam crédito e são atendidas, a taxa de inadimplência cai praticamente pela metade, e o risco de crédito cai entre um terço e metade.

3) Este trecho está tão bom que eu vou copiá-lo integralmente: “Hoje, no Brasil, socializa-se a inadimplência, cobrando aritmeticamente de toda a sociedade o risco de crédito dos maus pagadores, em vez de utilizar ferramentas para o dimensionamento do risco individual. Tendo o risco individual menor, o risco coletivo também deve cair. Os mercados sem cadastro positivo são caracterizados pela assimetria de informações, prejudicando a avaliação do risco de crédito. Na situação que se encontram, o processo é mais oneroso para ambas as partes: concedentes e tomadores de crédito”.

Comento:

A inadimplência, além de seu custo intrínseco, influencia os demais custos, ou seja: o quadro pode ser ainda mais dramático que o mostrado no item 1. De acordo com os números apresentados, se o banco capta a 10%a.a. e repassa a 30%, os 20% de spread estariam divididos da seguinte forma: 7,46%a.a. para bancar a inadimplência, e 12,54% para os outros custos. Ok, isso está correto, mas o ponto é que a maior parte dos outros custos incidem justamente sobre o spread! Se o custo da inadimplência cair à metade (no nosso exemplo, de 7,46%a.a. para 3,73%a.a.), os outros custos não permanecerão em 12,54%, mas também diminuirão. Possivelmente, os outros custos cairiam em proporção ainda maior que a queda do spread, via ganho de escala e aumento de competitividade, mas é importante ressaltar que a diminuição de 3,73% no custo da inadimplência não resultaria numa taxa final de 26,27%a.a. (ante os 30% originais), mas em menos de 20%a.a. A redução seria, de fato, radical. E, no fim das contas, tudo não passa de um problema de assimeteria de informações, como comentado aqui inúmeras vezes.

Acrescento:

Mesmo sem a aprovação de medidas legais para o “cadastro positivo”, os tomadores – em especial as pequenas e médias empresas – já poderiam atuar para diminuir os spreads que pagam em seus empréstimos. Para isto, bastaria investir um mínimo em relacionamentos bancários, como o proposto neste artigo, que eu e o Fernando Blanco escrevemos no ano passado.

Carta de apresentação

Posted in Atualidades by Raul Marinho on 25 novembro, 2008

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Não tenho (ou, pelo menos, não tinha) nada contra a empresa Catho, especializada em recrutamento e seleção. Mas, hoje, recebi um e-mail que me causou espanto. Nessa comunicação, a empresa anuncia seu mais novo produto, a “carta de apresentação”, que seria um “plus a mais” na sua busca por uma nova colocação profissional. Clicando no link do e-mail, descobre-se que “A Carta de Apresentação é uma prévia do seu currículo e funciona como um trailer de um filme.” – ou seja: não é uma carta de apresentação.

Ainda de acordo com o site da empresa, a carta de apresentação é uma boa porque:

*De acordo com pesquisas, enviar a Carta de Apresentação junto ao currículo aumenta em 50% as chances de contratação;

*Você contará com o auxílio de uma consultora para elaborar uma ou mais cartas focadas nas áreas de interesse, de acordo com o padrão mais apreciado pelos selecionadores;

*Receba uma consultoria totalmente especializada, com experiência na elaboração de mais de 4.000 cartas de apresentação;

*A Carta de Apresentação é uma ótima ferramenta de networking, podendo ser enviada ás empresas ainda que estas não tenham vagas divulgadas. Cerca de 40% das vagas existentes no mercado não são divulgadas.

*Pesquisas comprovam: em 60% dos casos de contratação por meio de cartas de apresentação, o primeiro contato foi realizado diretamente com o diretor, vice-presidente ou presidente da empresa. Isso prova que o envio de carta de apresentação possibilita entrevistas de mais qualidade.

Uma carta de apresentação de verdade (isto é: uma carta de alguém ou alguma empresa apresentando o candidato – por exemplo: uma carta assinada pelo presidente do Bradesco apresentando o Raul, que é candidato à vaga de gerente de contas no Itaú) – realmente aumenta as chances de contratação. Essa é uma aplicação clássica das informações assimétricas (existem vários posts sobre isso, clique aqui), e é, de fato, eficiente. Mas o tal do trailer que a empresa anuncia na descrição do produto nada tem a ver com a carta de apresentação em si… Portanto, se você também recebeu esse spam, cuidado para não levar gato por lebre.

Como irritar o seu cliente

Posted in Atualidades, Ensaios de minha lavra, Evolução & comportamento by Raul Marinho on 10 novembro, 2008

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Ontem, fui à concessionária CAOA da av. Brás Leme (uma revenda Ford) para tentar trocar o carro da minha mulher, um Ford Ecosport 2006 mecânico, por um zero automático. Cheguei até lá por causa de um anúncio no jornal, que dizia haver um modelo automático em promoção, o que não era verdade (o que, por si só, já é uma falha), mas não foi isso o que me irritou. Havia dois Ecosport usados à venda, do mesmo modelo do da minha mulher, um ano 2005 e outro 2007. O vendedor me informou que o mais antigo estava à venda por R$41mil, e o fabricado no ano passado, por R$47mil. Perguntei quanto pagariam no carro que queria trocar, carro de médica, única dona, nunca bateu, completa e com todas as revisões feitas em concessionária. O vendedor foi consultar seu gerente, e volta em alguns minutos com a informação: R$32mil.

Isso também não me irritou. É um direito da empresa querer ganhar o máximo possível, e os riscos do negócio são muito altos. É o clássico problema das informações assimétricas: o comprador não tem como tre certeza de que meu carro (ou melhor, o carro da minha mulher) é, de fato, carro de médica, de única dona, que nunca bateu, etc. Isso sem contar que o mercado está maluco, e amanhã a gente entra numa recessão que joga o preço dos carros usados no chão, ou a mercadoria encalha e a empresa tem que arcar com custos financeiros estratosféricos. O que me irritou mesmo foi o seguinte diálogo:

Eu: – Quer dizer então que você vai comprar meu carro por R$32mil e vender por R$42mil…

Vendedor: – Não, de jeito nenhum! É que esses carros que estão aqui foram comprados antes da crise, por isso que estão sendo vendidos nesse preço. O seu vai ser vendido por no máximo R$35mil.

Ah, tá. Se o mercado se aquecesse e o carro passassse a valer R$45mil, a loja o venderia por R$35mil só porque pagou barato na compra? E esses itens que estão na faixa de R$42mil, se não encontrarem compradores, vão ficar no estoque indefinidamente só porque foram comprados por um preço maior? Conta a do papagaio agora. Nada irrita mais do que quando alguém subestima a nossa inteligência. Ser tido por imbecil é muito pior do que perder dinheiro. Se o vendedor dissesse “Olha, meu caro… Infelizmente, o que eu posso pagar pelo seu carro é somente R$32mil. Eu sei que é pouco, mas é o quanto nosso departamento comercial permite. De qualquer maneira, fique à vontade para vender seu carro de outra maneira, nós estaremos aqui para lhe oferecer o melhor negócio na compra do seu zero quilômetro”. Pronto, resolvido. Eu poderia até topar os R$32mil, só para não ter o trabalho de ter que vender o carro. O que não dá para aceitar é ser confundido com o Alfred Neuman (o da foto acima). Imaginar o cara comentando com os amigos no bar “Rá rá rá!!! Agora deixa eu contar a do idiota de oclinhos que apareceu lá na loja hoje!!! Vocês acreditam que eu fiz cara de tristeza e falei da crise, e o otário acabou vendendo um Ecosport 2006 por 32 paus!!!??? Rá rá rá, como tem idioota nesse mundo!!! Rá rá rá!!!” é que é o problema, não o dinheiro em si. Dinheiro a gente ganha – e, com o perdão da arrogância, sem tanta dificuldade assim. Auto-estima já não é tão fácil de obter…

Bem, o resultado é que eu fechei a compra de um Honda Fit na loja ao lado, só para não ter o risco de ter que pisar numa loja Ford-CAOA no futuro. Ah, e estou vendendo um Ecosport 2006 por R$42mil, alguém se interessa? Para os leitores do blog, dou desconto especial.

Seguro saúde & informações assimétricas

Posted in Ensaios de minha lavra, Evolução & comportamento by Raul Marinho on 31 outubro, 2008

Há cerca de 2 anos, publiquei um artigo sobre o mercado de seguro saúde e as informações assimétricas num site da área de seguros, mas não há Google que me faça achá-lo para republicar aqui. De qualquer maneira, o texto orginal ainda está no HD do meu notebook, e segue anexo:

Vende mais porque é mais fresquinho ou é mais fresquinho porque vende mais?

Porque determinados tipos de seguros se tornaram cronicamente inviáveis

Há alguns anos, uma famosa marca de biscoitos lançou uma genial campanha publicitária em que alegava que seus produtos eram mais fresquinhos porque vendiam tanto que não dava tempo de envelhecer na prateleira – e que eles só vendiam tanto porque eram os mais fresquinhos da praça, num raciocínio circular incrível. Se há racionalidade neste argumento eu não sei, mas o fato é que a campanha foi um sucesso na época, tanto é que eu utilizarei este bordão para explicar neste artigo porque algumas modalidades de seguros simplesmente não conseguem se sustentar, numa lógica exatamente inversa à da campanha.

Algumas modalidades do mercado securitário, como os seguros-saúde individuais, estão deixando de ser comercializados por muitas empresas atualmente. Especialistas na área alegam que estes são produtos sujeitos a muitas fraudes que inviabilizam sua operação. Não que isto seja uma inverdade, mas a lógica econômica por trás do problema é um pouco mais elaborada: trata-se de uma aplicação direta de uma teoria tão genial quanto o bordão publicitário do título – só que, neste caso, absolutamente racional. Na verdade, esta teoria é tão genial que foi contemplada com um Prêmio Nobel de Economia: em 2001, três economistas dividiram os louros da academia sobre o tema “Informações Assimétricas”, que explica porque eventos dessa natureza acontecem.

O mercado de seguros é caracterizado por uma elevada assimetria de informações entre segurado e seguradora, ou seja: a companhia de seguros jamais tem como saber todas as informações que gostaria (ou deveria) sobre seu cliente. Assim, a seguradora tem que levar em conta informações indiretas para avaliar se vale a pena ou não assumir determinados riscos. Sabendo disso, a melhor estratégia para a seguradora é pensar como o segurado pensa e, desta forma, avaliar sua decisão sobre a conveniência em tomar o risco envolvido no negócio. Vejamos como essa teoria explica o problema dos contratos de seguro-saúde individuais.

Por uma série de razões – baixa escala, altos custos operacionais, excessivo número de fraudes etc -, este tipo de seguro acaba tendo um preço excessivamente alto já em um primeiro momento. Por ser muito caro, uma grande parte dos segurados que se dispõem a pagar esse preço deverá ser consciente de que sua saúde seja especialmente frágil, já que seriam estes os clientes que aceitariam pagar valores maiores. Em um segundo momento, o fato dos primeiros clientes serem de uma amostra de pessoas com saúde pior que a média faz com que os preços fiquem ainda maiores, o que, por sua vez, teria o efeito de atrair segurados ainda mais conscientes de sua má condição de saúde. O que acaba acontecendo no longo prazo é que isso gera uma espiral de altos preços e baixa qualidade dos segurados até um ponto em que somente os piores clientes se disporiam a pagar os elevados preços de um seguro-saúde individual. No fim das contas, não é interessante para a seguradora assumir este risco mesmo que por prêmios elevadíssimos, e o negócio se inviabiliza.

Para reverter a situação, a única forma é oferecer um produto a preços razoáveis, o que atrairia um conjunto de segurados mais próximo da média da população, ou seja: pessoas que, em sua maioria, estariam de boa fé e com uma saúde dentro da normalidade. Mas o brasileiro médio tem uma renda muito baixa, os mecanismos legais para o combate à fraude são ineficientes, os custos operacionais (principalmente os tributários) são elevadíssimos e, por isso, o negócio fica inviabilizado. Pelo menos, até quando as autoridades do setor continuarem ignorando a lógica do mercado de livre concorrência.

Estratégia de negócios

Posted in Ensaios de minha lavra, Evolução & comportamento by Raul Marinho on 30 outubro, 2008

Mais um artigo publicado na Você S/A, sobre Economia Comportamental:

Carros usados, sexo e negócios

Três coisas bem diferentes, mas com alguma coisa em comum. Descubra o que é e aplique no seu dia-a-dia

Segundo a psicologia evolutiva, a prioridade do ser humano é a preservação da nossa carga genética. Em outras palavras: sexo. Assim como a maioria dos mamíferos, o homem também compete pelo direito de acasalar. Mas graças à nossa estrutura social e capacidade intelectual, nós não saímos por aí às cabeçadas como os bisões ou às mordidas como os leões. Nós utilizamos estratégias mais sutis, dentre elas as informações assimétricas.

Ou seja, para encontrar parceiros sexuais, tentamos convencer o parceiro do sexo oposto que somos “um bom negócio”. É o mesmo problema encontrado em uma entrevista de emprego ou na venda de um produto ou serviço: os “vendedores” sabem muito mais a respeito da qualidade do “produto” que os “compradores”. Trata-se de uma questão clássica de assimetria de informações que pode ser solucionada de acordo com o trabalho de George Akerlof, ganhador do prêmio Nobel de Economia de 2001.

Ele publicou um excelente trabalho denominado “The Market for Lemons” (algo como “O Mercado das ‘Latas Velhas’”), onde desenvolve um estudo sobre o mercado de carros usados nos EUA (os “lemons”) para descrever os mercados com forte assimetria de informações, como o mercado de trabalho. Raciocínio análogo é utilizado pela psicologia evolutiva para explicar estratégias utilizadas na competição por sexo entre os humanos. A idéia central do trabalho de Akerlof é que, como o vendedor do “lemon” sabe mais sobre a verdadeira qualidade de produto que o comprador, a tendência é que os preços se nivelem por baixo. A explicação é simples. Os compradores admitem que todos os carros usados são “lemons” – mesmo aqueles que estão em ótimo estado. O argumento mais convincente para acabar com essa assimetria é dizer que o carro não está à venda. Admite-se por hipótese que carros expostos em lojas de usados são “lemons”. Ao contrário, um carro utilizado normalmente tem mais chances de ser reconhecido como de boa qualidade simplesmente porque seu proprietário não deseja vendê-lo – pelo menos, não ostensivamente.

Esta estratégia é utilizada por homens e mulheres do mundo inteiro há milênios na escolha de um parceiro sexual. O homo sapiens tem um comportamento básico em relação ao sexo: escolher um parceiro “comprovadamente” satisfatório. Este comportamento é observado em ambos os sexos, mas as mulheres seriam mais orientadas a escolher parceiros “comprovados” – provavelmente porque a escolha feminina é associada a um maior nível de riscos durante a gravidez até os primeiros anos de vida dos filhos. Segundo este raciocínio, o melhor parceiro sexual é aquele já comprometido com outra parceira. Pelo mesmo motivo é mais fácil conseguir um bom emprego empregado do que desempregado. Admite-se que uma pessoa desempregada seria um “lemon” da mesma forma que um “solteirão” pode ser visto com desconfiança por mulheres casadoiras em potencial.

Esta teoria foi comprovada na prática pelo Pedro Mello, o leitor entusiasta desta coluna que aplicou o “Leilão de Dólar” às suas estratégias profissionais (veja o artigo “A Verdadeira Prática na Teoria”). Pedro estava negociando a venda de um projeto de e-business para uma grande marca de artigos eletro-eletrônicos quando tomou conhecimento do artigo sobre informações assimétricas. Em mais uma reunião de trabalho sobre o projeto, Pedro informou ao cliente que não poderia continuar com o trabalho porque uma outra empresa se interessou em adquirir o projeto. Esta informação caiu como uma bomba na diretoria da empresa. O interesse pelo projeto aumentou significativamente e o cliente fechou o negócio rapidamente. O projeto era o mesmo, a única mudança foi o fato de outra empresa estar interessada no mesmo serviço – e tratava-se de um trabalho que só poderia ser desenvolvido uma única vez.

Nós utilizamos esta estratégia em nossa vida pessoal de forma instintiva. Todo mundo sabe que a melhor arma de sedução em uma conquista amorosa é se mostrar relativamente indisponível. Mas ninguém nos diz para utilizar a mesma estratégia profissionalmente. Nos últimos anos, porém, vários prêmios Nobel de Economia foram concedidos a trabalhos relacionados a aspectos comportamentais, inclusive o de 2002, concedido a dois psicólogos comportamentais.

Amado mestre…

Posted in Ensaios de minha lavra, Evolução & comportamento by Raul Marinho on 17 outubro, 2008

O artigo abaixo foi publicado originalmente em 2003 na revista Você S/A, por coincidência o ano da morte do ator Rogério Cardoso, o “Rolando Lero” da Escolinha do Professor Raimundo. A enrolação, por mais cômica que possa parecer, é um dos problemas mais complicados em Recursos Humanos. O chefe que conseguir diminuir a enrolação de seus subordinados em 1% pode ser considerado um bom gestor; e se diminuir mais de 10%, é um gênio. Um dos estudos de caso mais marcantes que eu me lembro da faculdade tem a ver com esse tema, e vou resumi-lo abaixo (os caso é real, embora não tenha referências para apresentar).

Uma determinada empresa fabricante de papel possuía uma grande área de reflorestamento, cujas árvores precisavam ter o espaço ao redor do tronco capinado regularmente, para evitar ervas daninhas e acelerar o processo de crescimento. Os trabalhadores que exerciam a função eram pagos por dia de trabalho, e o gerente responsável logo percebeu que era muito difícil fazer com que esses bóias-frias trabalhassem mais do que 6 horas efetivas: havia muita enrolação para começar o dia, o almoço se estendia além do horário, e se a supervisão virasse as costas, os trabalhadores logo puxavam um cigarro de palha. Foi aí que o jovem gerente da operação, recém graduado em Administração pela USP, percebeu que os salários eram muito baixos e que conceder um aumento real significativo não iria representar um grande acréscimo nos custos, mas isso poderia trazer um grande aumento na produtividade, que é o que lhe interessava, afinal de contas, esse era um item importante na sua avaliação de desempenho.

Esse gerente sabia que dar o aumento pura e simplesmente não melhoraria a produtividade, então ele consultou os manuais de Recursos Humanos e concluiu que se ele passasse a pagar por produtividade, provavelmente conseguiria melhorar seus índices – afinal de contas, aqueles eram trabalhadores muito humildes, que teriam um substancial aumento na qualidade de vida se obtivessem mais renda. Todas as contas feitas, o gerente arbitrou um determinado valor por árvore capinada que possibilitaria aos trabalhadores dobrar o salário se eles executassem o trabalho com seriedade por 8 horas diárias. Com isso, ele imaginou que a jornada de trabalho fosse, no mínimo, respeitada, mas o gerente cogitava inclusive que os trabalhadores capinassem umas 10 horas por dia ou mais.

Sabem qual foi o resultado? A produtividade diminuiu, e os trabalhadores passaram a trabalhar somente 4 horas por dia, passando o resto do dia sentados à sombra, conversando, jogando truco, fumando o cigarrinho de palha, alguns até bebendo. Isso deixou o gerente estupefato, pois ele pensava que ocorreria exatamente o oposto – “se fosse eu”, disse ele, “trabalharia 16 horas por dia, para ver se deixava de ser bóia-fria o mais rápido possível”. Quando foi investigar por que isso estava acontecendo, ele logo encontrou a resposta. Os trabalhadores entendiam que ganhar “muito pouco” ou “o dobro de muito pouco” era a mesma coisa: eles permaneceriam miseráveis; mas se tivessem 4 horas por dia de lazer, aí sim a qualidade de vida deles melhoraria.

Esse é um paradoxo que só a Economia Comportamental explica; o paradigma do “agente econômico racional”, que por tantos anos se ensinou nas universidades, não dá a menor pista para entender o comportamento humano. Feito esse alerta preliminar, vamos ao artigo, então:

O antídoto da enrolação

Neste primeiro artigo da coluna “Prática na Teoria” baseado na contribuição dos leitores, vamos tratar de um assunto tão comum quanto pouco discutido nos meios corporativos: a enrolação. O Prof. Dr. Emilton Lima Júnior escreveu de Liège, na Bélgica, onde está concluindo seu doutorado sobre estresse profissional, para relatar seu ponto de vista sobre o assunto. Seu artigo publicado na Revista Brasileira de Ensino Médico aborda de forma brilhante a famosa frase “eles fingem que nos pagam – a gente finge que trabalha” sob a ótica da Teoria dos Jogos e das Informações Assimétricas. Apesar do artigo ter sido concebido originalmente para tratar a questão do ensino de medicina no país, este também é um assunto aplicável à maioria das empresas e órgãos públicos dentro ou fora do Brasil.

A enrolação no trabalho não é uma invenção brasileira. Prova disto é o fato de Bill Gates ter incluído jogos e passatempos como a paciência logo na primeira versão do Microsoft Windows. A enrolação nada mais é do que uma resposta desertora de um funcionário que entende que seu patrão não coopera o quanto ele acha que deveria. Como o funcionário sabe que existe um certo grau de assimetria de informações entre ele e a empresa, ele se sente seguro para enrolar. Além disso, ele sabe que a assimetria de informações também o protegerá caso ele seja despedido do atual emprego, pois dificilmente seu novo empregador irá saber que ele deixou a empresa anterior por ser um enrolador. Na verdade, o funcionário enrolador faz com que toda a produtividade de seu departamento ou empresa caia, prejudicando os funcionários mais trabalhadores, o que faz com que haja um equilíbrio progressivo em níveis cada vez mais altos de enrolação.

A estratégia mais básica em Teoria dos Jogos é a “tit-for-tat”, algo como “olho-por-olho”: eu coopero com quem coopera e deserto com quem deserta. Se eu achar que meu empregador não está agindo cooperativamente comigo, eu tendo a desertar. Por outro lado, se meu patrão achar que eu não estou cooperando o quanto deveria, ele é que tende a desertar. Como os dois acham que o outro está desertando ou irá desertar (uma incerteza devido à assimetria de informações), eles antecipam suas próprias deserções, caminhando rapidamente para um equilíbrio de Nash clássico: ambos desertam, pois esta é a melhor estratégia possível independentemente da estratégia escolhida pela outra parte. A grande questão é: quem nasceu primeiro? O ovo do funcionário enrolador ou a galinha do patrão ganancioso?

Isto é, no fundo, o famoso “Dilema do Biscoito”, criado há cerca de uma década pela publicidade nacional para vender uma determinada marca de biscoitos que não se sabia se era fresquinha porque vendia mais ou se vendia mais porque era fresquinha. O que se sabe somente é que todos os funcionários enrolam em maior ou menor grau; toda empresa oferece menos vantagens para seus empregados do que poderia ou deveria (uma outra visão da mais-valia marxista); e ambos fingem que não estão vendo a traição do outro para manter o equilíbrio entre eles. Perceba que este equilíbrio possui um grande viés inercial: qualquer uma das partes que tentar sair do equilíbrio se expõe a riscos. Se o empregado decidir parar de enrolar, ele corre o risco do patrão não só não retribuir, como atribuir um novo patamar de produtividade com a mesma cesta de remuneração oferecida anteriormente. A empresa que tomar a iniciativa de adotar uma postura mais cooperativa, por outro lado, também estará exposta à falta de reciprocidade por parte dos seus empregados e dificilmente conseguirá voltar aos patamares de remuneração anteriores – inclusive por imposição legal.

Antes que o leitor ache que este artigo é – ele mesmo – uma enrolação, vejamos o que o Prêmio Nobel de Economia de 2001, Joseph Stiglitz, pensa sobre este assunto. Segundo Stiglitz, a forma de romper este equilíbrio de Nash do tipo “eles fingem que nos pagam – a gente finge que trabalha” seria através de um nível de remuneração acima da média. A despeito do brilho intelectual de Stiglitz, esta teoria foi adotada empiricamente já em 1914 com estrondoso sucesso por um cidadão chamado Henry Ford. Naquele ano, a Ford Motors passou a pagar 5 dólares por dia para seus funcionários, contra uma média de 2 ou 3 dólares dos concorrentes e dele mesmo em anos anteriores. A produtividade na Ford cresceu vertiginosamente (51%, segundo relatórios da época) e o lucro da companhia dobrou entre 1913 e 1916.

O problema é que neste momento ocorre uma outra corrida de desertores, desta vez empresa contra empresa. Quando a concorrência percebeu que a Ford lucrava mais, passou a pagar mais de 5 dólares. No momento seguinte, a Ford passou a pagar mais que a concorrência e assim foi até as empresas atingirem o limite de lucro zero em suas empresas. A estratégia simplista do Mr. Henry naufragava pelo mesmo motivo que teve sucesso: a Teoria dos Jogos (na verdade, uma variante do “Leilão de Dólar”). Neste momento, aparece em cena um novo conceito em remuneração, o “Salário de Eficiência”: uma remuneração paga aos funcionários para que não enrolem.

O “Salário de Eficiência” foi publicado originalmente na Harvard Business Review em maio-junho de 1978 por Jacob Gonik. Apesar de ter quase um quarto de século, este conceito ainda hoje é visto como inovador. Na Você S/A deste mês, os repórteres Rodrigo Vieira da Cunha e Alessandra Fontana nos mostram como a remuneração variável (nomenclatura mais adotada no país para o “Salário de Eficiência”) é um assunto cada vez mais comum no Brasil e como isto tem a ver com você (leia a matéria “Você valendo mais” http://vocesa.abril.com.br/edi51/1318_1.shl).

A remuneração variável é a fórmula mais usada na composição da vacina anti-enrolação adotada hoje em todo o mundo.

Como vender geladeira para esquimó (e deixar o esquimó feliz)

Posted in Ensaios de minha lavra, Evolução & comportamento by Raul Marinho on 16 outubro, 2008

Vender é uma arte? Sim, da mesma forma que pintar quadros é uma arte, esculpir é uma arte, compor músicas é uma arte. Isso não significa que não haja técnica para escrever uma partitura, entalhar a pedra, usar o pincel, ou vender. A teoria dos jogos, muito embora amplamente desconhecida do pessoal de vendas (teóricos e práticos), oferece ferramentas muito eficientes para a área comercial. Uma das mais interessantes é o que ficou conhecido como “leilão de dólar”, que eu explico no artigo abaixo, também publicado na coluna “Prática na teoria” da revista Você S/A, em 2003. Se isso fosse só um blá-blá-blá de escritor metido a sabichão como eu, essa técnica até poderia ser inócua, mas não fui eu quem teve a sacada para esse texto. O responsável intelectual, nesse caso, foi o Pedro Mello, um dos caras mais geniais da área comercial do empreendedorismo no Brasil, especialmente no que se refere às franquias (para quem não conhece o Pedro, sugiro uma visita ao seu blog, o “Blog do empreendedor” da revista Exame/PME). Toda vez que eu converso com o Pedro, aprendo uma coisa nova na área de empreendedorismo e negócios, e o que você vai encontrar a seguir é o resultado de uma das primeiras vezes que eu passei por esta experiência.

A verdadeira prática na teoria

Este é o décimo-terceiro artigo que escrevo nesta coluna. Como o ano tem doze meses, o décimo-terceiro mês seria o primeiro mês do ano seguinte, o que sugere que o treze seria um recomeço. Além disto, treze – o número de Santo Antônio, santo da minha devoção – também é meu número de sorte, superstição que divido com o único ser humano verdadeiramente tetra-campeão de futebol do mundo, Mário Jorge Lobo Zagallo. Se o treze deu sorte para ele, espero que dê para a coluna também. Isto tudo me sugere que o artigo de número treze seria propício a uma mudança, a um recomeço (pelo menos, é assim que eu interpreto). Por isto, a partir deste artigo, a “Prática na Teoria” vai ser reiniciada com um outro enfoque, baseado nas experiências que os leitores têm me contado sobre aplicações reais da Teoria dos Jogos, Informações Assimétricas e outros assuntos que temos discutido neste espaço.

Desde março deste ano, quando comecei a escrever aqui, recebi centenas de correspondências dos leitores (precisamente, 284 até ontem). Fiz grandes amigos entre os leitores e, na semana passada, até recebi um presente (um livro) pelo correio de um deles. Tenho, inclusive, um leitor que está desenvolvendo uma tese acadêmica em Direito sobre Teoria dos Jogos – fato que me deixa muito lisonjeado, pois ele conheceu a Teoria dos Jogos através da coluna. Por isto, achei que seria interessante dividir com os outros leitores algumas experiências sobre aplicações práticas das teorias que têm sido discutidas aqui. Aos leitores que queiram me enviar suas experiências, meu e-mail aparece no final da coluna. Eu prometo que todas as mensagens serão respondidas – como, a propósito, todas foram até o momento – e as aplicações mais interessantes serão publicadas.

Um dos leitores que mais têm aplicado as teorias que escrevo é meu grande amigo Pedro Mello. O Pedro, aliás, já aplicava estes conceitos antes mesmo de conhecê-los. Como diretor de uma empresa de tecnologia, conheci o Pedro no papel de fornecedor de uma solução de Internet para a minha empresa de consultoria. Quando ele apresentou sua proposta, um detalhe me chamou a atenção. Se eu fechasse o negócio em 48 horas, ele me concederia 20% de desconto sobre o preço proposto. Se eu me decidisse em até uma semana, o desconto cairia para 10% e, após este prazo, não haveria mais desconto.

Como eu também sou prestador de serviços, eu sei que o Leilão de Dólar pode ser algo terrível em negociações comerciais, principalmente no setor de serviços. O Leilão de Dólar é uma aplicação da Teoria dos Jogos abordada no artigo “Eu penso que você pensa que eu penso…”. O mecanismo do leilão mostra que uma negociação que se arrasta por um prazo muito longo tende a chegar em um ponto em que você já gastou tanto tempo, energia e recursos que você tem que fechar o negócio a qualquer preço – mesmo com prejuízo – para encerrar o leilão o mais rápido possível.

Martin Schubik, o idealizador deste jogo, aplicou-o inúmeras vezes entre seus alunos de Yale com resultados muito semelhantes. As regras são muito simples: uma nota de um dólar era leiloada com um lance mínimo de um cent. Mas existe uma particularidade: o segundo colocado também deve pagar o lance – porém, sem receber a nota. Desta forma, se o ganhador do leilão desse um lance de US$0,20 contra US$0,19 do segundo colocado, o ganhador pagaria US$0,20 e receberia US$1,00: US$0,80 líquidos. O segundo colocado somente pagaria os US$0,19. Acontece que, na média dos leilões, a nota foi vendida por US$3,40. Seria de se esperar que o primeiro jogador desse um lance de US$0,01 e lucrasse o máximo possível. Mas este jogo não privilegia a cooperação e, com deserções de parte a parte, o equilíbrio é atingido em um ponto em que ambos jogadores perdem. Com o passar do tempo, o objetivo do jogo passa a ser não ficar em segundo lugar, ao invés de ganhar a disputa.

O que o Pedro desenvolveu foi, em última análise, um dispositivo anti-Leilão de Dólar. Para evitar que a negociação se arrastasse por muito tempo, ele criou um mecanismo de descontos para estimular o fechamento rápido do negócio. Quando eu li a proposta do Pedro, eu mostrei para ele o fundamento teórico sobre o mecanismo que ele criara e, a partir de então, ele tem aplicado vários outros conceitos da Teoria dos Jogos, Informações Assimétricas, etc em sua vida prática. Em uma outra oportunidade, ele me contou sobre uma aplicação das Informações Assimétricas a uma outra negociação, mas esta história fica para um próximo artigo.

O interessante desta história é que este dispositivo anti-Leilão do Pedro foi criado antes dele conhecer a teoria sobre o Leilão de Dólar. Isto mostra como estes conceitos são intuitivos, o que valida ainda mais a teoria. Na verdade, a Teoria dos Jogos teve um grande impulso através da Biologia. Em 1971, um biólogo de Harvard chamado Robert Trivers escreveu um trabalho chamado “A evolução do altruísmo recíproco”, onde demonstrava através da Teoria dos Jogos as vantagens evolucionárias que a espécie humana obteve com a cooperação. A partir daí, a Teoria dos Jogos cresceu interativamente com a Biologia, com grandes benefícios para ambas áreas de conhecimento.

Nos próximos artigos, eu pretendo contar as suas histórias, o seu exemplo de aplicação das teorias abordadas nesta coluna. Aproveite esta oportunidade para demonstrar sua disposição à cooperação recíproca e divida suas experiências com os outros leitores!

Tenha sucesso na carreira – pergunte-me como.

Posted in Ensaios de minha lavra by Raul Marinho on 16 outubro, 2008

Você sabe qual é o segredo para subir na carreira? Quem leu o artigo abaixo, que eu publiquei em 2002 na revista Você S/A, já sabe faz tempo.

O fator credibilidade

No último artigo publicado nesta coluna [a coluna “Prática na Teoria” da revista Você S/A], foi comentado que grandes gurus da administração entendem que o melhor lugar para aprender a fazer negócios é a feira. Para mostrar uma das lições que se pode aprender na rua, foi apresentada uma aplicação da Teoria dos Jogos para estratégias de localização através do exemplo de um sorveteiro vendendo sorvetes na praia. Neste artigo, nós vamos apresentar uma aplicação das Informações Assimétricas a outra “lição das ruas”, onde prática e teoria se unem para mostrar novas abordagens para estratégias profissionais.

No fim-de-semana posterior à sua aventura como sorveteiro na praia, vá para uma feira de antiguidades com grande movimento. Se você estiver em São Paulo, eu recomendo que você visite a feira do Masp, na avenida Paulista [vide foto acima]. Preste bastante atenção no que você vai encontrar pelo caminho, principalmente nas barracas de camelôs na calçada. Repare como os artigos vendidos vão variando à medida que você se aproxima do vão central do Masp: tem-se a impressão que as barracas estão dispostas em faixas ou anéis em volta do museu. As barracas mais distantes do Masp vendem produtos industrializados: tiaras de cabelo, balas, etc. Mais adiante, você encontra artesanato barato, como colares e pulseiras de contas. Bem próximo ao centro, você encontra quadros pintados à mão, bonecas russas e outros apetrechos mais sofisticados. Finalmente, sob a marquise do museu estão as barracas dos vendedores de antiguidades e objetos mais nobres.

Os mercados com Informação Assimétrica têm como característica o fato do vendedor saber muito mais sobre a qualidade do produto que o comprador. Os produtos colocados mais à periferia do Masp têm baixa assimetria de informações: são produtos industrializados, muitas vezes com uma marca conhecida, onde o consumidor pode identificar sua qualidade facilmente. O artesanato já não é padronizado e fica mais difícil reconhecer se o artigo é realmente de boa qualidade. Os quadros, por sua vez, são absolutamente únicos e é bem mais complicado atestar sua verdadeira qualidade, principalmente para um leigo. Mas a maior parte dos objetos expostos sob a marquise do museu é muito difícil de ser avaliada: você pode (e deve) negociar o preço, mas é muito provável que o vendedor esteja mais bem informado sobre o real valor do produto que você. Note que os objetos sob a marquise do Masp são pertencentes a um mercado com altíssima assimetria de informações; e, à medida que se caminha para a periferia, os objetos vendidos tendem a ser cada vez mais facilmente reconhecidos quanto à sua real qualidade.

Perceba agora o perfil dos vendedores de cada uma das zonas de comércio no Masp: quanto mais padronizado é o produto, menos qualificado tende a ser o vendedor. Muitas vezes, os vendedores de produtos industrializados são funcionários de pessoas com várias barracas, enquanto os vendedores de antiguidades normalmente são os próprios donos, pessoas de mais idade e muito mais cultura. Além disso, a localização dos vendedores em anéis não é por acaso: é muito mais custoso se estabelecer próximo ao centro e, para expor embaixo da marquise, é necessário obter uma licença e pagar taxas à Prefeitura. Como os custos são maiores à medida que se caminha para o centro, presume-se que a rentabilidade do negócio também caminhe nesta direção. A reputação do vendedor de mercadorias com alta assimetria de informações, por sua vez, tende a ter grande relevância. Você não precisa confiar no vendedor de balas de menta de marca conhecida. Mas você não vai comprar uma obra de arte do século XIX de qualquer um.

Agora compare o que você notou na feira do Masp com o mercado de trabalho e sua própria carreira. Na feira, quanto mais sofisticado e único é o produto, mais importante fica a reputação do vendedor e maior a margem de lucro. A negociação é mais complexa e o vendedor tem que passar uma imagem muito forte de credibilidade e profissionalismo. No mercado de trabalho ocorre algo muito semelhante. Para um diretor comercial conseguir se vender como profissional de alta qualidade, ele vai depender muito mais da reputação que um gerente de vendas ou um vendedor. Para o empregador, por sua vez, é muito mais difícil contratar um gerente comercial que um vendedor – e é mais difícil ainda recrutar um novo diretor comercial. Note que os salários pagos a cada um destes profissionais também tendem a crescer à medida que cresce a dificuldade de avaliação de sua real competência.

O vendedor de antiguidades do Masp sabe que a assimetria de informações é, ao mesmo tempo, uma oportunidade e uma ameaça. Como ele tem consciência que o cliente não tem como saber a verdadeira qualidade dos seus produtos, o vendedor fica em uma situação de aparente vantagem: o cliente fica dependente das informações que só o vendedor tem. Justamente por isto que a dificuldade em vender produtos com alta assimetria de informações tem grande relação com o grau de credibilidade que o vendedor possui. Com a carreira profissional acontece a mesma coisa. Quanto mais alto o nível do profissional, maior a dificuldade para o empregador avaliar a verdadeira qualidade do empregado. Em última análise, devido às Informações Assimétricas, a credibilidade que o empregado demonstra ter é que vai ser decisiva para sua avaliação. E esta credibilidade vai ser tão mais relevante quanto maior for o nível de responsabilidade e autoridade exigida para o profissional em questão.

Informações assimétricas

Posted in Ensaios de minha lavra, Evolução & comportamento by Raul Marinho on 14 outubro, 2008

Imprima e guarde para usar quando você for comprar um carro usado, contratar alguém, ou pedir crédito num banco:

Assimetria de informações

Imagine que você queira comprar um carro usado: um Gol ano 98, por exemplo. Você encontra este modelo em várias lojas da cidade, mas quando volta para casa, você vê o Gol 98 do seu vizinho com uma placa de “vende-se” na janela. Qual carro você irá preferir: o da loja ou do seu vizinho? Agora, coloque-se na pele de um gerente de produção que precisa contratar um engenheiro. Você tem inúmeros currículos na sua mesa, mas um deles é do filho do seu amigo, que você conhece desde pequeno. Qual seria sua escolha natural? Ambos os casos tratam da questão da Informação Assimétrica, uma das teorias mais importantes para entender o funcionamento dos desvios de eficiência no mercado de trabalho.

Depois do Nobel de Economia para a Teoria dos Jogos em 1994, a comunidade acadêmica tem se interessado cada vez mais pela Microeconomia, como foi o Nobel de 2001 para a Informação Assimétrica. Determinados mercados, como os de carros usados, seguros, crédito e serviços especializados têm a característica de uma das partes saber muito mais do que a outra sobre a real qualidade do que está sendo negociado. O vendedor do carro usado sabe muito mais sobre o estado do veículo que o comprador. Quem contrata um plano de seguro médico conhece melhor seu próprio estado de saúde que a empresa de seguro. E, no caso do mercado de trabalho, o empregado também sabe muito mais sobre si mesmo que o empregador.

A Informação Assimétrica, porém, tem uma conseqüência nefasta sobre os vendedores: a Seleção Adversa. Quando compradores e vendedores não têm como determinar a real qualidade do produto, fazendo com que produtos de qualidades distintas sejam vendidos pelo mesmo preço, a Seleção Adversa cria um desvio de eficiência no mercado. Este desvio se traduz em uma depreciação indiscriminada de preços. Para entender o efeito da Informação Assimétrica sobre o mercado de trabalho, o ganhador do prêmio Nobel George Akerlof estudou o mercado de carros usados nos Estados Unidos, lá conhecidos como “lemons”.

Akerlof concluiu que, como vendedores e compradores não tinham como saber a verdadeira qualidade dos veículos, o mercado tendia a ter seu ponto de equilíbrio baseado no preço dos carros de baixa qualidade. Na verdade, somente pelo fato do veículo estar à venda em uma loja de usados, seu preço já seria substancialmente depreciado. Em contrapartida, os consumidores estariam dispostos a pagar mais pelos “carros de vizinho”. Acontece que o carro do seu vizinho vale mais para você que o conhece. Este mesmo carro em uma loja de usados é um “lemon”. Ou seja, o que faz a diferença é a assimetria de informações.

De forma análoga, um profissional que já esteja empregado vai ter muito mais facilidade em conseguir um outro emprego que alguém que esteja desempregado. Apesar de um potencial empregador eventualmente nem conhecer a empresa onde determinada pessoa trabalhe, ele vai admitir por hipótese que se trata de uma pessoa mais qualificada simplesmente por não estar no mercado de “lemons”. Se os efeitos da Informação Assimétrica são tão devastadores para quem está desempregado, os economistas começaram então a entender o que poderia ser feito para diminuir a Seleção Adversa no mercado de trabalho.

Neste ponto, a Informação Assimétrica se encontra com a Teoria dos Jogos ao concluir que a reputação seria um dos principais fatores para diminuir a disparidade de informações. Uma outra forma de diminuir a assimetria de informações seria através da sinalização de mercado. Um MBA em Harvard é um forte sinalizador não só porque significa que o profissional tenha conhecimentos específicos sobre administração de empresas. Talvez mais importante que o conhecimento, ter um título destes sinaliza outras qualidades, como inteligência, disciplina e empenho. O mesmo acontece com profissionais que trabalham à noite e nos finais de semana. Muitas vezes, estes profissionais trabalham fora do horário normal simplesmente para sinalizar comprometimento e dedicação, mesmo em situações onde a demanda profissional não seja tão alta.

McDonald’s é uma empresa que tira proveito das Informações Assimétricas pela padronização. Você pode não jantar no McDonald’s de sua cidade, mas se você estiver viajando com sua família pelo interior, provavelmente vai preferir a segurança de um McDonald’s à incerteza de um restaurante de estrada. A mesma estratégia pode ser adotada por um profissional que possua certificações reconhecidas mundialmente: a padronização aumenta a segurança de quem o contrata.

Nada, porém, é mais eficiente para diminuir as informações assimétricas que o velho e bom networking. Dê uma olhada no seu currículo. Mesmo que você tenha seguido todas as orientações para construir um currículo perfeito, ele vai conter uma fração da informação sobre quem você realmente é. Seria comparável ao manual do proprietário de um carro usado, onde você vê os carimbos das revisões: o.k., o carro teve manutenção, mas como ele foi dirigido de fato? Seus amigos, parentes e colegas de trabalho, por outro lado, sabem o que você andou fazendo nos últimos anos. É comparável ao carro do vizinho que você vê todo dia – e, a propósito, não vai dar a mínima importância para o manual, caso se interesse em comprá-lo.

A assimetria de informações é um fenômeno relativamente recente na história do homem. Antes da evolução das tribos primitivas para as supertribos que originaram as cidades modernas, as pessoas se conheciam mutuamente e a assimetria de informações era praticamente nula. Hoje em dia, o homem vive no anonimato em decorrência da hiper-população: ninguém mais conhece ninguém e a assimetria de informações é enorme. O networking é, na verdade, uma estratégia para diminuir os efeitos das enormes aglomerações em que vivemos. Nós ficamos menos anônimos e, conseqüentemente, as informações sobre nós ficam mais simétricas.